A lei Seca de 1930: Conflitos entre Estado e elites e repressão à População pobre no Pará Baratista (1930 – 1935)



Resumo

Este trabalho apresenta aspectos políticos, sociais e econômicos, referentes ao período que vai de 1930 á 1935, abordando especificamente os acontecimentos da região paraense, onde o mesmo tem como interventor o militar Magalhães Barata, ao qual implanta medidas administrativas discutíveis para todos os cidadãos, tal ato prejudicou enormemente os engenhos da região que se viram obrigados á acatar uma ordem administrativa que proibia o mesmo de comercializar a cachaça, e vende-la á retalho, visto que é deste sistema que todos os interiores tiram suas receitas mensais, este trabalho se baseará em tal problemática para tentar apresentar hipóteses para tal medida colocada em foco pelas autoridades da época.

Abstract

The dry law of 1930: Conflicts between State and the elites and repression to Poor population in Pará Baratista (1930 - 1935)


This work presents aspects politicians, social and economic, referring to the period that goes of 1930 the 1935, approaching specifically the events of the paraense region, where the same military man Magalhães Barata has as interventor, which implants measured administrative arguable for all the citizens, such act enormously harmed the devices of the region that if turn debtors to accept an administrative order that the same forbade to commercialize cachaça, e vende it it remnant, since it is of this system that all the interiors take off its prescriptions monthly, this work will be based on such problematic one to try to present hypotheses for such measure placed in focus for the authorities of the time.

Introdução

O presente artigo busca compreender o contexto social e político que motivou a adoção da “Lei Seca” no Estado do Pará, entre os anos de 1930 a 1935, sob o governo do interventor Magalhães Barata. Ao investigar a “lei seca”, busca-se entender melhor a relação entre o Governo Federal e as oligarquias paraenses, bem como refletir acerca da relação entre o poder público e os consumidores de bebidas alcoólicas, em especial aqueles das camadas mais pobres da população.
*

A questão da lei seca não é um assunto do passado. Hoje em dia ainda se encontram problemas relacionados à proibição de bebidas alcoólicas na cidade. O jornal “O Liberal” de terça-feira, 28 de março de 2006 apresenta uma matéria que relata que os vereadores de Belém votaram uma proposta de mudança dos horários de fechamentos dos bares, deixando os donos de estabelecimentos irritados devido à lentidão dos vereadores para tomarem uma decisão.
A comerciante Anastácia Corrêa desabafa: “tenho 40 anos de bar na Pedreira e nunca vi isso. Não venho mais aqui e meu bar fica fechado até sair uma decisão no Diário Oficial” e ainda reclama da polícia que a perturba constantemente em seu negócio: “não estou disposta a ver a policia na minha porta toda hora me mandando fechar”.
As reclamações dos comerciantes envolvem ainda a acusação de estariam sendo lesados pela “lei-seca”, uma vez que esta exclui “os apart-hotéis, drive-ins e motéis” da proibição.
Esse problema, bem como a “seletividade” da lei, não são novos, visto que no passado algo semelhante ocorreu.
No período de 1930 á 1935, ainda que não possa ser denominado como o início de um desenvolvimento industrial, apresenta mudanças políticas significativas no Brasil, uma vez que é um momento de intensa luta pelo poder e de questionamento das instituições. No final da década de 10 e início da década de 1920, já se sentiam algumas mudanças no cenário político brasileiro, ao qual demarcam um outro tipo de embate entre projetos diferentes de modernização industrial. No caso, trata-se de um projeto industrializante que tem o Estado como elemento principal, interferindo nas atividades econômicas das oligarquias regionais; por outro lado, as ações governamentais também realizavam o “seqüestro” de uma agenda de lutas do movimento operário.

Entender a relação entre o poder público federal e as elites locais é algo fundamental par que possamos compreender o contexto econômico envolvido na promulgação da “Lei Seca”.
Pedro Dutra Fonseca, investigando a intencionalidade do projeto desenvolvimentista de Getúlio Vargas, observa que:
Essa relação é de fundamental importância para a confirmação de nossa hipótese básica, segundo a qual a consciência do governo brasileiro na década de 1930, no que tange à opção industrializante, pode ser demonstrada pelas instituições criadas e alteradas no período. Para Zysman, os mercados estão enraizados (embedded) nas instituições políticas e sociais, são criações de governos e de políticos, “não podendo existir ou operar fora das regras e instituições, que estruturam compras, vendas e a própria organização da produção” (Conceição, 2000: p.65-66). Neste sentido, pode-se demonstrar que as instituições criadas e/ou modificadas na década de 1930 pelo governo brasileiro evidenciam sua opção industrializante, pois representam mecanismos, regras, arenas e espaços para, dentro do aparelho estatal e sob sua influência, reorientar a economia, definindo nova relação estado/empresariado/mercado/ trabalhador .

Esta citação denota o quanto o interesse do governo ia de encontro com os objetivos das oligarquias e, consequentemente, com o sistema agrário, visto que o Estado procura impor uma nova relação de comércio quebrando com a existente que era formada por oligarquia/estado/mercado/trabalhador em busca do desenvolvimento industrial do país.

Desenvolvimento, então, paulatinamente transformara-se em sinônimo de industrialização. Passava a ser, por excelência, a condição necessária para o país se desenvolver, ou seja, melhorar seus indicadores econômicos e sociais; precisava-se romper com o passado agrário, do marasmo rural e das oligarquias retrógradas .

Mesmo assim ainda se viam os interesses de minorias que ganharam poder com a implantação de uma “república oligárquica,” a qual se fazia representar nos Estados por famílias de gente ricas que manipulavam o cenário político como lhes bem convinha.
Os ditos “coronéis” foram os responsáveis pela implantação da cafeicultura que se expandiu pelas regiões brasileiras. Através deles o governo pôde alcançar um dos seus objetivos que era a aliança entre Estados e coronéis. O “coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganha entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo
cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste seu domínio no estado .
Seu sistema era composto de uma disciplina rígida em que tudo era controlado; suas eleições eram ditadas pelas trocas de favores, onde se aplicava um clientelismo mútuo.
A questão do clientelismo relacionado ao coronelismo deve ser entendida como: “um tipo de relação entre atores políticos, que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto” .
Esse sistema político baseado no poder dos coronéis, apesar de ser muito útil, era extremamente frágil, porque diferentemente do mandonismo, o clientelismo não se prende apenas aos coronéis e sim ao individuo que detiver mais poder para conduzir seus planos políticos.
Atrelados a isto temos movimentos de contestação por todo o país. O mais significante foi o dos tenentes, que desde a década de 20, tentaram acabar por definitivo com o modelo oligárquico, se rebelando em seus quartéis pelo país a fora.
Neste período o país era governado por Getúlio Vargas, que assume depois da deposição de Washington Luiz, seu governo é marcado por uma centralização política forte, tida como “mãos de ferro” por seus opositores.
Embora não caiba discutir aqui a natureza da “revolução” de 1930, deve-se atentar para as mudanças ocorridas nesse momento.
De acordo com Thomas Skidmore,
Vista da perspectiva de novembro de 1930, a revolução pode ter parecido mais um capítulo na história das lutas políticas entre as elites em lenta transformação, que dominaram a política do Brasil desde a independência, em 1822. Em certo sentido, essa interpretação é correta. A estrutura social e as forças políticas do Brasil não sofreram mudança da noite para o dia. O país permanecia esmagadoramente agrícola (mais de 70 por cento dos trabalhadores estavam na agricultura, em 1920).
Haviam dois fatores, entretanto, que distinguiam os acontecimento de 1930 de todas as lutas precedentes pelo poder, na história da República. Em primeiro lugar, a Revolução de 30 pôs fim à estrutura republicana criada na década de 1890. Os revolucionários arrombaram uma porta aberta, evidenciou-se mais tarde, de vez que a República Velha desabou de repente sob o peso de suas dissensões internas e da pressão de uma crise econômica em escala mundial. Em segundo lugar, havia uma concordância disseminada, antes de 1930, quanto à necessidade urgente de uma revisão básica no sistema político.

Não se deve imaginar, entretanto, que essas mudanças se deram do dia para noite. Nos Estados, as oligarquias existentes tentam resistir ao processo de industrialização que avança pelo país. No Pará, os “Lemistas” e “Lauristas”, grupos políticos que eram adeptos dos candidatos Antonio Lemos e Lauro Sodré, brigam pelo poder, se valendo de métodos pouco ortodoxos para conseguirem seus objetivos, como: voto de cabresto, degola de candidatos e perseguições.
Como parte da reorganização do governo, Getúlio Vargas nomeia interventores para os Estados. No Pará foi nomeado o militar Magalhães Barata, ao qual possuía o mesmo “queremismo ” que o presidente. Chegando à região paraense, Magalhães Barata trata logo de implantar medidas administrativas, baseado no decreto nº19.398 de 11 de novembro de 1930, o qual concedia total autonomia para o interventor fazer o que bem quisesse. Magalhães Barata apoiado por este decreto “atacou” as oligarquias dominantes, impondo leis e quebrando contratos comerciais. Uma de suas ações foi á adoção da “Lei Seca”, que proibiu a venda de cachaça para a população.
Neste trabalho apresentar-se-ão hipóteses sobre tal problemática, e por que foram colocadas em prática, visto que prejudicaram vários municípios paraenses, já que o produto (cachaça) era uma das atividades que movimentavam a economia das regiões paraenses .

As relações entre os engenhos, o governo paraense e a intervenção do governo federal em 1930.

A partir de 1930, a relação entre o governo estadual e os engenhos torna-se difícil, visto que, para se adequarem aos parâmetros ditados pelo governo estadual, os proprietários de engenhos teriam que “modernizar” suas estruturas implantando novos métodos industriais, pois os usados anteriormente não estavam atendendo as expectativas do governo. A “onda industrializante” exigia esta adaptação. Os proprietários argumentaram que esta mudança não seria tão simples assim. Como mudar uma estrutura da noite para o dia? Os custos seriam extremamentes altos.
O governo por seu lado não facilitava para os empresários do açúcar e pequenos produtores, diferente do que acontecia com outras formas de empresas, como, por exemplo, o de Henry Ford que obteve “... concessões de terras devolutas, isenção de impostos estaduais, municipais e todas as facilidades para uma atuação econômica intensa.”
Este cenário propiciou ao governo uma chance de solucionar dois problemas que havia muito tempo atormentavam as autoridades tanto locais como regionais: a questão do consumo de bebidas alcoólica, e o relativo poder que as oligarquias exerciam no Estado, como favores eleitorais, concessões de aberturas de empresas dentre outros.
Essa intervenção no mercado mostra, por um lado a intenção do governo Vargas em modernizar a economia, mas também aponta para o seu limite. Isto porque, embora o governo, através da interventoria de Magalhães Barata, limitasse os poderes das oligarquias locais, as maiores alternativas de industrialização só poderiam vir de uma agro – indústria.
Dessa forma, as ações do governo de Magalhães Barata procuram por um lado, enfraquecer as elites agrárias locais, na mesma medida que busca através de mudanças legais e técnicas, “forçar” uma modernização dos engenhos.
Uma questão moral e outra política, foram os motivos que levaram o governo de Magalhães Barata á implantarem a proibição da venda de “cachaça” e do álcool, para a população e sua eventual comercialização no interior e na capital, essa medida acarretou a insatisfação dos donos de engenhos que reivindicavam uma solução ao interventor por meio de abaixo assinados.
“Veio-me ás mãos o officio incluso de fabricantes de cachaça deste município de Abaeté, incluído e anexado de igarapé-Miry, que pedem seja permitida a venda daquelle producto em Belém Capital do Estado”.

O produto sofreu uma forte proibição por parte das autoridades locais, trabalhadores que produziam a água-ardente se viram prejudicados em sua renda mensal, o que o governo não levou em consideração. Visto que, várias pessoas eram empregadas nesta produção diária e que movimentava não só a “cachaça”, mais sim o comércio fabril e o a retalho que existia ainda neste período. O sistema de aviamento de mercadorias era um dos componentes fortes que ajudavam a movimentar tudo o que se produzia.
A transformação dos engenhos de fabricação de cachaça para os ditos de álcool de uma maneira rápida é difícil operar-se, pois que exige um, capital maior e tempo para isso realizar-se, não podendo os seus fabricantes, presos ainda pela crise que vinham atravessando, adquirir apparelhos próprios e adequados á indústria e fabricação de álcool.
As receitas das regiões em especial de Abaeté e Igarapé-Miry, se sustentam com a lavoura da cana e a sua indústria, através dela, tiravam suas rendas. Quando o governo decreta sua proibição, consequentemente contribui para um déficit decrescente nas regiões, gerando também grande desemprego de varias famílias, que se mantém com tal pratica.
“A lavoura da cana é a indústria por excellencia nos ditos municípios: é dahi que as rendas municipaes vão buscar as suas receitas para fazer face à despezas, constituindo a sua maior fonte”.

Essa citação demonstra a pressão que os donos de engenho estavam sofrendo para modernizarem sua produção. O governo estadual, além de proibir a comercialização do álcool e da “cachaça”.Valia - se ainda dos seus poderes para exigir que sua ordem fosse cumprida, não se importando com a falência dos donos de engenhos nem com o desemprego que iria ocorrer daí por diante.
O governo propunha para os empresários do açúcar a desnaturação do álcool, um processo pelo qual se obteria material para outras funções como a produção de álcool para higiene (atualmente o processo é usado para produção de álcool combustível). O álcool era “quebrado” em várias moléculas gerando um produto mais puro e concentrado, o que aumenta seu valor e sua utilidade no mercado regional e estadual. Como um novo aparelho gerador de rendas para o estado e seu dono, delimitando assim o projeto que o presidente Getúlio Vargas almejava alcançar: um modelo econômico fundado na indústria, aqui representada pelos donos de engenhos e eventuais comerciantes de outros produtos.
Este processo de tentar extrair novas substâncias do álcool não era somente pensada aqui no Brasil, no período de 1930, em Portugal (Lisboa), algo semelhante ocorreu, como noticiou o jornal “folha do Norte”:
Novo combustível: Álcool extraído da Alfarroba, Lisboa, 5 – Em breve será nomeada uma comissão de technicos para estudar a questão do aproveitamento do álcool, extraído da alfarroba como carburante.

Alfarroba é o fruto da alfarrobeira e dela se aproveita quase todos os componentes , talvez, o governo estadual junto com o Nacional almejassem os mesmos objetivos que seus companheiros Lusos.
Os empresários dos engenhos contra-argumentaram que o processo de adaptação às novas regras era muito oneroso. O que vemos, então, é que a principal reclamação dos donos de engenho devia-se às regras de especificação do produto impostas pelo governo estadual.
As casas de commercio não só as localizadas nesta cidade como no interior, onde indirectamente está se reflectindo a paralysação do commercio de cachaça e da lavoura da cana, tendem a fechar porque as suas vendas decresceram 80%, tendendo á completa paralysação em virtude da falta absoluta do município e do serviço aos lavradores.
Após o decreto dessa lei ditada pelo interventor do Estado, algumas indústrias produtoras de álcool e água-ardente foram obrigadas a fechar, por não terem condições financeiras para tal adaptação.
Entretanto, o que causa maior surpresa é o alcance da proibição do consumo de bebidas. Esta proibição, na verdade, era bem limitada, uma vez que só se aplicava ao consumo de cachaça, liberando outras bebidas como vinho, uísque e cerveja.
Mas por que essa proibição em comercializar bebidas alcoólicas não se estendeu para outras bebidas, notadamente a cerveja? Em princípio vemos que, no caso das cervejarias, elas tinham um longo histórico de concessões governamentais para usufruírem do mercado regional.
Ao longo das décadas de 1910 e 1920, notamos que a Cervejaria Paraense obteve do governo vantagens fiscais através de decretos. Em 1919, a Cervejaria Paraense obteve isenção de impostos por dez anos.
... O contrato entre o estado e a fábrica de cerveja paraense, em atenção á lei nº 2.840, de 07 de novembro de 1929, sancionada pelo governador Eurico Valle, que prorrogava por mais dez anos os favores concedidos á dita fábrica em 1919. A fabrica de cerveja, suas dependências e os seus produtos ficariam isentos de todos os impostos estaduais, excetos os de consumo, pelo prazo de 10 anos. Por seu lado a fábrica se obrigaria a fornecer gratuitamente, durante o mencionado prazo, diariamente 30 quilos de gelo e meio litro de levedo...

A cervejaria Paraense em um primeiro momento, não sofreu com a dita proibição imposta pelo Estado. Obteve isenção por dez anos em troca fornecia levedo e gelo para os hospitais da cidade. Note-se que a mesma pagava o imposto sobre o consumo de bebidas alcoólicas, mas o que era apenas o pagamento de um imposto para quem obteve isenção por dez anos?
O que o governo estadual queria mesmo era desestruturar as oligarquias regionais produtoras de água-ardente e ao mesmo tempo “disciplinar” a população mais carente, com a desculpa do aumento da violência decorrido do consumo da bebida alcoólica.
Seria mais fácil para os órgãos competentes do Estado “atacarem” os engenhos do que a fábrica de cerveja, que partilhava, desde 1919 de seu clientelismo. Os já citados acima eram menos organizados politicamente e economicamente (não generalizando a questão mais a maior parte dos donos de engenho não detinham muito poder político, salve algumas exceções).
O governo provisório de Magalhães Barata, atrelado á questões econômicas e políticas, não atentava para o que estava ocorrendo na região, em vez de acontecerem melhorias o que sê pode observar foi um gradativo retrocesso na economia das regiões do estado e consequentemente o aumento negativo do déficit das mesmas.
O que para o interventor poderia parecer como “protecionismo político”, na verdade poderia ser apenas a tentativa de antigos governantes estaduais de atraírem para a região novas indústrias.

“Em julho de 1892 o governador Lauro Sodré sancionou diversas leis, dando concessão exclusiva, pelo prazo de 10 anos para instalação de estabelecimentos industriais no Estado.”


O caso da fábrica cervejaria Paraense não foi diferente, mesmo usufruindo de isenções desde 1919, tem seus benefícios cassados pelo interventor que anula o decreto assinado pelo governo anterior:
“Magalhães Barata não admitia a desigualdade de tratamento face a outras empresas, e decretou a revogação da lei estadual nº 2.840, de 7 de novembro de 1929, extinguindo assim a isenção anteriormente concedida.”

Mesmo assim, sem seus benefícios não se tem a noticia de nenhuma lei proibindo a venda e consumo de cervejas no período de 1930, conforme foi colocada para os produtores de cana e açúcar, por que esse “protecionismo mascarado” privilegiando outras bebidas e não a “cachaça”?
Talvez no setor de consumo, a indústria Paraense (cervejaria), estivesse mais apropriada para os moldes de desenvolvimento industrial ao qual o governo queria implantar na região, o que iria de encontro com os já “obsoletos” alambiques de “cachaça” produzidos na região Paraense.
Outro ponto a favor da indústria seria seus clientes que a consumiam: eram de um poder aquisitivo maior que os agricultores de Irituía e Abaeté que só consumiam água – ardente, eram elitizados adeptos de cerveja e outros tipos de bebidas. Então para que iria se aplicar alguma proibição?
A medida elogiável nos seus fundamentos, deixava livre a venda de vinhos, uísques, conhaques, e de toda sorte de outras bebidas alcoólicas tão prejudiciais quanto a cachaça, e que produziam os mesmos lamentáveis efeitos, consumidas por aqueles que tivessem possibilidades financeiras para usá-las.



Consequentemente aumentou a importação de bebidas vinda de outras regiões, visto que, aqui na região Paraense só era produzido água – ardente e cerveja, e com esta proibição sobre a primeira, outros empresários de bebidas saíram lucrando.
3 - A proibição do consumo de cachaça e a repressão à população pobre

O tratamento que o governo estadual dispensava as pessoas que consumiam “cachaça,” era expressivo e repressivo visto que, para tentar que se cumprisse tal proibição o governo e as autoridades locais puniram severamente quem a descumprisse.

Os meios de comunicação da época contribuíram e muito com o governo para divulgarem informações negativas sobre o assunto (noticiava quase sempre prisões ocorridas pelo consumo de água – ardente). O qual em muitas vezes eram cheias de sensacionalismos. O jornal Folha do Norte era um dos veículos de tal divulgação.
Seus donos assumiram esta postura levados pelo oportunismo político, uma vez que eram contra o regime imposto, coisa que mudou da noite para o dia com a interventoria de Magalhães Barata.

“O interventor foi bem recebido pelo povo em geral, e pela imprensa. A “Folha do Norte”, notório jornal contrário à revolução publicou uma matéria em que elogiava o novo governante.”



Ou talvez os donos do jornal, não quisessem que acontecesse o mesmo que houve com o jornal O correio do Pará, que foi fechado pelo interventor por divulgar noticias “impróprias” para a sociedade...
Várias ocorrências policiais advindas do consumo do álcool foram apresentadas para a população. O jornal Folha do Norte tinha em seus cadernos uma parte intitulada “na policia e nas ruas”, parte dedicada as infrações ocorridas pelo mesmo dentre outras.

Para o governo interventor o que interessava, em um primeiro momento, era que se fizessem cumprir suas ordens à risca. O sistema autoritário do presidente Getúlio Vargas, deveria dar certo, não importando que medidas fossem utlilizadas para tal ato. As datas comemorativas eram para o governo um outro problema relacionado á venda de cachaça, visto que, neste momento geralmente se aumentava os registros policias causados por quem passava da conta:


A cachaça e desordem na data de hontem
O dia de hontem consagrado á comemoração do trabalho, havendo por esta paralyzação em diversos ramos de atividade concorreu para que certos indivíduos se entregarem a toda sorte de bebedeiras e dahi promoverem desordens, dando causa a que a permanência na Central, estivesse em movimento e o escrivão não parasse de escripturar o livro de registro do dia.
Das 16 horas da manhã em diante várias foram as manifestações da data comemorada que foram recambiados para o xadrez da Central a cargo, hontem, do bom e velho professor Pinheiro...


A citação acima leva como titulo principal “a cachaça como geradora de desordem na cidade”, responsabilizando pelas desordens. Do ponto de vista das autoridades e também dos funcionários que escrevem o jornal, a “mola” que deu impulso para tal ato de vandalismo foi a cachaça. Note-se que no decorrer da mensagem não fica explicito a bebidas que usaram, a única coisa que o documento informa é que: “certos indivíduos se entregarem a toda sorte de bebedeiras e dahi promoverem desordens”
As pessoas que consumiam a cachaça passavam (na visão dos meios de comunicação e do governo), uma imagem um tanto “errada”. As notícias deixavam a impressão de que só os indivíduos que consumiam tal produto é que nutriam certo “desvio social”, causando confusões e vandalismos pela cidade. Mas sabe-se que todo tipo de bebida consumida em grande quantidade gera os mesmos sintomas que a água-ardente. Então como ficariam as outras bebidas que tinham o mesmo efeito negativo, para a sociedade, já que a mesma só “marginaliza” o produto fabricado nos engenhos?
Para agravar ainda mais esta imagem feita dos consumidores de cachaça, as autoridades combatiam o consumo da população “esperta” que através de estratégias tentavam burlar tal proibição. Os bares e botequins atuavam com igual “esperteza” no que dizia respeito a venderem “sucos” muito procurados por todos e que levantavam muitas suspeitas nas autoridades locais.

Infringia a lei nº1107
O agente Daniel, quando passava, hontem as 2,50 da tarde, pelo botequim “a caminha verdes”, sito á rua Conselheiro João Alfredo, viu que eram servidos vários “copitos” de cachaça com maracujá...”



Além do dono do bar ser multado ele ainda teria que se explicar na delegacia sobre o por que estava quebrando a proibição de venda de cachaça: “o dito agente convidou o gerente do estabelecimento José da Costa, para ir a central explicar-se com a autoridade, o que fez o infrator “marchando.”
Mesmo com toda repressão feita pelas autoridades, ainda assim alguns indivíduos teimavam em beber a “luz do dia”, visto que, os jornais continuavam noticiando ocorrências de pessoas presas por embriaguêz.

Por embriaguez

As 16 horas da manha de hontem, foi preso Bernardino Nascimento do Amaral de 29 annos cadeireiro que estava aquella hora em completo estado de Embriaguez.


Para os “cachaceiros de plantão”, tal atitude por parte das autoridades já nem era de se estranhar, visto que os mesmo já se acostumaram com tal repressão, o que não se pode deixar de notar é a questão social do período, em que a sobrevivência é difícil, decorrente do desemprego e conseqüente êxodo rural dentre outros fatores.
O governo assim como “pune” os consumidores de água – ardente, devia dar subsídios certos para suas empresas se modernizarem, como salienta o autor Brasilianista Esteve Topik:
“A indústria de bens de capital, tal como outras indústrias básicas, não merecia adequada assistência do Estado. Ela necessitaria de grande infusão de capital...”


Essa citação apresentada acima, cairia como um ponto positivo entre governo e donos de engenhos e empresas afins, culminaria em um acordo rentável, sendo até excluída a idéia de tal proibição e eventual repressão á população mais carente.
A questão de só uma parte da população ser afetada com a proibição abre precedentes para uma visão um tanto “preconceituosa”, visto que todos os tipos de bebidas alcoólicas pagavam impostos ao Estado, então deveriam ser tratados como iguais perante o mesmo que abriu um “abismo” entre donos de engenhos e autoridades locais.
O povo por sua vez continuava a não “ligar” muito para a dita proibição imposta, continuava a beber seu “suco de frutas”, seja de dia ou de noite para a infelicidade dos escrivões e autoridades:
Tomaram só "limão”
Percorriam hontem á noite os botequins, bebericando “limão” os carregadores thomas Rodrigues de Oliveira, Paraense pardo de 28 annos, solteiro, domiciliado em Igarapé – miry, e Raymundo Vieira Santos, amazonense, de 39 annos, solteiro, residente a rua Santo amaro, 6.
Vistos por um guarda – civil que não gostou dessa história de “limonada”, fora da hora, lá foram ambos parar na central a fim de engrossarem o pessoal da fachina.


A população não ligou muito para tal proibição, visto que, a burlavam de todos os modos, sendo assim, as ocorrências só aumentavam e a vontade das pessoas em cometerem atos ilícitos também, mas não devemos delegar todas essas conseqüências somente para a questão alcoólica, fatores sociais e econômicos influenciaram e muito para tal ato.
Muita das vezes com o objetivo de irem “dar uma espairecida” a noite alguns indivíduos acabavam por terminar suas noites no xadrez, o que as autoridades não se davam conta era que seria quase impossível se proibir algo que já fazia parte do cotidiano das pessoas, algo que seria uma espécie de “válvula de escape”.
A insatisfação do povo com o governo atual, geravam anedotas por partes dos consumidores de “cachaça”, que “criavam” até músicas com o intuito de satirizar o governo e exaltar o consumo da “cachaça”, a questão de ser preso ou não já não surtia um efeito tão forte na população:

Infringiu a “lei seca”
Deu entrada num dos aposentos da Central hontem, á noite o vendedor ambulante Lauro Beltrão, paraense, branco de 20 annos, solteiro, morador á avenida Conselheiro furtado, 252 por ter tomado uma “perua”, ficou cantando no xadrez:

A cachaça é moça branca
Filha de homem solteiro,
Quem se mete com cachaça
Não pode juntar dinheiro.

Os objetivos do governo não foram alcançados plenamente, tendo em vistga que a população se "acostumou" por assim dizer a tal tratamento.
Autor: Itamar Vieira Pamplona


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