O azar de Isadora



O azar de Isadora


A famosa bailarina Isadora Duncan foi perseguida toda sua vida por inacreditáveis azares. Morreu enforcada por uma echarpe muito longa com a qual entrou em um carro conversível. A ponta, com metros esvoaçando ao vento, enrolou-se na roda traseira do veículo e quebrou-lhe o pescoço. Cultivou amores que pareciam escolhidos para darem errado. Caiu certa vez em um buraco no convés de um navio ferindo-se seriamente. Resolveu ensinar dança em Moscou em uma época extremamente difícil e passou privações.

Examinando com cuidado os azares de Isadora, veremos que sua má sorte foi grandemente influenciada por suas imprudências, por um temperamento impulsivo não dado a examinar as possíveis conseqüências de suas opções. Max Gunther escreveu um interessante livro sobre os favores dos deuses, em que examina os fatores determinantes do que chamamos sorte. Analisando casos de notórios azarados, como Isadora, ao lado de bem sucedidos favorecidos pelo acaso, chegou a conclusão de que nossos destinos são definidos por um processo de escolhas e atitudes característicos. Um dos fatores importantes é a atitude de previdência, fosse Isadora uma pessoa de sorte, pelo padrão de Gunther, ao embarcar no conversível teria cogitado do perigo de sua comprida echarpe tremulando ao vento.

Países e pessoas costumam atribuir os acontecimentos a fatores externos, ora é o capital internacional que deseja nos explorar, ora é uma globalização para a qual nunca estamos preparados, ora são conspirações ardilosamente urdidas com o fito de nos amarrar permanentemente à dependência. É mais fácil pensar assim, na verdade muitos parecem professar uma religião diferente daquela que proclamam, a grande fé fatalista é a islamita, islã significa submissão, submissão à vontade divina. Se tudo está escrito nosso destino é inelutável. Tudo viria de fora e seríamos impotentes para modificar os desígnios do grande livro. Maktub! Estava escrito! Como nos livros de Mahlba Tahan. No entanto a grande tradição ocidental é a do livre arbítrio. Significa que somos donos de nossos caminhos, que optamos continuamente em encruzilhadas traçando simultaneamente os acontecimentos subseqüentes.

Jogamos uma grande partida, infelizmente sem direito a ensaio. A lei da causalidade interfere continuamente alterando o resultado final. Nosso país no entanto tem longa tradição de oportunidades perdidas, escolhas insensatas são a origem de cada uma das dificuldades que enfrentamos. Basta pensar se estaríamos enfrentando o déficit de população preparada hoje se tivéssemos tomado esta providência décadas atrás, quem sabe em 1868 como o Japão. Se teríamos os problemas de segurança críticos de agora se houvéssemos acabado com a impunidade endêmica 30 anos atrás. Mil considerações políticas podem ser feitas a respeito das dificuldades de fazer passar medidas que trazem restrições imediatas e cujos resultados benfazejos só surgirão com o tempo. Porém os azares de Isadora também tinham esta característica, suas escolhas tendiam ao prazer imediato: o vento no rosto, o gosto da velocidade no carro aberto, o pano drapejando ao vento... súbito o resultado da imprevidência: um aperto seco e mortal.

Petrucio Chalegre
www.chalegre.com.br
Autor: Petrucio Chalegre


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