FUNÇÃO SOCIAL DO INTERVALO INTRAJORNADA



O intervalo intrajornada conceituado no caput do art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho assevera que ”em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas”. Trata o dispositivo da obrigatoriedade de concessão de intervalo em trabalhos acima de seis horas, para manutenção do estado físico e psíquico do trabalhador após um tempo de labor.
Todavia, algumas empresas vem concedendo o intervalo de forma indevida. Sendo autorizado o descanso e tempo para refeição logo no início da jornada. Ora, se o intervalo intrajornada deve ser concedido para que o trabalhador se recupere, física e psiquicamente do seu trabalho, é de se esperar que o intervalo seja marcado após um período razoável de labor. Assim podendo o trabalhador recuperar suas forças, ao menos em parte, para terminar a jornada diária. Se o descanso é realizado no início da período o trabalhador terá que cumprir o restante de seu horário de forma penosa, já que não terá mais tempo para repouso – pois é autorizado pela empresa somente nas primeiras horas, perdendo a norma a sua função social.
A norma que perde sua função social perde sua eficácia no plano real. Por isso a necessidade de uma correta interpretação do direito positivo. Como diria Miguel Reale, “contemporaneamente falando, interpretar uma lei importa, previamente, em compreendê-la na plenitude de seus "fins sociais", a fim de poder-se, desse modo, determinar o sentido de cada um de seus dispositivos. Com essa "Finalidade Social da Lei", no seu todo, busca-se atingir uma "correlação" coerente entre o "todo da lei" e suas "partes"(artigos e preceitos).” Considerando o ensinamento do mestre Reale podemos afirmar que os Tribunais Regionais do Trabalho vem interpretando de forma correta, visto os entendimentos transcritos a seguir:, “O intervalo intrajornada deve ser garantido ao trabalhador, em horário pré determinado, possibilitando ao mesmo o necessário repouso e alimentação, pois caso contrário perderia a sua finalidade.” RO N.º 238/2000; ‘A lei não pode ser interpretada ao pé da letra, mas sim, tendo em vista o pensamento do legislador e os fins sociais a que ela se dirige, conforme preceitua o art. 5º da LICC.” JC-02/33; “O princípio norteador do julgador na aplicação da lei deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum.” (RT-638/124).

Quanto a interpretação da norma jurídica outros autores corroboram para o entendimento da necessidade primordial de considerar a sua função social:

“Toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito; quando assim não se procedia, construíam a obra do hermeneuta sobre a areia movediça do processo gramatical. (...) O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para a qual foi redigida” CARLOS MAXIMILIANO

Ainda na seara da interpretação da norma jurídica, os professores e incontestes mestres da ciência jurídica EDUARDO ESPÍNOLA e EDUARDO ESPÍNOLA FILHO teceram as seguintes considerações:

"Também se revela de caráter sociológico, pois só penetrando as necessidade práticas da vida, só adquirindo contato com a realidade social, é que se torna possível o estudo dos fins práticos de justiça e de utilidade geral. O conhecimento dessas necessidades deriva, forçosamente, do exame dos fatos, que devem ser considerados no seu conjunto, em forma tal a poder orientar sobre a verdade das exigências sociais. EX FACTO JUS ORITUR. Lembre-se a fórmula, extraordinária de concisão, mas inexcedível de eloqüência, pela sua grande, insuperável verdade, com que o juiz americano BRANDEIS traçou uma verdadeira orientação, para todo movimento da justiça bem compreendida: "nenhuma lei, escrita ou não, pode ser entendida sem o pleno conhecimento dos fatos, que lhe deram origem ou a que vai ser aplicada. A lógica das palavras deve ceder à lógica das realidades."

“A técnica teleológica procura o fim, a ratio do preceito normativo, para a partir dele determinar o seu sentido. O sentido normativo requer a captação dos fins para os quais se elaborou a norma, exigindo, para tanto, a concepção do direito como um sistema, o apelo às regras de técnica lógica válidas para séries definidas de casos, e a presença de certos princípios que se aplicam para séries indefinidas de casos...” MARIA HELENA DINIZ

“Dizia-se que a missão do juiz seria a efetivação das leis substanciais, não lhe competindo o juízo do bem ou do mal, do justo ou do injusto. Sentenças injustas seriam o fruto de leis injustas e a responsabilidade por essa injustiça seria do legislador, não do juiz. Mas o juiz moderno tem solene compromisso com a justiça. Não só deve participar adequadamente das atividades processuais, endereçando-as à descoberta de fatos relevantes e correta interpretação da lei, como ainda (e principalmente) buscando oferecer às partes a solução que realmente realize o escopo de fazer justiça. (...)O juiz que vai aos princípios gerais e constitucionais ou considera as grandes premissas éticas da sociedade ao julgar, cumpre apenas um tradicional mandamento da própria ordem jurídica (os fins sociais da lei, art. 5o LICC) e comporta-se como autêntico canal de comunicação entre os valores da sociedade em que vive e os casos concretos que julga. Não fora assim, a jurisprudência jamais evoluiria segundo as tendências da sociedade e de acordo com os cambiantes problemas enfrentados por esta. Do ponto-de-vista jurídico, todavia, inexiste criação em casos assim, justamente porque o juiz não retira da sua vontade ou preferências pessoais a norma substancial que servirá de base para julgar o caso: simplesmente, dá efetividade aos princípios gerais do direito, à analogia etc., que são fontes formais do direito expressamente indicadas na própria ordem jurídica positiva (LICC, art. 44).” CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO

“Não é o direito positivo a única e melhor expressão do direito, sendo igualmente relevantes, entre outras fontes, a equidade, a jurisprudência e os princípios gerais do direito, um destes expresso no art. 5º da LICC”. MIGUEL SERPA LOPES

Cabe aqui, mencionarmos também a exímia colocação do ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça SÁLVIO DE FIGUEIREDO, segundo o qual:

“a interpretação das leis não deve de ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil (...) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem, pode e deve por outro lado optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da justiça e do bem comum.”

Entendimentos estes positivados no art. 5° da LICC, que reza que na interpretação ou aplicação da lei, o julgador deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Dessa forma, com auxílio dos grandes doutrinadores e da jurisprudência citada, fica claro o desrespeito dos empregadores ao ordenamento jurídico, concedendo de forma insatisfatória o intervalo intrajornada. Já que concedido no início do trabalho, quando o trabalhador ainda de posse de suas forças, colide com sua função social de proteger a higidez física e psíquica do trabalhador. Respeitando a norma dentro de sua função social os benefícios não seriam só para o trabalhador, mas também, para toda a coletividade, pois é cediço que a prevenção da fadiga é fator diretamente relacionado com a produtividade do organismo econômico.
Autor: Alessandro Miranda


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