O que é Ser Diferente na Sociedade Contemporânea e o que é Gerir uma Escola Tendo como Foco a Diversidade



O Brasil é seguramente um dos países que mais instituiu leis que atendem ao clamor da população excluída. Refiro-me às pessoas com necessidades educacionais especiais. Exemplos disso são: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, que dedica particular atenção à Educação Especial, e o Plano Nacional de Educação – PNE (Lei Federal no 10.172/2001) – que estabelece 27 objetivos e metas para a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais. No entanto, essa legislação, talvez por ser, de certo modo, recente, e por isso mesmo pouco conhecida, ainda não está bem disseminada. Segundo a Lei, a inclusão, mormente escolar, é para todos que se encontram excluídos do sistema educacional, independentemente de idade, gênero, etnia, condição econômica, social, física ou mental.
Todo o cabedal legal existente já representa um avanço extraordinário e uma conquista estupenda. Contudo, não podemos dizer com isso que já tenhamos conseguido resolver o problema da exclusão. De fato ainda estamos muito distantes da erradicação do problema — embora já tendo dado passos significativos. Tal esforço para a inclusão educacional de pessoas com necessidades educacionais especiais é louvável. Contudo, para que a inclusão de fato aconteça, tem-se que ir além da instituição de leis. A questão é mais conceitual que legislativa. Portanto, é mister rever alguns conceitos. Como considera Cláudia Werneck (Você é gente? Rio de Janeiro, WVA Editora, 2003, p.1) “praticar a inclusão é elaborar uma nova ética, inspirada na certeza de que a humanidade encontra infinitas formas de se manifestar”. Não se trata de simplesmente criar leis com o fito de mudar a realidade. É claro que as leis ajudam, mas não se bastam por si sós.
Nossa sociedade ainda conserva (pré)conceitos historicamente cristalizadas sobre quase tudo: negro, índio, pobre, deficiente físico, deficiente mental, nordestino, homossexual, empregada doméstica, gordo, idoso etc. A coisa toda tem a ver com a maneira como as pessoas aprenderam a ver o outro. A questão é: sob que prisma a sociedade aprendeu a enxergar o outro?
Toda a educação nacional foi elaborada e desenvolvida para manter a mente engessada. O individuo foi domesticado e doutrinado. Ele não aprendeu a pensar. Apenas apreendeu pensamentos. Assim, certo é o que alguém determinou que é certo. Do mesmo modo, errado é o que alguém determinou que é errado.
Essa mesma lógica vem para as relações humanas e valoração do potencial humano. O feio (aquele que não atende aos padrões de beleza ditados pela sociedade) é falto de inteligência, é inabilitado, é incompetente, é indigno. O mesmo prisma é usado para olhar o deficiente físico, o deficiente mental, o negro, o índio, o nortista, o nordestino, o pobre, a prostituta, o homossexual etc. Esse elenco não se encaixa nos padrões de normalidade e perfeição (física, mental, econômica, social e intelectual) criados e impostos pela sociedade. Logo, se não se encaixa, não serve. Se não serve, tem que ser deixado de lado — à margem.
Essa rejeição é manifestada de várias formas, porém uma das mais claras é quando as portas se fecham para a escolarização e para a carreira profissional. É quando o indivíduo é privado do seu direito. Desse modo, não basta só está na Lei, é preciso um esforço educacional a fim de se reeducar a sociedade almejando-se uma mudança de concepção. Pois, se mudarmos o modo de pensar (e de ver), mudamos o modo de agir (e reagir).
Não se pode esperar que todos sejamos iguais par sermos aceitos. No mundo em que vivemos nem os gêmeos são iguais. Somos indivíduos, portanto, seres individuais, únicos, com características próprias no que tange a maneira de ser, de pensar, sentir, agir e reagir a tudo e a todos. Nesse sentido não há certo nem errado. Há apenas o diferente.
São conceitos, formas de pensar e de ver o mundo que precisam mudar. O ser humano é criativo e capaz. Uma deficiência, embora real, não significa absoluta incapacidade, mas, apenas e tão somente uma determinada limitação. A cor da pele, a condição sócio-econômica, a origem de uma pessoa, uma deficiência física, nada disso é determinante para se rotular o sujeito como inapto, incompetente, indigno. Alguém pode não ser capaz de usar as pernas, mas pode usar os braços, as mãos, a voz etc. Outro pode não ser capaz de usar a voz, mas pode usar as mãos, os braços, as pernas etc.
É mais fácil discriminar, segregar, marginalizar e excluir, que compreender, aceitar e incluir. O gordo é discriminado por ser gordo, o negro por ser negro, o pobre por ser pobre, o surdo por ser surdo e assim por diante. Logo, ser diferente em nossa sociedade é ser defeituoso, é ser excluso, é não ter direito a ter direitos. Mas, como diz Cláudia Werneck (Você é gente? Rio de Janeiro, WVA Editora, 2003, p.19), “todas as pessoas são gente, portanto, têm o direito de participar ativamente da sociedade contribuindo com o seu melhor talento para o bem comum, qualquer que seja ele”.
Na minha família tivemos que aprender a duras penas a enfrentar o preconceito e a discriminação. Minha mãe, tendo o braço direito ressecado desde a infância, teve de aprender a fazer tudo com o braço esquerdo. Não poucas vezes foi chamada de “aleijada”, “defeituosa”, “inapta para o trabalho”. Mesmo assim, tornou-se habilidosa e, cozinhando, lavando e passando roupa proveu sua casa e criou os quatro filhos (minhas três irmãs e eu).
Não bastasse nada disso, minha irmã caçula, ainda muito cedo, sofreu paralisia infantil, vindo a perder a habilidade de andar e de utilizar o braço direito e a voz. Foram anos de luta, discriminação, barreiras e inúmeras dificuldades. Mas, minha mãe continuou lutando e insistindo para que a menina fosse aceita na escola, pois, apesar de tudo, era uma menina lúcida e de mente ágil. Ela estudou, cresceu, voltou a andar, a falar, e a usar o braço direito. Foi tão competente que, dos quatro filhos que minha mãe teve, a caçula foi a primeira a ingressar na faculdade. Formou-se e foi a primeira mulher mecânica de avião no Estado do Amazonas.
Quando consideramos que deficiência é toda e qualquer perda ou anormalidade de uma estrutura ou mesmo de uma função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano, então, somos todos deficientes. Porque em alguma coisa somos deficientes, limitados. Como podemos ver, vivemos um paradoxo. Pois, somos todos diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais.
Lembro-me quando em 1992, em uma escola na capital paulista, fui apresentado pela diretora a uma turma de alunos de nível médio, como o novo professor de Filosofia. Ao saberem que eu era natural do Estado do Amazonas, a turma toda se levantou e um aluno exclamou: — “Nós não aceitamos esse professor. Pois, o que é que um amazonense tem para nos ensinar?” Para eles o fato de eu ter um sotaque diferente, uma estrutura física diferente e ser originário de uma região (norte) diferente da deles (sudeste), já significava que eu era inapto, indigno, réprobo ou incapaz de exercer o magistério, pelo menos naquele contexto. Pois bem, não só assumi a cadeira de Filosofia àquele ano, como dois anos depois assumi a direção daquela escola (com o apoio de todos os alunos e professores, inclusive daquela turma que me discriminara escancaradamente) em cuja função permaneci por quatro anos.
Assim é a sociedade contemporânea. Só têm valor os “normais”. Normal, do ponto de vista dessa sociedade, é todo aquele que se encaixa nos padrões estabelecidos por ela. O diferente é anormal. Pois representa “produto de terceira classe”, fora dos padrões, portanto, indesejável, defeituoso, desprezível, sem valor. Por conseguinte, tem que ficar à margem.
Se quisermos realmente incluir o indivíduo, necessariamente teremos de nos desvencilhar dessa forma de pensar excludente e marginalizante. Tais raciocínios, quando muito, só conseguem integrar, onde a simples presença física do sujeito no ambiente já basta. Porém, o que devemos de fato buscar é a inclusão. Nela há que se permitir, além da mudança de atitudes, uma mudança de mentalidade frente às diferenças e diversidades de ordem física, étnica, cultural, econômica e social. É preciso que o indivíduo se sinta parte do todo e não um agregado a ele.
Diante de todo o exposto, como gerir uma escola tendo como foco a diversidade? Considerando que não é fácil lidar com pessoas, muito menos fácil é gerir uma escola onde a diversidade é inevitável. Isto exige um preparo cada vez maior do gestor. Nesse desafio, Bray Stainback (Pátio, Ano VIII, n.32, Nov 2004-Jan 2005, 2004, p.23), sugere que os administradores educacionais devem exercer o papel de “facilitadores do desenvolvimento e da implementação” da política de inclusão, a fim de que a diversidade seja aceita como conquista e não como obstáculo.
Por outro lado, o gestor não pode achar que ele é o único responsável pela criação da política que irá nortear a ação da inclusão educacional. Ele é sem dúvida o grande articulador, gerente, facilitador, incentivador etc. Mas, o poder de criar tais políticas está com todos — gestor, professores, alunos, pais e comunitários. Ou seja, é o conjunto, a escola como um todo, que têm força e poder para mudar o que os anos cristalizaram.
Considerando a responsabilidade social que a própria função confere ao gestor, é imperativo que este participe ativa e decisivamente da ação inclusiva. Como gestor ele precisa ser audaz, impetuoso, aguerrido. Precisa também estar aberto para as mudanças. Munir-se de cabedal intelectual que lhe dê fortes argumentos a fim de conscientizar a comunidade — professores, funcionários, alunos e pais — e derrubar alguns mitos que interferem no processo de inclusão, como a inverdade de que o deficiente vai atrapalhar a aprendizagem dos outros alunos. É preciso mostrar convincentemente que a presença do deficiente, em verdade, irá ajudar os alunos tidos como normais a “vivenciar uma nova experiência como ser humano solidário e respeitador das diferenças”, como acredita Rossana Ramos (Passos para a inclusão: algumas orientações para o trabalho em classes regulares com crianças com necessidades especiais. São Paulo: Ed. Cortez, p.13).
Em suma, ser diferente na sociedade contemporânea é ser incapaz, inapto, alguém sem condição nenhuma de estar entre os “normais”. É urgente a necessidade de se implementar nos currículos escolares (da educação básica à superior) componentes que levem o educando a (re)construir sua mentalidade social onde ele seja capaz de ver o mundo constituído por grandes e reais diferenças mormente humanas, e que essas diferenças não significam má qualidade ou valor inferior, mas riqueza de valores, completude. O Universo é imenso e nessa imensidão são as diferenças que permitem que ele seja o que é — universo.
Gerir uma escola tendo como foco a diversidade é mais que um desafio, é um teste de aptidão. Só os aptos para mudanças sobrevivem, como dizia Charles Darwin. Sobreviver profissionalmente implica em ser capaz de mudar. Mudar conceitos, posturas, valores, ações. O mundo muda a todo instante. Tudo na natureza se ajusta a fim de que a vida possa continuar o seu curso. O gestor escolar precisa ajustar-se às mudanças e ver que as pessoas, que constituem a própria razão de ser da escola, são diferentes física, mental, intelectual, étnica, econômica e/ou socialmente. São elas mesmas que dão sentido à existência da escola, e esta ao papel do gestor. Cumpre-lhe esforçar-se para que os seus pares compreendam e empreendam esforços a fim de que a inclusão sócio-educacional de fato aconteça.
Autor: Rubem Menezes


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