A publicidade e o livre arbítrio



Um homem com um cigarro que lhe encurta a vida. Uma mulher com um salto tão alto que lhe distorce as articulações. Uma criança que chora por um brinquedo que viu na televisão. Quadros normais de nossa humanidade, e não tão novos assim. Desde que um homem pré-histórico ouviu gabar como vantagem este ou aquele adereço, e arrastado por uma compulsão enfiou no lábio um batoque, cá vamos nós agindo sem discernimento, conduzidos por modas que nem sabemos como se originaram. Até os batoques estão aí de volta.

Só crêem no livre arbítrio os que nunca lidaram com a criação da publicidade. Podemos conduzir os desejos. Criar aversões. Denegrir reputações ou construir modas. Basta saber como se comporta a mente humana. Através dos tempos, mesmo de forma não especificamente planejada, criamos o conceito das nações. Como se faz? Cristalizado um grupo com território e características comuns, damos-lhe uma bandeira, um hino, um mapa, e eis os homens dispostos a matar e morrer pela criação de um grupo de líderes.

Parece demasiado forçado? Então examinemos a criação de uma torcida de futebol. Hino e bandeira dependem do mesmo processo. O território é um campo de grama. Podemos dar camisetas também. Gritos de guerra. E agrupados homens suficientes, teremos um estado substituto. Os mesmos mecanismos mentais, a mesma disposição para a batalha. Lá dentro dos corações o mesmo repúdio aos que não são da tribo. E não se duvide, capacidade para entrar em conflitos que levem até a mortes aparentemente sem sentido.

Assim podemos perceber que quem compreende estes recônditos do coração humano pode manipula-lo. Não é verdade, como a indústria tabageira quer fazer crer, que fuma quem quer. Não, os homens são conduzidos pelas idéias veiculadas. E quanto melhor for a roupagem, melhor lhes venderemos produtos e consumo. Assim sucede com as condutas que são propagadas pelos meios de comunicação. Não atingimos a convicção de que construímos a sociedade com as idéias que lhe vendemos. Tudo sucede ao correr de impulsos aleatórios. Estamos presos de um lado a noção de livre arbítrio, crendo que os homens tem discernimento e escolhem livremente entre o bem e o mal. De outro nos ameaça a terrível idéia de que alguém ou um grupo decida o que é bom ou ruim e molde o mundo a seu bel prazer.

Mas a sociedade tem meios de se construir, de se autoreparar, sem cair em armadilhas de direita ou esquerda. Em primeiro lugar é necessário reconhecer este tremendo poder de modificação de condutas que temos à mão. Em segundo usar os meios de discussão que a democracia permite. Percebido que podemos fazer homens se suicidarem com vícios através de peças publicitárias, é possível despertar para o fato de que podemos construir, de comum acordo, um mundo solidário e não violento. Para isto temos instrumental poderoso, apenas devemos começar a usa-lo.
Autor: Petrucio Chalegre


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