À Margem da Imagem – À Margem da Vida e da Sociedade



Os olhos da rua - eu te vejo mas você não me vê.... será?




Inicio o texto com um certo desconforto. Parece-me que qualquer palavra escrita aqui é no mínimo demagoga e não condiz com minha realidade e postura diante da vida. Como tornou-se simples e confortável passar e passear pelas ruas - no meu caso - de São Paulo e fingir que nada acontece e que esta é a cidade das oportunidades, das grandes organizações, da riqueza e do sonho realizado. A cidade dos executivos e da correria. Correria ou cegueira? Creio que seja menos penoso correr a enxergar.

E por citar o enxergar, como é bela a arquitetura de São Paulo; daí até respiramos aliviados e nos damos o direito de observá-la, afinal merecemos este tempo. Com seus museus, monumentos e prédios centenários, até lembramos que estes precisam ser preservados em sua identidade, afinal, retratam e fazem parte da história da humanidade. Como é belo aquele homem dormindo ao lado do monumento, ou aquela família recostada no muro externo daquela grande catedral, ou ainda aquele menino com uma lata e um cachimbo. Existe isso? Realmente corremos demais para refletir e enxergar as esquinas, embaixo dos viadutos, as calçadas. Estamos sempre envolvidos na loucura de nossa própria máscara.

Desta forma, aproveito este momento de escrita para plantar uma semente que desperte em minha postura e nas pessoas, uma reflexão sobre as condições das pessoas que vivem a margem da sociedade e do sistema; pessoas sem oportunidade, mas com sonhos e esperanças. Quem sabe com esta modesta reflexão, uma máscara se desfaça?

Nesta discussão acredito que alguns pontos precisam ser considerados: primeiramente, vale observar que estas pessoas, assim como a arquitetura da cidade e como nós, também têm uma história, uma identidade, e que são atores na construção de sua própria história e da humanidade. Não podemos mais pensar que são coadjuvantes.

Penso que o resgate a identidade, a dignidade e a cidadania são fatores a serem considerados, e que existem algumas iniciativas de ações sociais muitas vezes meramente assistencialistas que dizem atuar em vista de alcançar estes objetivos, mas tenho claro que o projeto neoliberal utiliza a assistência social de forma focalizada e residual, no intuito simples e remoto de reduzir gastos públicos e desmontar direitos universais. Vale ressaltar que o sistema neoliberal prevê, em suas entranhas, a pobreza e a sua manutenção. Para esta ideologia, muitas vezes a pobreza e a miséria são uma grande fonte de renda e a garantia de que a classe detentora do capital assim prosperará.

Realmente é uma situação complexa estar inserido num sistema desumano e massificador, mas esta não pode ser mais uma desculpa e mais uma justificativa para a inércia e para o conformismo. Como educadora, são muitos os discursos que ouço, mas poucas são as ações coletivas e conscientes em prol do resgate a identidade e a cidadania, não damos conta nem mesmo das crianças que estão na escola, como resgatar famílias e pessoas que nem ao menos estão dentro dos muros escolares e tampouco estão inseridas na sociedade e no sistema neoliberal capitalista.

Diante destes pressupostos, como lembra um dos atores do curta metragem, Paulo Freire, que em minha humilde referência considero o homem e educador que na área da educação abriu caminhos reais aos excluídos e nos mostra que sendo o homem integrado ao contexto, qualquer processo de desumanização (destemporalização, massificação e desenraizamento), não pode ser considerado absoluto, embora adverte que quando se suprime a liberdade, minimizando e cerceando a tomada de consciência, o homem torna-se acomodado a posturas que lhe são impostas. E assim, sem o direito ao diálogo, limita suas atividades a atos reflexos e culturalmente inconseqüentes de encontro ao processo de integração, colocando-o no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado, gerando uma situação em que o homem não é sujeito.

Desta forma, acredito, que o homem, libertando-se, passa a tomar decisões a partir de uma atitude crítica, já que sua humanização ou desumanização, sua atuação como sujeito ou como objeto depende em grande parte da captação ou não dos temas e valores impostos pela “elite” dominante, destacando ser este o único modo do homem integrar-se e superar a atitude do simples ajustamento.

Para finalizar, a partir destes pressupostos e diante desta realidade, sem querer tomar uma posição ingênua acredito na força da educação no processo social, e estou convencida de que a educação para uma prática de vida, que luta em prol da libertação do sujeito, num confronto entre a massificação e a conscientização, acentuado pelo posicionamento do ato educativo comprometido com as dimensões políticas e sociais que anula o verbalismo de palavras sem sentido e sem vida tem um papel fundamental no processo de democratização e de humanização da sociedade. E talvez, nesta situação em que todas as portas estão fechadas esta seja uma janela para a real inclusão e para que ao menos a venda seja arrancada.


VIDEOGRAFIA

Título Original: À Margem da Imagem
Gênero: Documentário
Tempo de Duração: 72 min.
Ano de Lançamento (Brasil): 2003
Direção: Evaldo Mocarzel
Roteiro: Evaldo Mocarzel e Maria Cecilia Loschiavo dos Santos
Autor: Leila C N Maciel de Oliveira


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