O Processo de Franz Kafka: Vida e Obras do Autor



INTERPRETAÇÃO SOBRE O PROCESSO, DE FRANZ KAFKA. VIDA E OBRAS DO AUTOR

“Tudo que não é literatura me aborrece profundamente” (Franz Kafka)

O tema abordado neste artigo foi escolhido pela grande admiração mundial ao escritor Franz Kafka. Dada a sua importância para a literatura moderna, é mister o conhecimento de suas obras e da vida de seu autor. Pois estas influenciaram toda a literatura contemporânea e vários filósofos da modernidade.

A biografia do autor é essencial para o conhecimento e entendimento de sua obra, portanto, a história de vida e suas relações familiares serão observadas com atenção neste ensaio.

A obra a ser analisada será O Processo. Será abordada a sua interpretação acerca de seu enredo e principais mistérios deste livro que marcou a literatura mundial por sua eloqüência e inovação.

Quase totalmente terminado, o romance narra as atribulações do bancário Joseph K que, no dia do seu aniversário de 30 anos, é retirado de sua vida normal, preso e julgado por motivos que ignora. Perdido em meio a um poder judiciário corrupto e enigmático, Joseph K desconhece a justiça que o acusa, e procura durante todo seu julgamento entender os seus acusadores, mas nunca o crime que cometera.

Biografia:

Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1883 na cidade de Praga, Boêmia (hoje República Tcheca). Era o filho mais velho de Hermann Kafka, comerciante judeu, e de sua esposa Julie. Kafka cresceu sob as influências de três culturas: a judaica, a tcheca e a alemã.

Fez os seus estudos nessa capital, onde em 1906 se formou em direito. Trabalhou como advogado, mas depois desistiu definitivamente da carreira de jurídica; A princípio trabalhou numa firma particular, depois na firma de seguros contra acidentes do trabalho e posteriormente na fábrica de seu cunhado. Kafka demonstrou durante toda a vida sua frustração pela vida jurídica.

Duas vezes noivo da mesma mulher, o escritor tcheco nunca se casou.

Em 1917, aos 34 anos de idade, sofreu a primeira hemoptise de uma tuberculose que iria matá-lo sete anos mais tarde. Alternando temporadas em sanatórios com o trabalho burocrático, nunca deixou de escrever, embora tenha publicado pouco, e já no fim da vida pediu ao seu amigo Max Brod que queimasse seus escritos, no que evidentemente e felizmente não foi atendido.

Viveu praticamente a vida inteira em Praga, salvo o período final de sua vida, passado em Berlim, onde ficou longe da presença esmagara de seu pai que não conhecia a sua legitimidade da carreira de escritor. Figura esta que merece destaque em sua história, pela repressão e infância tirânica em que viveu por parte da figura paterna.

Herman Kafka, pai de Franz Kafka, foi um pai tirânico durante toda a sua vida. Contra o casamento do escritor com uma moça chamada Julie, dada a sua condição social (Julie era filha do zelador da sinagoga que sua família freqüentava), o casamento foi impedido. O pai, um tirano, autoritário e egoísta foi respondido em um acerto de contas explícito, onde o autor de O Processo presenteou o mundo com mais um magnífico livro, de 88 páginas, ficou conhecido como Carta ao Pai. Oque era para ser um desabafo, tomou proporções jamais imaginadas pelo autor. Para muitos estudiosos, Kafka já escrevera todas as suas obras, sob esse sentimento de repressão e dor que seu pai o remetia. Mas, Carta Ao Pai foi um desabafo explícito e direcionado.

Portanto, entende-se que toda a obra Kafkaniana foi escrita de modo sofrido, escrita sem o intuito de uma obra bonita, e sim uma obra baseada na dor. O peso, a prisão e agonia em que seus personagens vivem são propositais. Segundo Modesto Carone “Em Kafka, até as deformações são precisas”

Falecido no cemitério de Kierling, perto de Viena, Áustria, no dia 3 de junho de 1924, um mês antes de completar 41 anos de idade, Franz Kafka está enterrado no cemitério judaico de praga. Quase desconhecido em vida, nunca atingiu fama ou fortuna com seus escritos. Desde criança sentiu os problemas da solidão e contra eles lutou, sem muito sucesso, ao longo da vida. Terminou sua existência num sanatório perto de Viena, sozinho e desconhecido, mas consagrou-se um eterno escritor postumamente, por seu legado – resgatado pelo amigo Max Brod- que exerce enorme influência na literatura contemporânea

Obras: O processo, América, Um artista da fome, A construção, Na Colônia Penal, O Foguista, O castelo, A Metamorfose, O Veredicto, Um Médico Rural, Narrativas do Espólio.

Características gerais das obras. Símbolos: O absurdo e o cotidiano.

Todos os livros de Kafka obrigam indiretamente o leitor a uma releitura. Seus principais acontecimentos, e sua historia como um todo sugerem explicações, mas nunca uma certeza sobre essas questões. É necessária uma nova leitura com um novo enfoque, para que o leitor possa entender todos os símbolos: seus personagens absurdos, em situações fantásticas que beiram ao onírico. Por se tratar de símbolos, estes por muitas vezes permitem uma dupla interpretação da obra. É preciso lembrar que uma leitura fantástica e simbólica é sempre muito genérica em sua interpretação. Como explica o filósofo Albert Camus em sua obra O Mito de Sísifo.

“Um símbolo sempre ultrapassa aquele que o usa e o faz dizer na realidade mais do que tem consciência de expressar. Nesse sentido, o meio mais seguro de captá-lo consiste em não provocá-lo, iniciar a obra sem idéias preconcebidas e não buscar suas correntes secretas. Seria um erro querer interpretar tudo detalhadamente em Kafka. Em um símbolo por mais que seja precisa sua tradução, um artista só lhe pode restituir o movimento: não há tradução literal.” (Albert Camus)

Um símbolo de fato nos leva sempre a dois ou mais caminhos, tomar rumo desses caminhos é entender a obra em sua profundidade. Em Kafka esses dois mundos são a vida cotidiana, e a inquietação sobrenatural. O absurdo em momento algum adquire aquele tom característico de contos fantásticos. Pois, na obra Kafkaniana o absurdo é simbolizado por acontecimentos cotidianos que vistos de uma maneira geral, são normais à sociedade. Situações extremamente realistas, que, no entanto nos conduzem para uma perda de sentido.

É essa a grande genialidade presente na obra Kafkaniana, a magnitude com que este conseguiu entrelaçar situações comuns a sociedade, com acontecimentos absurdos, de modo que o absurdo tornou-se possível. A união do trágico, lógico, e cotidiano.

Utilizando o exemplo da obra O Processo, neste romance o protagonista é acusado por motivos que desconhece, e por uma justiça que desconhece. No entanto, todo o aparelho jurídico complacente que o julga, é lógico e inerente a sociedade. O absurdo consiste em saber por que lhe acusam, e de que. Mas o protagonista não insiste em se indagar tais questões, e ao longo do processo vai carregando a culpa de um crime que desconhece. Percebendo sempre a inutilidade que consiste a sua defesa, no entanto, conserva uma esperança derradeira perante seu julgamento.
Portanto, um leitor não atento aos símbolos da obra Kafkaniana, e desavisado das características da sua obra, terá como interpretação apenas uma situação ilógica sem analisar seus símbolos e significados.

Do nome de Franz Kafka vem o adjetivo “kafkiano”, que,
segundo o Dicionário Houaiss, “evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo, especialmente em um contexto burocrático que escapa a qualquer lógica ou racionalidade”. É preciso uma atenção especial a cada pequeno fato das obras Kafkanianas, pois estes aparentemente irrelevantes fatos podem abrir portas para símbolos que conduzirão para uma interpretação acerca das obras. Desse modo não sendo vistas como define o dicionário de modo errôneo: ilógicas e irracionais. Quando Kafka quer expressar o absurdo, lança mão da coerência.

É conhecida a história do louco que estava pescando numa banheira; O médico que tinha suas idéias sobre os tratamentos psiquiátricos lhe perguntou “se estavam mordendo” e obteve uma resposta rigorosa: “claro que não, imbecil, isto é uma banheira”. Nessa historia observar-se como o efeito absurdo está ligado a um excesso de lógica. O mundo de Kafka é na verdade um universo indizível onde o homem se dá o luxo torturante de pescar numa banheira, mesmo sabendo que dali não sairá nada. (Albert Camus).

Interpretação sobre O Processo

O início da história se resume em poucas linhas. Josef K. Um bancário de classe média é detido no dia de seu aniversario de 30 anos, por motivos que desconhece, por uma justiça que também desconhece. Apesar de detido, ele pode viver sua vida normalmente. Os juízes e toda ordem jurídica dessa desconhecida justiça são extremamente corruptos. Seus tribunais possuem um ar obscuro, formando um aparelho jurídico extremamente burocrático e hermético. Tanto a linguagem quanto a descrição dos lugares dão esse peso e sufoco à obra. O sentimento de culpa que Josef K. vai absorvendo durante o processo sufoca-o, do mesmo modo, sente-se sufocado o leitor por todo o sentimento de inutilidade que resulta uma tentativa de resolução do processo. Este se sente atormentando pela situação absurda que vive o protagonista, e acaba compartilhando a sua dor em si. É inerente a obra o sentimento de angústia que esta imprime ao leitor, sentimento de angústia que atormenta o protagonista. A busca por uma lógica processual decorre sem nenhum êxito. O advogado de defesa apesar de garantir sempre um andamento significativo do processo, este nada avança. Servindo o advogado apenas como uma figura apaziguadora da angustia de Josef K. A saída lógica parece nunca existir, entretanto a esperança nunca desaparece de K.

O desfecho do livro se dá quando dois senhores bem vestidos e educados vem buscá-lo sem que este ofereça nenhuma resistência. Levam-no a um subúrbio e lá o degolam. Antes de morrer, o condenado apenas diz: “como um cachorro”. E o romance termina com a frase “era como se a vergonha fosse sobrevive-lo”.

Uma das interpretações aceitas é que o romance trata fundamentalmente da condição humana individual perante a sociedade. O individuo em sociedade vive e é constantemente condenado por ela. Sabe-se que por mais que tente remediar isso, nunca terá nenhum êxito em tentar fazer com que esta aceite seus conceitos autônomos. A forma com que a sociedade impõe regras é sem dúvida um fardo maior para certos cidadãos. Ou até mesmo a forma que a vida impõe certos paradigmas, parece insuportável para algumas pessoas, protótipos sociais impostos pelo coletivo que podem ser antagônicos aos valores individuais. Por mais que resistam a esses padrões sociais, os desafiadores desses modelos serão sempre julgados, e punidos mesmo que de forma difusa e sem atuação do direito, mas a moral em si é um poderoso meio de coerção.

Portanto pode-se entender Josef K como um homem deslocado na sociedade. Com valores morais diferentes, este vive sendo julgado (até mesmo constantemente condenado por si próprio, dada a culpa intrínseca que Josef K assume) e censurado mesmo que de forma implícita (já que este apesar de detido não é impedido de suas tarefas normais). Ora, pode-se claramente associar a figura de Josef K. segundo essa interpretação, com a figura de Franz Kafka. A própria biografia de Kafka analisada neste artigo demonstra a vida errante que este viveu, altamente reprimido pelo pai, extremamente solitário e descontente com a profissão que exercia.

O autor e o protagonista se confundem na obra Kafkaniana. Em O Processo, o herói poderia se chamar Schmidt ou Franz Kafka. Mas se chama Josef K. Não é Kafka, e, no entanto é ele. É um europeu médio. É como todo mundo... (Albert Camus)

É uma interpretação bastante lógica, relacionando em sua essência o poder dos fatos sociais, e as sanções que o indivíduo sofre quando não se adéqua a elas. Um sofrimento até mesmo interno, pela importância que a coletividade exerce na consciência individual como forma de integração. E os prejuízos que o indivíduo sofre ao não se integrar socialmente.

Existem diversas interpretações acerca da obra, existe apenas um meio de poupar o trabalho de interpretar O Processo: não ler o livro. Esta seria igualmente a única maneira de satisfazer o desejo de Kafka, de que suas obras nunca fossem publicadas. Tirar vantagem da decisão em contrário de Max Brod, e ler o livro, significa assumir o papel do intérprete. Pois então, “deixo o julgamento do processo na mão de cada leitor”.

Referências bibliográficas:
Camus, Albert. O mito de Sísifo. 3º edição. Rio de Janeiro: Record, 2006.
Kafka, Franz. O Processo. 1º edição. São Paulo: Abril Cultural, 1982
Kafka, Franz. O Castelo. 2º edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2000
Souza, Marcelo Almeida. O processo, de Franz Kafka. Revista Visão jurídica número 08
Autor: Caio Christofani


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