Agressividade



AGRESSIVIDADE


Salete Santos Anderle
Camila Lais Valsechi²
Maria Cristina Schwiter Veit³

RESUMO
A agressividade existe nas diferentes formas e lugares e não poderia ser diferente uma vez que traz consigo a energia vital. Saber lidar com a agressividade própria e de outrem é que é tarefa a ser ensinada e aprendida.
Este pequeno artigo traz um pouco das diferentes formas e olhares que é possível o psicopedagogo, o educador e pais ter a respeito da agressividade. Seu conceito, suas manifestações, a diferença entre agressividade saudável e manifestação de pulsão (de ato de amor) do ato de violência como algo destrutivo.
A agressividade muitas vezes não se pode evitar e conter; pode sim ser educada.
A escola como espaço de aprendizagem formal e subjetiva, através da figura do professor será o continente para o sujeito resignificar sua agressividade de forma positiva, transformando toda esta energia em criatividade, aprendizagem através da permissão do saber nas autorias singulares de cada um.

PALAVRAS-CHAVES: agressividade, diferentes olhares, educação e psicopedagogia.


ABSTRACT
Aggression exists in different ways and places and it could not be different once it brings along vital energy.
Knowing how to deal with our own aggression and somebody else’s is a task to be learned and taught.
This short article brings a few different ways to look at in that it is possible for the psycho educationalist, tutor and parents to observe aggression. Its definition, its manifestation, the difference between healthy aggression and sudden manifestation (act of love) and act of violence as something destructive frequently aggression cant’s be avoided, however it can be taught.
The Scholl has room for formal and subjective teaching and the instructor will be the one in charge aggression in a positive way changing all this energy into creativity and learning…
KEY WORDS: aggression, different ways to look at it, education and psycho pedagogy





1 AGRESSIVIDADE


1.1 Diferentes olhares e suas intervenções psicopedagógicas

A palavra agressividade circula nas Escolas com lugar de destaque. Ela está presente na fala dos professores quando estes querem buscar explicações para “o não aprender” de seus alunos.
Circula também nas entrevistas com os pais, quando estes são chamados e comunicados de que seus filhos são indisciplinados, sendo necessária uma intervenção deles, para moderar seus atos agressivos.
A agressividade tem também livre transito entre direção, professores e funcionários. Ela é explicitada constantemente, no espaço escolar, ora de um jeito, ora de outro. Ela se desloca, ora entre os alunos ou grupos de alunos, promove troca de lugares entre o agressor e agredido, como uma verdadeira dança.
Às vezes, aparece sob a forma de turbilhão onde o emocional predomina quase que exclusivamente, marcando com isso, um lugar, onde a inteligência e o simbólico não podem compartilhar. Varias questões pode-se questionar.
Qual a relação entre aprendizagem e agressividade?
Desde quando a agressividade faz parte do currículo escolar?
A agressividade se ensina, se aprende ou se educa?
A agressividade pode aliar-se a outros fatores na escola? Se isso acontece, quais os seus possíveis pares?
A agressividade tem um habitat fixo?
Quem é aquele que suporta a agressividade?
Que posição ocupa o agressor?
Que posição ocupa o agredido?
Será a agressividade um tema pedagógico?
O que ela significa?
O dicionário Aurélio (1986, p.64), define:
“Agressividade: qualidade de agressivo. Disposição para agredir. Dinamismo, atividade, energia, força. Disposição para o desencadeamento de condutas hostis, destrutivas, fixada e alimentada pelo acumulo de experiências frustradas”.

Agressor: diz-se de ou daquele que agride. Agressivo: que agride, ou envolve, ou denota agressão, homem agressivo. Agredido: aquele que sofreu a agressão. Agredir: atacar, assaltar, acometer. Provocar, injuriar, insultar. Ir contra, não levar em conta o evidente. Realista não costuma agredir os fatos. Demonstrar agressividade.
Laplanche (1981), define agressividade como: “Tendência ou conjunto de tendências que se atualizam em condutas reais ou fantasmáticas, dirigidas para danificar a outro, a destruí-lo, a contrariá-lo, a humilhá-lo, etc”.
“A agressão pode adotar modalidades distintas de ação motriz violenta e destrutiva; não há conduta, tanto negativa (recusa de ajuda, por exemplo) como positiva, tanto simbólica (por exemplo, ironia) como efetivamente realizada, que não possa funcionar como agressão. A psicanálise ela atua precocemente no desenvolvimento do sujeito e pontuam o complexo jogo de sua união e desunião com a sexualidade. Busca também explicar a agressividade ligada ao substrato pulsional – o conceito de pulsão de morte”.

É coerente, diz ainda Laplanche (1981), de que Freud reconheceu, com lentidão, a importância da agressividade. A partir de 1920 o conceito de agressividade se amplia e, então, ele desfaz, a noção de agressividade como um modo de relação com o outro. Ele coloca a agressividade em relação ao conceito de atividade. Sobre esta afirmação Lagalche afirma:
“[...] a primeira vista, a atividade aparece como um conceito mais amplo que o da agressividade, todos os processos biológicos ou psicológicos constituem forma de atividade. Por conseguinte, a agressividade, em principio, não significaria outra coisa que certas formas de atividade”.

Por outro lado, é colocado pelo próprio Freud que um comportamento agressivo se dirige para destruir. Deste ponto de vista, a agressividade seria uma força desorganizadora, destruidora. Já que “Eros” vai definir todo o comportamento vital, ele tende a criar e a manter.
Entretanto, o sentido do termo agressão experimenta, na psicologia, uma evolução em relação a sua concepção.
Em seu dicionário de termos psicológicos e psicanalíticos – English – English, observa que sentido da palavra “aggresiveness” foi se debilitando cada vez mais, até converter-se em sinônimo de “espírito empreendedor”, “energia”, “atividade”.

1.2 Agressividade: diferentes olhares e a subjetividade

Diferentes olhares quer dizer que, há vários caminhos onde o tema pode ser estudado sob varias óticas, como o da psicanálise, da sociologia, da antropologia.
A questão que proponho é jogar com os mais variados elementos, uns surgidos da prática, outros da teoria, para juntos, criar instrumentos que possam dar conta, em parte, de um tema tão complexo.
Partindo da idéia de que o caminho se faz ao andar, penso que a construção de instrumentos a respeito da agressividade se faz pela reflexão de nossa prática pedagógica e psicopedagógica.
A agressividade se ensina, se aprende, se educa?
Quais os preconceitos que temos a respeito dela?
Na escola, em sala de aula, quem a usa?
Quem dela abusa?
Dimensionar suas explicações no cotidiano do âmbito escolar, assinalar diretrizes operativas que possam diluir as manifestações agressivas, faz-se necessário.
Algumas hipóteses se fazem necessárias para entender a agressividade no campo da psicopedagogia:
1. A agressividade não é inata, refere-se às conseqüências das manifestações narcisisticas do sujeito e se inicia aos seis meses de vida da criança, como parte da formação do EU e do seu ideal próprio de estádio do e espelho.
2. A agressividade é uma questão de “lugar do sujeito”, tem o predomínio de uma vertente imaginaria despregada numa relação afetiva do EU e do próximo entretenimento da não estruturação de laço simbólico.
3. A agressividade impera nos âmbitos onde a presença da lei e o exercício da autoridade se encontra ausente ou muito fragilizado.
Primeiro seria importante marcar uma diferença da manifestação da agressividade como ato de violência, onde um sujeito toca no corpo do outro. Quero indicar o que, na experiência, consideramos como de “intenção de agressão”. Podemos quase medi-la nas modulações reivindicadoras, nas ações falhas, nas inflexões, nas recriminações, nos deboches, nas transgressões, nas aplicações das regras. O que caracteriza estas intenções agressivas é que não estão em nível do comportamento e sim em nível da fala. Embora na pratica psicopedagógica a agressividade tenha já tomado proporções de atos violentos.
A partir da experiência dualítica e da conceitualização da estruturação do sujeito, podemos situar as origens das manifestações de agressividade, na organização original do EU e do objeto, constituído a partir do estádio do espelho.
É na dialética, que se desenvolve no período de 6 a 18 meses, em que a criança antecipa no plano mental a conquista da unidade funcional do seu próprio corpo, ainda inacabado neste momento, no plano da motricidade voluntária. Anterior a esse período, concebido como um momento de diferenciação com relação ao outro, onde a criança tem a noção do seu corpo, como fragmentado.
Este estádio do espelho tende a manifestar um dinamismo afetivo pelo qual o sujeito se identifica primordialmente com a “Gestalt” visual de seu próprio corpo. Constitui-se nesse momento a primeira matriz identificatória, a partir da imagem virtual simétrica e invertida refletida no espelho, onde a criança se reconhece como ocupando um lugar no espaço. Vemos que este reconhecimento que constrói o EU ao ideal do sujeito será:
1. A partir da imagem do real mais a imagem virtual do corpo refletida no espelho;
2. Que o lúdico que a criança manifesta pelo encontro dela com sua imagem no espelho estão sobredeterminados pelo olhar desejante do outro materno, quer dizer, é o ideal constituído a partir do olhar que a mãe lança sobre o corpo da criança, tomado como objeto fálico.
Conseqüências desse processo:
 Diante de a interrogação de todo ser humano: Quem sou eu? Tentará encontrar sua resposta pela via imaginaria (imagem) e alienante da imagem dele, mesmo idealizada, ou na imagem que tentará obter de seu semelhante.
 Toda noção de realidade a partir da concepção de que o corpo ocupa um lugar no espaço. Visto pelas vias do desejo, este processo acontece num período em que a criança tenta manter-se num lugar único e singular como objeto amado do olhar e do desejo materno.
 Toda a relação de identificações secundaria, que dizem respeito à relação do EU com os outros e com os objetos no âmbito social, têm como matrizes essas primeiras identificações estruturadas no estádio do espelho.
Este processo, além de captar a “imago” da forma humana e da relação do sujeito com sua imagem, também nos transmite toda uma dialética do comportamento da criança em presença do semelhante. Durante este período a criança registra as ações emocionais e os testemunhos de um transitivismo normal. A criança que bate e diz ter sido batida, quando vê a identificação com o outro, mais ainda ela revela um indiferenciação de uma ambivalência estrutural de lugares, como: o escravo identificado como déspota; o ator, como espectador; o agressor, como agredido.
Uma outra manifestação dessa organização passional do EU se caracteriza por uma tensão conflitual interna do sujeito.
Esta tensão vai determinar o despertar do desejo do outro. Por exemplo, a criança passará a desejar incontestavelmente, um presente ou um brinquedo que seu colega recém ganhou.
Nestas situações, há uma precipitação de uma competição agressiva na qual converge a tríade: o EU, um outro e um objeto, colocado como estatuto fálico.
“Quero ter este objeto para mim!”.
Aqui é necessário pontuar um momento estrutural no desenvolvimento da criança, de onde parte a dinâmica dos comportamentos agressivos. Dá-se, justamente, no momento da aparição de um outro, um rival, um irmãozinho. Um outro que possa destituir a criança magnífica que cada um de nos temos internalizado. Este lugar é um lugar especial, singular e único, que cada um de nós tivemos, como objeto de amor da mãe, conhecido como pertencimento.
É, portanto este lugar, um lugar de rei e é na reivindicação dele ou na sua destituição que a criança manifesta sua agressividade em relação ao outro. Esta manifestação se dá através da intenção da palavra.
A agressividade, portanto, não deixa de ser uma demanda de amor e que submete o outro, neste caso a mãe, ao imperativo de explicar e confirmar esse lugar único e especial.
Pude constatar isso quando analisei e escutei professores em diversas situações, para os quais a agressividade em sala de aula era uma preocupação. Em toda situação, num momento primeiro, cada aluno se comporta em relação ao professor da seguinte maneiro:
 “O que posso ser ou o que posso fazer, para ocupar o lugar único e exclusivo no amor e no olhar do professor?” (isto supondo que só existe “um lugar” para ser ocupado por um sujeito).
 Este é um momento constituinte da relação professor/aluno; porém, por outro lado, é alienante, já que se dá em função de um outro idealizado, mas principalmente, porque define sua relação de amor. E toda relação de amor define dois lugares: o lugar do amado e o lugar do amante.
O aluno, na sua demanda de amor, tenta construir uma relação afetiva com prevalência de sua própria imagem idealizada. Quando digo imagem idealizada, me refiro à imagem que se pode apresentar como: a melhor das melhores, ou a melhor das piores. E em ambas triunfa a ocupação de um lugar especial. É por isso que, em muitos casos, uma criança é tomada como o problema da turma, por seus comportamentos agressivos.
Ocupa esse lugar como demanda de amor, ou ainda, porque não recebeu a confirmação desse lugar especial. Então, manifesta duas outras caras do amor: agressividade ou ódio.
Todo sujeito, no lugar do amado, só pede amor. Ele não quer saber nada do saber do conhecimento e, por isso, em muitos casos, junta-se “a fome com a vontade de comer”. São as situações em que o educador seja, por ignorância ou por não sustentar seu lugar simbólico de ensinante, tenta resolver a aprendizagem, o seu processo, por uma relação afetiva.
O professor se apresenta ao aluno como seu “EU”, como um outro com o seu querer como pessoa. Enfim, numa posição imaginaria, onde entram as suas próprias identificações, os seus preconceitos, como substitutas da mãe.
É desta maneira que comumente, um professor privilegia um aluno ou alguns alunos, em detrimento dos outros. Produz, com isso, situações de ciúmes, de invejas, de competições afetivas, que terminam em manifestações de agressividade.
Na medida em que o professor se destitui deste lugar idealizado, deste lugar maternal, pode fazer sua inscrição desde um outro lugar. Este outro lugar é o lugar terceiro da relação dual. É o lugar do simbólico. Nesse lugar, o professor pode, efetivamente, instituir-se como o outro do conhecimento e operar laços simbólicos e efetivos com o saber.
Na medida em que o professor pode se colocar como representante da lei, pe que interdita e possibilita as relações entre os outros. Relações essas em que o professor pode trabalhar desde o seu lugar de autoridade do saber que representa. Com isso, pode direcionar sua ação para o processo da aprendizagem, privilegiando as trocas simbólicas entre estes sujeitos, minimizando assim os efeitos sintomáticos e imaginários da agressividade.
Sabemos que a agressividade faz parte do ser humano tanto quanto faz parte à pulsão de ver, a pulsão e o desejo de saber.
A agressividade é algo inerente a nossa condição de humano. Não deve ser evitada, mas educada.
O uso da agressividade, ou o mau uso dela leva-nos a pensar naquelas ações em que há um dominador e um dominado. É a “pedagogia negra” como a chama a psicanalista Müller (1980 p.17).
A pedagogia negra promove o agredido para agressor.
Num filho agredido, a tendência é repetir o pai agressor.
A pedagogia negra está bem representada no filme “Sociedade dos poetas mortos”. O filme retrata a metáfora da dialética não resolvida entre o desejo e a lei. Entre a lei e o desejo circula um componente alto de agressividade.
A lei é representada por uma instituição escola rígida. A chama da luz do conhecimento circula de mão em mão. As cenas do filme aludem a um conhecimento acadêmico pleno.
Os filhos são entregues por seus pais à escola para que ela os molde segundo seus desejos.
A organização escolar autoritária tende a aniquilar o desejo de seus alunos, onde não há lugar para criatividade, a arte, que é um modo privilegiado de se dizer algo sobre o desejo humano.
Frente à instituição repressiva o desejo deve abrir-se vivenciando fortes resistências.
O filme mostra o caminho pleno de angustia, insegurança, que vai desde a infância até o encontro com o outro sexo.
Aparece o professor ohn Keating, figura risonha, vital, propiciadora de prazer e gozo estético, que promove a palavra enquanto poesia e como meio especial de aludir ao próprio desejo e, por conseqüência, lutar, ser agressivo na conquista do que se deseja.
Keating estimula a produção de palavras próprias, livremente pronunciadas, sem preconceitos, nem temores, levando um processo criador próprio.
O professor estimula as ações que fazem palavras e atos adquirir sentido enquanto sustenta a palavra.
O filme ainda traz outras mensagens, porem o recorte que faço é poder refletir sobre os atos agressivos. Poder, enfim, pensar a agressividade em ação. No caso desta escola, onde poderíamos evidenciar o uso da agressividade em favor dos alunos?
Que momentos ficaram marcados por atos agressores em relação aos alunos?
Quem são os agredidos, neste contexto? Professor? Alunos?
De quem partiu a agressão?
A agressão, às vezes é velada, às vezes expressa. Poderíamos denominar a pedagogia praticada nesta escola como a “Pedagogia de Alice Muller”. Os atos agressivos, velados, sob o signo “é pelo teu próprio bem”. Esse discurso circula na escola e os pais lhe dão seu aval.
Em nome do “próprio bem” circulam mandatos, e os pior, estes mandatos são expressos sob forma de um pedido bondoso. Não é uma ordem é algo mais refinado, envolvente, que mascara a agressão.
Nesta trama de afeto e de sedução o sujeito se envolve e pensa que o que esta fazendo é de ordem de seu próprio desejo quando, ao contrario, ele é ardilosamente convidado a fazer o que outro quer.
É uma armadilha, mais uma manipulação da sua emoção e esta manipulação fica expressa, no filme, através dos diálogos dos pais com seus filhos e do diretor a seus alunos.
O pai de Neill aparece como uma figura distante, cruel, castradora e autoritária que proíbe a aspiração artística de seu filho, obrigando-o a abandonar o teatro. O mandato é tão sutil que Neill não consegue enfrentar o pai e comete uma agressão maior – o suicídio.
Poderíamos nos perguntar: mas a atitude, do professor Keating não colaborou para que este ato extremo de agressividade, não humanizada, desencadeasse uma destruição?
Como foi que o professor levou em conta a agressividade de seus alunos? Havia nele uma maneira de lidar com este componente agressivo usando o processo criador, através da arte, poesia e teatro?
Mas ao usarmos a agressividade temos que levar em conta a questão de limite. Até que ponto, nos professores, sustenta este limite? Como alcançar o justo exercício da função paterna? Até quando ou quanto o sujeito pode confrontar-se com a linha tênue do lugar de herói e a posição de vítima?
Quando um professor precisa resgatar de seu aluno um “quantum” de agressão para que a aprendizagem aconteça? E o “quantum” precisa marcar limites para que esta mesma “força” permita acontecer o aprender?
3. “Não imaginamos o dia-a-dia de uma escola sem que os componentes da agressividade estejam presentes. Sem algum nível de agressividade não há sobrevivência e nem aprendizagem” (TURKENICZ, 1993).
Por que um aluno agride?
Ele agride porque ele imagina que está em perigo. Perigo de quê? Especialmente da valorização de si mesmo em relação à professora, em relação aos seus colegas, em relação aos seus pais, etc.
O que está em perigo é o seu lugar. E isto é um drama. Exemplifiquemos: vamos imaginar um aluno na sala de aula, sendo interrogado pelo professor.
Diante da pergunta o quê pode acontecer? O quê ele vai sentir? Primeiro vamos situar o aluno: tem notas baixas nas disciplinas. Vejamos algumas hipóteses. Quais são os aptos que poderá manifestar? Agrado por ter sido escolhido? Desagrado? Medo? Insegurança? Perda de prestigio junto ao professor? E se ele não responder, está em jogo sua valorização? Seu eu está ameaçado e usa a agressividade para se defender.
Pode responder ou não e fechar-se na impotência imaginaria “não sei tudo por isso não sei nada”. Então ele se permite fazer julgamento a respeito de sua imagem: bom ou mau aluno, inteligente ou não inteligente. Aqui, se re-atualizam os mandatos da infância, por exemplo, ter desvios, ter feito isso, respondido aquilo, etc.
O julgamento inibe a compreensão. Quem julga não compreende. O professor e os colegas podem estar envolvidos nesta trama. O aluno é colocado sob a agressão do deboche. É um drama para ele. Responder ou não a uma pergunta, sair-se bem ou não numa prova será um grande perigo. Perigo sem se verdadeiro porque o perigo não é físico, mas é simbólico. A estrutura dramática da qual pertencemos, é uma rede de contratos que se estabelecem entre seres humanos. Esta mesma estrutura nos une numa simbologia geral. Há uma série de normas que pautam nossa vida, isto é, nosso comportamento. Não é lógico, mas é tão forte como a lógica. Esta é uma cena cotidiana que acontece na sala de aula. É o dramático em ação e, o que dizer quando acontecem as famosas “brigas” tanto em sala de aula como fora, no pátio, no recreio, etc.
Normalmente diante de uma cena assim de briga somos levados a expressar imediatamente juízos de moralidade (não devia ter feito isto, não é assim, está mal.).
Ao julgarmos eximi-nos de explicar e compreender.
Quando por exemplo, digo que um aluno é agressivo, me eximo de escutá-lo.
É preciso, entretanto, abrir-se para a pergunta. A agressão que o aluno dirige para quem quer que seja (a professoram os colegas, a direção, etc)tem uma mensagem e precisa ser escutada. O professor, portanto, não deve fechar-se a pergunta do aluno, mas buscar entender a demanda. A posição do professor parece colocá-lo mais para investigação e ir conhecendo, através das ações de seus alunos para onde dirigir suas perguntas.
Algumas indagações que o professor pode fazer são: como eu vejo meus alunos?
Qual o lugar que lhe dou a cada um? Que imagem faz deles?
Será necessário flexibilizar a rigidez de nossas situações cotidianas. Por exemplo, quando acontecem manifestações de agressividade com os alunos os fatos de retirá-los da sala de aula e conduzi-los a direção, ou ao setor de disciplina poderá resolver o problema?
Aqui entra em jogo a autoridade do professor. Como exercer o justo papel da função paterna de que o professor precisa?
A medição do diretor e do auxiliar de disciplina será necessária? Ou a função simbólica representa o acesso a mediação.
Que quer dizer função simbólica? Neste caso é poder colocar palavras no acontecido. Poder, enfim, olhar o fato de varias maneiras sem buscar culpados, mas levantas hipóteses. Deixar que a turma refletisse sobre o fato. Quais as conseqüências desse ato? É um exercício de reflexão em que o professor pode levar os alunos a se tornarem cúmplices, junto com ele, no exercício da autoridade sem autoritarismo na marcação, do limite, da lei, do exercício da expressão do desejo, enfim a humanização dos atos agressivos.
Será possível ler a agressividade dos alunos em sala de aula?

Dois pontos são aqui destacados:
 Um é o esquema da repetição. É o movimento que repete os esquemas de ação e significação dos atos agressivos em relação ao agressor e ao agredido;
 O outro é a permissão de saber, isto é, o permitir-se saber. Ir buscar as informações que possam explicar os atos agressivos e aproveita-los como um fator importante, um “plus” a mais na nossa ação pedagógica.
Se a agressividade é componente da pulsão e do desejo de saber, então podemos retomar ao que Pain (1987) coloca a respeito da aprendizagem, de como uma pessoa, que não tem o conhecimento pode são: organismo corpo, inteligência e desejo.
Não cabe aqui descrever as instâncias em si, mas fazer algumas reflexões sobre o “habitat” para onde o ato agressor é dirigido, conectado, interceptado.
Este habitat é o corpo. É com ele que se aprende. “[...] o organismo se domestica, se acostuma, se medica, o corpo ensaia, comete equívocos, se corrige, aprende” (PAIN, 1986).
Acredito ser o corpo um ponto que o professor deve observar para saber como o aluno consegue lidar com sua agressividade. Diante desta observação obterá a resposta para:
 Quais são os esquemas que ele (aluno sempre repete ao agredir ou ser agredido)?
 Em que ocasiões ocorre?
 Quais são as situações em que ele repete a agressão e de que maneira o faz?
Porque toda a aprendizagem, aliada a um “quantum” de agressividade, passa pelo corpo, e este vai constituindo os esquemas necessários para aprender. São as estruturas. Estas estruturas se apresentam sob a forma de esquemas de ação, carregadas de afeto. Pois há sempre uma qualidade afetiva própria (PAIN, 1988).
Por isso, para se trabalhar com os componentes da agressividade temos que contar com os afetos que vão tendo sua expressão através do corpo (carícias simbólicas). Os afetos são sinais perceptíveis que vão das forças as ações. Ações essas que vão marcar a repetição. Assim, uma cena agressiva gera outra.
Transcrevo uma pequena parte de um exemplo: “Uma criança de 1ª serie da escola pública, agredia e irritava os colegas, a professora, os vizinhos, a escola inteira. Buscando-se conhecer as causas de sua agressividade, obteve-se a seguinte informação: uma noite ele estava em casa, com os pais e um irmão mais novo, quando homens, armados, entraram e mataram seu irmão”.
Será difícil associar a violência deste menino na Escola com a violência da cena presenciada em casa?
Para digerir, para assimilar e elaborar a experiência, muitas vezes a criança tenta repetir na escola o que sofreu. Torna ativo o passivo: repete a cena, tentando trocar de lugar, ou seja, de agredido para agressor. É na escola que ele encontra o ambiente e os elementos que lhe permitem elaborar sua dor e permite saber sobre seus atos agressivos. Isto vai lhe propiciar dar um termino à repetição. Porque ele pode humanizar, conseguindo assim, assumir a realidade com a qual está vivendo. O importante é colocar palavras e viver, portanto, assumir a agressão.
A esse respeito Dolto (1988) diz: “[...] vive-se à realidade, nisso prova que se assume inconscientemente, mas é preciso apor-lhe palavras, para que essa realidade se torne consciente e seja humanizável”.
A respeito da agressividade, agredido que se prestarmos atenção à “repetição” e insistirmos na “permissão de saber”, estamos avançando.
A permissão de saber vai nos ajudar a sair da “pedagogia de Alice Muller”. Porque, queiramos ou não, ela nos acompanha, livrar-se dela é necessário.
As informações corretas acham-se, às vezes, perto de nós. Precisamos aprender sobre nós, através de nossos alunos e elaborar nossa própria agressividade, quando admitida e experimentada, pode ser educada. Este processo de buscar conhecer nos oferece a possibilidade de dar um fim ao circulo infernal das repetições.
Assim, tomando conhecimento de situações vividas como vitimas e, assumindo esta passagem, podemos aprender a aceitar nosso destino.
Isto significa deixar de lutar contra a culpa. Estaremos, deste modo, educando humanizando os graus de agressividade de cada um.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DOLTO, F. Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: Zoar Editores, 1988.

LAPLANCHE, J; PONTAHS, J.B. Dicionário de psicanálise. Barcelona: Editorial Labor, 1981.

MÜLLER, A. Por tu próprio bebem. Barcelona: Tuquetes Edutores, 1980.

FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 21. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1986.

PAIN, S. A função da ignorância-I. São Paulo: Arte Medica, 1987.
Autor: Salete Santos Anderle


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