O consultor e o monge



O consultor e o monge


Era o ano de 1973. Eu tinha então 25 anos. Mas, desde os 22, ocupava cargos gerenciais. Tinha um plano na cabeça. Sabia que as artes marciais iriam ter uma onda no Brasil. Nada era conhecido ainda aqui: Kung Fu era uma palavra desconhecida, mas o assunto já efervescia nos EUA. Sabia de tudo, pois era um praticante de Hapkido e Judô. E estava fazendo um plano de cavalgar a vaga de interesse que se avizinhava.

Um amigo meu, Dr. Chaves, Prof. de anatomia da UFRGS, era um faixa preta de karatê e convidou-me a assistir a palestra de um monge zen para seu grupo de alunos. Entrei em uma sala apinhada de kimonos brancos e vi um magro japonês, de cabeça raspada, vestido de preto, expor o zen budismo. Pela primeira vez percebi a força dentro daquele homem reto como um bambu. Suas respostas eram diretas, mesmo duras. Ensinava o zen de Dogen (1200-1253 DC), sem deus, sem alma, mas repleto de tremenda espiritualidade e esperança de iluminação interna. Acreditava no homem e na sua capacidade, sem intermediários, de alçar-se por si mesmo até o absoluto. Sem crenças nem concessões mágicas. Fiquei algo chocado. Tinha experiências cristãs e havia me afastado de religiões porque minha mente cética, racional, não estava disposta a se submeter a qualquer fé. Agora eu via um homem religioso sem fé.

Meu patrão, à época, viu-me chegar com um pedido de demissão. Por que? Perguntou ele espantado. Afinal havíamos colhido sucessos juntos, e eu havia sido promovido a gerente regional depois de 30 dias na empresa. Abri os planos da academia que pretendia montar em cima de sua mesa. Após ouvir minha explanação, ele perguntou diretamente: - Você quer um sócio? E, assim, Flávio Roscoe ajudou a fundar a Kidokan, que na década de 70 foi a maior academia do país. Chegou a ter 3000 alunos inscritos e foi informatizada em 1977. Então a revista Exame publicou um artigo: “Do karatê à informática”, surpreendente porque naquele tempo só havia mainframes e o PC ainda não surgira.

Monge Tokuda passou a vir regularmente de S. Paulo para P. Alegre, financiado pela academia. Ensinava, mas pouquíssimos podiam entender aquela espiritualidade tão insólita. O interesse permanecia por causa dos filmes de Kung Fu que surgiam, e sua remota ligação com o zen budismo. Neste tempo comecei a perceber quanto o zen tinha a ensinar àqueles que administravam empresas.

Os conflitos empresariais começam dentro do indivíduo. Motivados pelos egoísmos, pela dificuldade de visão corporativa. A escola de administração que eu havia aprendido era baseada na autoridade. Vivíamos a ditadura militar e eu mesmo tinha carregado as divisas de oficial do exército. Mas a meditação devagar começou a penetrar a casca do ego. O contato com o mestre era às vezes arrasador em sua destruição de ilusões. A liberdade com que ele passava pelas dificuldades era de espantar: nem fome, nem frio, nem solidão pareciam abalá-lo. E quando alguém o idolatrava, ele destruía a ilusão, revelando abertamente suas fraquezas e erros. Minha auto-imagem de jovem empresário sofria seguidos arranhões. Passei secretamente a invejar aquela liberdade superior de mente, a habilidade de discutir negócios, religião, amores, sofrimento, realização, como se tudo fosse uma só coisa, e como se nada pudesse aprisioná-lo.

Passados alguns anos, vendi a academia. Já eram os anos oitenta, o ciclo se esgotava e os concorrentes apareciam a todo momento. A fama de bom construtor de mecanismos de venda se colava a mim. Convites começaram a surgir, e passei a ganhar muito construindo máquinas vitoriosas de comercialização. Do zen ficou a lembrança. Passei a ler os livros que surgiam à respeito. Era um interesse teórico. As artes marciais ficaram para trás. Trabalhando com exportações, viajando para os países da UE, mergulhei fundo no ambiente empresarial, um mundo de competição, em que o sucesso é o parâmetro de julgamento dos seres, onde os afetos são definidos primeiro pelo interesse e depois pela simpatia.

De empresa em empresa acabei sendo convidado a ser diretor de publicidade na RBS. Como este grupo de comunicações é a Globo no RS e SC, e detém um poder incomparável com seus jornais, rádios, televisões, os seus executivos experimentam no mais alto grau o que significa uma marca empresarial como sufixo do nome. Além disto, o trânsito entre as empresas é enorme, a presença pública também. Mas, o mundo das corporações é exatamente o que parece, um ambiente de guerreiros. E quem sofre, em última análise, é a produtividade. As energias nos altos escalões, de todas as grandes em que trabalhei, são desviadas para atividades políticas em alto grau.

Dentro de mim uma inquietação semente não deixava de germinar. Ter sucesso e dinheiro era isto? Chegar aos quarenta anos e ser “realizado” era não ter um minuto de paz? Passei a criar um estilo gerencial muito participativo, de ouvir, desencorajando a competição predatória dentro da minha equipe. Deixava conceitos budistas se infiltrarem imperceptivelmente em meu discurso. Os liderados adoravam. Parecia temerário, mas funcionava: os números não podiam ser contestados.

Era 1990, saí da RBS e criei uma empresa de consultoria. Já havia empresas pedindo que eu levasse aqueles números para elas. Não sabiam que tecnologia estava sendo usada, o que sabiam é que aquele homem produzia lucro e faturamento. Desde então não cessei de ser consultor e passei a trabalhar em todo o país. De novo o sucesso me apanhou na rede e o que parecia liberdade e realização mostrou seu redemoinho de envolvimento. Já trabalhei diretamente em mais de 60 firmas.

Um dia, cheguei ao Rio com grandes dores nas costas, fui até um aluno de mestre Tokuda e pedi uma massagem “shiatsu”, uma espécie de acupuntura com os dedos. Ele, ao ver meus músculos como cordas, perguntou o que eu estava fazendo. Respondi: 200 viagens de avião por ano. Sem alterar a voz o monge Marcos observou: - E você quer o quê?

Conclui que me tinha perdido de novo. Aguardei M. Tokuda voltar da França onde estava construindo seu quinto mosteiro e sentado à sua frente, tomando chá, não o via há anos, perguntei-lhe se eu poderia ser monge. Ele respondeu: - Para quê? Eu sou monge e estou sempre construindo, viajando, fazendo coisas. Você faz o mesmo, qual é a diferença? Senti como se as portas do futuro se fechassem, cinqüenta anos, sempre trabalhando e ganhando, mas a trilha à frente não parava de subir a montanha. Senti uma emoção de tristeza, eu era um prisioneiro. M. Tokuda não se alterou. Não fez qualquer concessão.

Voltando a Porto Alegre, apoiado por um aluno consultor que me pedira para introduzi-lo ao zen, comecei a ensinar aos domingos a prática de meditação. Com a prática, e o envolvimento gratuito com os outros, o mundo foi se alterando à minha volta. Depois de um ano pedi a M. Tokuda que inaugurasse o Daissen Zendô, ele o fez um pouco surpreso com minha iniciativa, e minha agora dupla vida. Pedi de novo para ser monge, ele recusou , mas disse: - Peça novamente daqui a um ano. E então fui ordenado. Nada mudou. Todo tempo ele queria me ensinar isto. Não era a atividade que estava errada, era minha mente. Contou-me então a história de Vimalakirti, o famoso comerciante discípulo de Buda. Ninguém podia vence-lo em debate. Os discípulos de Buda o encontraram quando iam para o mosteiro e perguntaram a ele, que vinha de visitar Buda: - Onde vais Vimalakirti? Vimalakirti respondeu: - Vou para o mosteiro. – Para o mosteiro? Mas a direção que você vai é a da cidade! E Vimalakirti calmamente: - Sim. Lá onde eu trabalho é que estão as pessoas que sofrem, precisam de ajuda e ensinamentos, lá precisam de mim. Lá é meu mosteiro.

É o início de um caminho longo. No zen, homens de cinqüenta anos são jovens, os de 70 apenas maduros. Mas sei que tenho minha tarefa de consultor junto a todos que trabalham e sofrem. Que precisam de recursos e de se realizar. Mas creio que tudo pode ser feito com muito mais compaixão e com menos egoísmo. É minha tarefa. Levei muito tempo para entender a frase de Mestre Tokuda: “- O pico da montanha é onde estão os meus pés”. Há uma trilha, mas não há mais trilha. É inclinada, mas não custa subi-la.

Monge Zen Meiho Genshô
www.chalegre.com.br/zendo/

Petrucio Chalegre
Dir. Pres.da Chalegre Consultoria
www.chalegre.com.br
Autor: Petrucio Chalegre


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