Aprenda a Ler e Escrever por Apenas Vinte Reais



Um anúncio publicado na seção de classificados de um grande jornal de Manaus, no dia 14 de outubro, oferecia aulas de alfabetização. Aprenda a ler e escrever por apenas R$ 20, dizia o texto, que a seguir informava o telefone e o bairro onde o serviço era oferecido. Esse texto curto, quase telegráfico, revela uma fotografia em três por quatro da situação do amazonense, e também do brasileiro, em relação à mais básica habilidade para aquisição de educação e cultura, a leitura. O anúncio nos mostra um aspecto de nossa miséria.
O texto é curioso, e até engraçado para quem o ler com humor de mau gosto, pois se dirige a um receptor impossível, o analfabeto. O prestador do serviço, provavelmente um professor, deveria usar outro meio, como a boa e velha propaganda “boca a boca”. É claro que este gracejo fica apenas na superfície da questão, pois o anúncio de nosso professor desconhecido chegará aos ouvidos de seus alunos por meio de um arauto. É assim que nossos milhões de analfabetos recebem informações escritas de todo tipo, por meio de outras pessoas, normalmente um filho ou um neto. O professor sabe para quem ensina.
Como tudo o que está escrito, o anúncio permite algumas interpretações e coloca quem não tem a disposição de ligar para o número divulgado diante de alguns enigmas. As aulas são uma fonte de renda ou um serviço prestado à população? Este profissional liberal da educação é realmente qualificado e está prestando um serviço de real valor ou trata-se de um charlatão?
Uma vez que classificados não trazem, normalmente, filantropia, a alfabetização deve ser, na melhor das hipóteses, um complemento da renda deste professor. Isso nos mostra a lamentável realidade mercadológica desses profissionais, uma vez que, pelo valor cobrado, mesmo com um número razoável de alunos, mal se pagam as despesas de uma sala de aula. Sendo ele um profissional bem formado, por que não está em uma boa escola ou integrado a um dos vários programas de alfabetização do Governo? Em caso contrário, o que lhe dá a confiança para elaborar e publicar um anúncio em um grande jornal?
A certeza de que conjecturas são um material de construção muito barato e que aquilo que se constrói a partir delas costuma se desfazer no ar, por mais sólidas que pareçam as estruturas, levaria uma pessoa curiosa a ligar para o professor e obter informações verdadeiras sobre o caso. Foi o que fez este autor.
A moça que atendeu o telefone, mesmo parecendo desconfiada, informou que as aulas são ministradas nos turnos matutino e vespertino. A professora, segundo ela, é uma senhora de 39 anos, muito experiente, mas que no momento não está trabalhando em outro lugar. As aulas são ministradas em uma sala de aula improvisada, em uma ladeira da Rua Plutão (seria um sinal o fato de Plutão ter sido rebaixado, recentemente, à categoria de planeta-anão?), em frente à área verde de um conjunto popular. A professora ministraria aulas desde a alfabetização até reforço para a sexta série. A turma da manhã tem dez alunos e a da tarde, oito.
Difícil saber, em uma breve conversa, da qualidade das aulas ou das intenções da professora. Ela deve ser uma dessas mulheres de fibra que lutam para melhorar um pouco sua realidade e a daqueles que estão a seu lado. Dessas mulheres que são, na verdade, heroínas e se chamam Maria, ou talvez Rita, Sílvia. Uma dessas mulheres que querem e merecem um Brasil melhor, uma revolução possível, que até poderia começar em sua sala de aula.
Autor: Sérgio Calmon


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