A Viagem



Certas vezes viajamos. E viajamos.

A viagem constitui-se em um processo transcendente que mistura o real e o imaginário à medida que transcorre.

Numa viagem ao litoral catarinense, por exemplo, dividimo-nos em sentimento entre nossa saída, o local onde estamos e o destino final, onde já estivemos e já podemos visualizar o caminho.

Saber onde realmente estamos é relativo, mas mais do que a relação com os lugares que cruzamos sem a menor intenção de parar. Esses são lugares figurativos, inexistentes. São como imagens em um quadro, compõem a paisagem visual, porém não são iguais ao mundo que conhecemos.

Vemos a Serra do Mar passar pelo nosso flanco visual sem atribuir-lhe qualquer condição de realidade. Não cogitamos a possibilidade de lá sermos presentes em verdade, senão da forma como podemos enxergar-nos no espaço, flutuando. Eis que não temos comprovação de suas existências, a não ser por uma visão longínqua, mas nada nos impede que possamos imaginar nossa presença por lá, fora do real.

Ao terminarmos de beber uma latinha de Coca-Cola que, providencialmente, acaba de pôr fim a nossa sede, jogamo-la pela janela do carro, rumo, quiçá, a um universo paralelo, onde certamente tal lata não cairá. Atiramo-la ao infinito, fazemo-la desintegrar-se num vácuo, jamais pensando em sua realidade ou seu pouso em um lugar real.

Hora depois, por efeito do maldito conteúdo da lata, que não mais faz parte de nosso mundo, somos compelidos a parar à beira da estrada para eliminarmos a Coca, convertida em água e uréia.

Nesse momento, os carros convertem-se em figurantes e passam por nós sem qualquer coeficiente do real, pois a realidade agora transferiu-se para a vala lateral da via, o matinho onde fazemos nossa necessidade fisiológica e há, inclusive, uma latinha de Teem, esmagada no asfalto, mas ainda reconhecível.

O odor das araucárias, adiante da cerca que inflige uma qualidade de propriedade ao território além-mijo, também é real e confirma-nos a existência daquele cenário.

Embarcamos novamente e não mais vemos a lata de Teem, sendo o cenário agora pastoril. As raras presenças humanas nas habitações ao redor apenas ressaltam a vivacidade do quadro bucólico de Van Gogh que visualizamos.

O tempo, por sua vez, também inexiste. É, pois, uma abstração completa, visto que permanecemos encerrados no mesmo ambiente, sem nos movermos. Quem está em movimento é o carro em relação a uma paisagem irreal. Não há, portanto, referencial de movimento nem tempo.

Descendo, enfim, em Floripa, vemos uma cidade que em nada comprova nosso deslocamento real, exceto dar-nos uma idéia de período imensurável de tempo vivido em um brinquedo de parque de diversões.

O diferente cenário real onde pisamos assume somente a condição de diferente do cenário inicial, mas nem tanto. Afinal, já estávamos em Santa Catarina quando partimos.
Autor: Felipe Simões Pires


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