Voto: o direito que se tornou dever



A história oferece quadros que permitem a análise da complexidade das relações humanas em geral. Conquistas coletivas, entre outras, no âmbito social colocam questões sobre o "pré-conceito" do bem absoluto. Não se ignora o fato da relatividade de valores. O estudo interpretativo das imposições de poder – seja elitista, seja popular – absorve, de forma unívoca, a análise da compreensão das necessidades individuais.

Variações extremas de vértices políticos, reflexos de contextos históricos diversos, transmitem percepções que remetem aos fatores econômicos e culturais de determinada época. A democracia ateniense, a democracia contemporânea, os impérios teocráticos, os governos absolutistas modernos, um conjunto de telas variáveis. A diversidade se faz de fatores múltiplos e facetados de características circunstanciais, mas o senso humano de "justiça própria" sempre prevaleceu na busca do bem individual, que, por situações de classes, possibilita a amplificação coletiva de ambições comuns ou a determinação de vontades específicas sobre as necessidades da maioria quantitativa da população, ainda que haja a reflexão sobre a teoria da harmonia de interesses, já mencionada por Carr.

Ao decorrer do tempo, principalmente, com as revoluções burguesas do início da Idade Contemporânea, as ambições populares – não clericais nem nobiliárquicas – colocaram-se à frente de formas autoritárias de poder, com freqüência maior e de caráter único na história. As oscilações políticas fornecem um panorama da atual situação que enquadra sistemas antagônicos dentro de um mesmo momento histórico em que ocorre a conquista do espaço pelo tempo, do destacável desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte no âmbito da terceira fase do capitalismo.

Em caso particular, no Brasil, inspirados na independência dos Estados Unidos e na Revolução Francesa, surgiram movimentos emancipacionistas que foram controlados pela coroa portuguesa, como a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, respectivamente. As conseqüências diretas e indiretas do Império Napoleônico e do Congresso de Viena somadas a fatores de conjuntura internacional e histórica propícia favoreceram a "independência" do Brasil com as suas singularidades dentro do quadro latino-americano.

Na evolução da história brasileira, especialmente, após a elaboração da primeira constituição republicana, o voto se tornou, ainda que como arma dentro do processo eleitoral fraudulento "in integrum" da dita República Velha, algo de relativa importância na política nacional. Dentro das vitórias populares no processo de escolha política, a participação feminina, garantida pela constituição de 1934, durante o governo Vargas, estremeceu a base patriarcal do sistema eleitoral brasileiro e impulsionou a maior democratização da política "tupiniquim", que seria, de certo modo, efetivada no "pós-1988".

No princípio da individualidade, o sistema do voto obrigatório rompe, dentro de limites, a liberdade pessoal de escolha e de decisão, ao colocar o Governo, através de medida coercitiva, como agente impositor da atitude de direito máximo numa sociedade democrática atual, o voto. O paradoxo se afirma contra os alicerces que fundamentam o sistema, ferido tal na rivalidade "democrático-totalitário", a colocação inflexível do Estado que torna um dever o que, "prima facie", deveria ser um direito. O comodismo deve ser abolido no processo de conscientização da população para que se obtenha um número cada vez mais significativo de eleitores ativos, uma maior parcela politicamente mais educada e conhecedora de seus potenciais e de seus problemas. Não se constrói uma democracia contemporânea pela obrigatoriedade do voto, mas, sim, pela consciência de seu povo.

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Carlos Alberto dos Santos Filho é ex-acadêmico de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), instituição federal de ensino superior, referência latino-americana na área de pesquisa e de estudo das relações internacionais.

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Autor: Carlos Alberto dos Santos Filho


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