Aqui Se Faz, Aqui Se Paga



Escrito por: Carlos Alberici.

      

Dois toques na campainha, gente estranha na área, conhecia as pessoas pelo andar, tanto ao subir quanto ao descer a escada. Devagar, nem tanto, olha pelo olho mágico, crianças, não daquelas que tocam e saem correndo, mas sim duas crianças, um menino e uma menina, paradas ali na frente de sua porta.

 

Pedintes, embora já os tenha ajudado outras vezes fica injuriado e se pergunta como conseguem entrar, quem deixou isso acontecer. Na idade em que está tudo o irrita, o assusta. Com o que ele chama de ajuda de custo, mas que na verdade é sua aposentadoria e mal da para ele viver, como vai ajudar outros? Eles são jovens, muito futuro pela frente, podem arranjar emprego, mas e ele? Não tem quem o ajude. Tanto por parte paterna como materna não há ninguém vivo, irmãos, tio, tia, primo, ninguém só ele. E a família que sonhou ter não teve. Até que tentou 3 vezes, casos de amor que lhe rendeu muitas canções poesias, mas também muitas magoas, um deles ainda presente o pertuba muito.

 

Devagar se afasta da porta, dessa vez não os ira ajudar, não tem nada para dar, volta a sua poltrona preferida, tem uma casa normal com tudo dentro, mas é daquele pedaço que ele mais gosta, dá pra vista de um bairro pobre, próximo dali, e é lá que ele fica dia e noite a observar luzes e concretos, a imaginar as vidas que habitam ali. Ao sentar toca o telefone, mesmo um velho solitário precisa de um, corre á sua maneira atende sem saber que a notícia que receberia pelo telefonema mudaria sua vida.

 

Do lado de fora as crianças ajeitam o que pegaram, e conversando com quem tinha autorizado a entrada deles no condomínio agradecem:

 

-- Obrigado Dona Lita.

 

Dona Lita conversava no celular. Para de falar e diz:

 

-- De nada crianças, pelo jeito todos contribuiram?

 

O comentário que fez foi mais para saber quem havia doado o que, e quem tinha sido mão de vaca.

 

-- Sim menos o senhor do 1° andar, ele sempre nos da tantas coisas, ele está bem?

 

 -- Creio que sim meus amores, pouco sai de casa ou aparece na janela mas deve estar bem.

 

As crianças se despedem rumam para outro prédio. Dona Lita retorna ao celular falando alto como qualquer outro: “OI VOCÊ AINDA ESTÁ NA LINHA, ENTÃO O QUE VOCÊ ACHA, EU TENHO QUASE CERTEZA QUE ELAS SÃO NOSSAS... ALÔ TÁ ME OUVINDO, ALÔ, NÃO, NÃO TÔ BRINCANDO É SÉRIO, ALÕ VOCÊ ESTÁ BEM...

 

Semanas depois estavam as crianças lá de novo, e ao bater na porta do velho saí um novo em folha. A menina já atiradinha diz:

-- Oi quem é você?

-- Eu pergunto o mesmo. Diz o homem.

-- Estamos pedindo – disse o pivete – queremos comida.

 

Nisso uma voz alta lá de dentro diz:

 

-- Tá vendo Everaldo outro motivo de eu ter odiado ter vindo morar aqui.

 

-- Quieta mulher, o que vocês querem afinal pode ser qualquer coisa?

 

Receberam a qualquer coisa e saíram da porta. A menina não perde tempo e vai saber o que aconteceu com o velhinho que sempre lhes davam coisas gostosas.

 

Perguntou pro Zé da faxina:

 

-- Foi-se?

-- Foi-se?

 

O Zé que nunca termina as frases que começava:

 

-- Foi-se dessa para melhor

-- Onde fica essa cidade? Pergunta o pivete.

-- Morreu seu idiota. Disse a menina. Foi embora pro papai do céu.

-- Hã, quando?

-- Rapaz faz mais ou menos um mês. Quando o acharam fazia uma semana que estava morto lá dentro, caiu deixou o telefone fora do gancho e tudo. Morreu do coração.

-- Que peninha dele. Disse a menina. E a Dona Lita onde está?

-- O ela aí.

-- Crianças por favor aqui, aqui.

-- Sim Dona Lita.

-- Preciso conversar com vocês. Preciso que me falem sobre seus pais.

-- Já dissemos Dona Lita estão mortos.

-- Sim já sei, desculpe fazer vocês lembrarem disso, mas é que eu preciso saber tudo, o máximo possível deles, seus nomes, que idade teriam...

 

Resolveram leva-lá á tia avô deles, Adeli, ela tomava conta deles, e conheceu seus pais, e lá ela esclareceu suas duvidas de Dona Lita, e Dona Lita por sua vez explicou do porque das perguntas. E o que revelou não foi de fácil digestão, durariam anos para se acostumar, talvez nunca chegaria o tempo.

 

De acordo com Dona Lita, ela e seu Osvaldo, como era chamado o velho morto, tinham sido na juventude namorados, mas o namoro terminou por causa de uma gravidez indesejada. Os pais de ambos eram de famílias nobres, e aquilo era um tipo de mancha inaceitável, decidiram que ela ficaria longe dali até ter esse bebê e que ele seria doado após o seu nascimento. Coisas típicas da década de 30. Dona Lita não fez objeção na época, era apenas uma menina sem autoridade nenhuma, Osvaldo por sua vez se viu louco, não aceitava de jeito nenhum essa idéia e seus pais acabaram por deserdarem ele. Enfim foi doada a criança, uma menina, á igreja do bairro. Depois de anos sem seus pais para atrapalharem os dois resolveram ir á cidade e foram a tal igreja. Depois de muita conversa e recordações a madre ainda viva disse o máximo que podia, e disse que ela havia sido doada pra gente ali do bairro mesmo. E lá os dois ficaram por 26 anos até que encontram a sua neta.

 

-- Eu sua neta?

-- Sim eu era mãe de sua mãe, sou sua avó.

 

Ângela como se chamava a mãe das crianças havia sido adotada pela irmã da tal tia Adeli, no documento que tia Adeli pegou podia se comprovar isso, a data e tudo o mais confirmava isso. Ângela era pobre e não terminou seus estudos, trabalhava como doméstica, o que lhe deu oportunidade de ter uma vida mais digna e casou com o João, o pedreiro ali do bairro. Morreram num acidente de ônibus e as crianças ainda pequenas foram pra favela onde sua mãe tinha sido criada.

 

Mas agora Dona Lita prometia mudar a vida deles, e de fato mudou, seus netos hoje são formados e cheios da grana. Porem nada disso mudou o destino de Dona Lita era muito pouco para se redimir e hoje aos 92 anos de idade está enfunada num asilo, foi deixada para traz, seus netos não fazem questão de se lembrar dela. E quando pessoas voluntárias que visitam esses asilos perguntam como foi que ela veio parar ali ela diz: “ Neste mundo aqui se faz aqui se paga”.


Autor: Carlos Alberici


Artigos Relacionados


Camaleão

...e Quem Não Quer Possuí-la ?!!

Sonhos De Crianças

Desparafusetas

Minha Mãe

Minha Mãe

ConsciÊncia PolifÓrmica