Ilegalidade Na Perda Da CNH Por Pontuação



- ... não se deve fazer vistas grosas a atos ilegais, sobe pena de num futuro incerto ... -
“ defendi, recentemente, como trabalho de monografia para conclusão de curso de Direito, na Unitau – (Universidade de Taubaté –SP) A tese de que perda da carteira de motorista por pontuação é ilegal. A tese foi escolhida por entender que o motorista é punido duplamente quando este, além da multa, sofre a perda da carteira. Meu interesse pela tese surgiu ao ter conhecimento, por jornais, falados e escritos, de notícias de motoristas profissionais que corriam o risco de perder o emprego devido ao fato de terem sua CNH suspensa em virtude de terem atingindo o patamar da pontuação.
Tive, no inicio da pesquisa, uma dificuldade maior para encontrar informações sobre a tese, pois, ainda, não existe, pelo menos de forma satisfatória ou de conhecimento geral, referencias bibliográficas ou ate mesmo qualquer jurisprudência para compor minha monografia. Desta forma me vi obrigado a, antes de iniciar o trabalho, interpretar qual era a intenção ou objetivo do legislador quando este decidiu criar a penalidade por perda da carteira por pontuação. O caminho , que percebi ser o mais provável foi de o legislador ter optado por impor a penalidade como uma forma de reincidência, principio esse conhecido por sua aplicação do artigo 63 do Código Penal Brasileiro.
Pois bem, interpretado, à minha maneira, o entendimento do legislador, cabia, ato continuo, enquadrá-lo dentro da filosofia e entendimento das normas legais abraçadas pela legislação brasileira, buscando, assim, entender se o legislador agiu de forma correta dentro de nosso ordenamento pátrio.
Então verifiquei que o Estado, ao retirar a licença de dirigir de uma pessoa, em função de soma de pontuação constante no prontuário do motorista, esta, claramente abusando de seu direito de punir, pois aplica, simultaneamente, duas penalidades por um único ato praticado: - A multa pela infração, e – Por conseqüência desta multa e em virtude da pontuação atingida, caça a CNH do motorista. Sem sombra de duvidas, está, desta forma, ferindo o princípio do "ne bis in idem". Princípio esse que prega a idéia de que ninguém pode ser condenado mais de uma vez por um mesmo fato.
Em nosso ordenamento jurídico, mesmo não existindo o principio do "ne bis in idem" sob esta denominação específica, ele é facilmente encontrado em vários dispositivos legais adotados por nosso ordenamento. Assim o encontramos no Artigo 7.º e 8.º do código Penal Brasileiro, no Artigo 77 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), no Artigo 8º, item 4 do Pacto de São Jose da Costa Rica, no Artigo 9º da Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal (firmada pelo Brasil em 01/07/1994), Artigo VII, item 1, da Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior e também no Artigo 20 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, promulgado pelo Decreto nº 4.388/2002. Que são provas concretas de que o princípio, além de abraçado em nosso ordenamento, é também praticado e aceito.
Visualizando a seqüência para a perda da carteira por pontuação, podemos perceber, sem sombra de dúvidas, a incidência da dupla penalidade, pois esta acontece como ato seguinte à ultima multa que alcança o patamar dos pontos previsto pela CNT. Poderá ser alegado que um infrator de transito, ao atropelar alguém e este venha a ficar incapacitado, invalido ou ate mesmo faleça, responderá pelo atropelamento e ainda poderá responder pelos danos financeiros causados à vitima ou à f amília. Mas neste caso não há dupla penalidade. São punições diferentes, uma em função das seqüelas sofridas pela vitima, e a outra pelos danos financeiros que o ente sofrerá ate seu restabelecimento completo, ou pela perda que sua família sofrerá em caso de morte. Já para a pontuação o único vislumbre que se percebe é de ela ser ato seqüente à ultima multa que alcance o patamar de pontos previstos pelo CNT.

Mas , como havia dito, por não existir nenhum estudo sobre esta modalidade de penalidade, procurei analisá-la sob a ótica do princípio da reincidência. Acontece que este princípio é considerado, por alguns de nossos mais renomados doutrinadores, também como uma forma de “ne bis in idem”, pois, ao agravar a pena de um sentenciado, em face da reincidência deste, o juiz amplia o tempo de prisão, não em face do delito cometido, mas em face de um delito anterior já quitado com a sociedade, havendo inclusive um acórdão no tribunal do RS negando sua aplicação, (julgamento, em 11 de agosto de 1999, da Apelação Crime nº. 699.291.050, 5a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul). Outro agravante para excluir a teoria da reincidência na perda da CNH por pontuação é o fato deste princípio só poder ser usado quando ocorrer o trânsito em julgado da última condenação, e somos obrigados a concordar que a multa de trânsito é uma infração administrativa e não há, neste ato, nenhum parecer judicial ou julgamento por um juiz competente, exceto o entendimento do agente punidor no momento da aplicação da multa. E muito me estranha o fato de sindicatos de motoristas ainda não tenham se atentado para isso.
Assim, a penalidade de perda da CNH é, incontestavelmente, uma forma rigorosa de impor o direito punitivo do Estado. Mesmo se levarmos em conta o desejo do legislador em tornar mais grave a penalidade de quem infringisse a lei de trânsito, não se deve fazer vistas grossas a atos ilegais, sob pena de num futuro incerto, passarmos a aceitar tudo que é errado apenas com o argumento do "BEM COMUM"... ”
( José Roberto de Miranda - "Biografia" - 1965/**** )
biografia
técnico em contabilidade
bacharel em direito pela Unitau
professor de técnicas contábeis
professor de direito tributário para empresários
professor de técnicas fiscais e financeiras
autor do código de ética para funcionários de empresas privadas com revisão prevista para 2010.
nascido em 09/10/1965 em MG.
Autor: JOSE ROBERTO DE MIRANDA


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