Sétimo Aniversário



Estava ali parado, contemplando a fotografia. Seu tio sempre tremia na hora de clicar e a imagem já não tinha muita qualidade depois de tantos anos, mas ao perceber o chapeuzinho de papelão e o biquinho afoito para apagar a pequena chama, também tremeu. Os calafrios seguiam-se das nítidas recordações da festa de aniversário em comemoração de seus 8 anos.

O som da música percorria os corredores de sua mente, podia ver o bolo decorado de glacê verde com vinte e dois bonequinhos e uma pequena vela redonda ao centro. Soprou a vela e gritou Gooool. Maravilhou-se com os brigadeiros, beijinhos de coco, cajuzinhos e um leve tapa repreendendo a mãozinha que não podia esperar a hora certa para apanhar as pérolas doces.

Vinte e oito anos, sete aniversários. Porque não uma das outras 364 realidades senão 29 de fevereiro? Certamente ninguém se lembraria novamente. 

Não queria tantas atenções como uma Copa do Mundo, nem  sequer fazia questão de ter uma imensa torcida cantando parabéns, mas já estava cansado de sair derrotado no meio do campo vazio.

trin-trin. A mente ainda confusa não consegue perceber exatamente se era o toque do telefone ou da campainha da porta.

O percurso do quarto até a sala foi o suficiente para que um sorriso curioso surgisse em meio aos palpites. Quem poderia ter se lembrado? O André? Pouco provável. Nos 15 anos em que estiveram trabalhando juntos, o colega de escritório sempre esquecia da bendita data. Talvez a Carla. Sim! ACarla! Única pessoa da academia da ginástica com que tinha contato ha quase dois anos não poderia esquecer. Marcelo agora sentia-se culpado por estar tão mergulhado em suas angústias por ter sido esquecido enquanto ele próprio se esquecera de Carla.

Sentou-se no sofá apanhando o gancho, pronto para passar um bom tempo a tagarelar com a amiga ao telefone.

Enganaram-se. Ele por renovar todas suas esperanças em algo que já deveria ter certeza e o rapaz de voz grave por discar o número displicentemente.

Retorno à estaca zero. Antes que fosse possível voltar a realidade de sua existência insignificante, outro trin-trin renova suas expectativas. Desta vez era a campainha. Três passos do sofá até a porta que é aberta com requintes de se lembrar Silvio Santos.

Então sorriu. Não foi a imagem de André, de Carla ou de qualquer outro que pudesse lembrar que fazia com que Marcelo pensasse na tamanha capacidade de esquecimento dos seres humanos. Estava ali, toda a falta de memória dele mesmo, materializada como o rapaz de boné com uma pizza na mão, encomendada poucos momentos antes dele encontrar a foto na gaveta do criado.

Passaram horas conversando sobre Copa do Mundo, aniversários, amizade, ao sabor  da quatro queijos, ele e o motoboy, que esqueceu a coca de dois litros.

Autor: Marcelo Paradyse


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