BUSCA DE UM MARCO CONCEITUAL DE ÉTICA / MORAL / VALORES PARA A EDUCAÇÃO



Pretende-se discutir algumas implicações que a ética, a moral e os valores têm na formação do jovem. Isso porque partimos do pressuposto de que o processo educativo não apenas reproduz valores previamente estabelecidos, na expectativa de que os mesmos sejam simplesmente transmitidos e
passivamente assimilados pelos alunos. Ao contrário disso, consideramos o processo educativo em sua potencialidade de produzir novos valores e de condução a novas valorações. Silva (2000) constatou que ainda há um significativo desconhecimento, por parte de educadores, da presença dos valores no cotidiano pedagógico e nas práticas educativas. Isso porque, na formação desses educadores, permanece uma lacuna em relação ao conhecimento dos fundamentos axiológicos do
processo educativo e quase nenhum preparo para uma reflexão sobre isso. A partir da afirmação acima, levantamos a hipótese de que haja, também, uma ausência de tratamento adequado dos componentes ético-morais – advindos do contexto histórico-social do desenvolvimento humano – tanto no processo de formação dos educadores, como no trabalho cotidiano com os educandos.
Em vista disso, fizemos um levantamento bibliográfico sobre os temas ética, moral e valores e o resultado foi que poucas obras focalizam especificamente o âmbito educacional, especialmente a partir da visão do educando, que, enfim, é o sujeito de valorações éticas decorrentes das influências educativas. Não foram encontrados, também, estudos sobre o tema que partam da concepção do jovem educando e que, no interior dessa temática, focalizem o confronto da visão do jovem com teorias que abordem o tema no processo educacional e na sociedade, o que reforçou nosso interesse na realização deste trabalho. Decidimos, então, estabelecer como percurso um levantamento abreviado sobre o tema para, posteriormente, investigar a atual crise de valores éticos e o modo como a ética e a moral foram introduzidas na escola pública brasileira, na atualidade (o que será feito
nas partes subseqüentes deste capítulo). É necessário esclarecer, também, que embora já se tenha abordado questões referentes à ética, à moral e aos valores nas partes anteriores desse trabalho,
procuramos aqui organizar uma discussão conceitual sobre os referidos temas – ainda que breve e limitada – que auxilie na análise dos dados obtidos pela pesquisa empírica e na organização das reflexões daí decorrentes. É evidente que, quando se faz um mapeamento de temas e abordagens através da História da Filosofia, dificilmente se consegue abarcar as posições relevantes em sua totalidade, amplitude e profundidade. Queremos deixar claro que não foi esse o nosso intento. Portanto, embora conscientes das possíveis lacunas, seguimos aqui um caminho que consideramos suficiente para rastrear argumentos teóricos que nos auxiliassem na análise dos dados advindos da pesquisa empírica realizada. Sendo assim, vamos ao caminho escolhido. Sabemos que, desde a Antiguidade Grega, grandes filósofos – tais como Sócrates, Platão, Aristóteles, dentre outros – preocuparam-se com as questões éticas, com os padrões morais e com os valores vigentes na polis.
Sócrates afirmava que ao formular conceitos o homem já demonstra a necessidade dos valores éticos universais e absolutos. E tais valores são apreendidos pela razão humana. Nesse sentido, a própria doutrina do “conhece-te a ti mesmo”não indicava apenas o conhecimento intelectual da idéia do ser humano, mas o conhecimento do valor do homem e das suas possibilidades de auto-realização.
Platão dá continuidade à reflexão axiológica de Sócrates, na medida em que faz de sua Teoria das Idéias uma teoria de valores. Pode-se mesmo afirmar que a doutrina platônica equipara ser e valor.

Segundo afirma Silva (2000, p. 30), para Platão:
O valor está, portanto, no ser, mas estende-se aos processos
materiais e circunstanciais do nosso universo, projetando-se,
refletindo-se sobre a experiência concreta da política, da educação,
da produção religiosa ou da vida amorosa. Daí a importância e
necessidade imperiosa do saber, da superação da mera opinião em
busca da ciência.

Aristóteles, por sua vez, ao incorporar por superação o pensamento de seus predecessores, propõe uma Ética material de bens, ou seja, o bem supremo, para o homem-cidadão, é a prática da virtude. O bem do homem será, portanto, o bem do estado, o da polis. Para este filósofo, ainda que saibamos o que é o bem, as paixões podem nos impedir de chegar à sua realização. Em vista disso, Aristóteles
considera a necessidade de hábitos para tornar o homem virtuoso, capaz de moderar suas paixões.
De acordo com os filósofos gregos aqui referidos, portanto, o valor era considerado em sua consonância com a própria razão. E através do uso razão é que o homem virtuoso alcançaria a Felicidade, considerada o Bem supremo, objetivo geral do homem. A civilização ocidental, herdeira da cultura greco-romana, de forte tradição racionalista, privilegiou, no seu sistema educacional, o conhecimento através do pensamento lógico, racional. Segundo Werneck (1996), a educação
escolar buscou o desenvolvimento dessa tradição racionalista aperfeiçoando uma teoria da aprendizagem que visava conhecer o processo da aquisição do conhecimento segundo as diversas etapas da vida. Na atualidade, pode-se afirmar que a educação ainda vem seguindo os princípios dessa tradição racionalista, considerando a valorização do saber pragmático e utilitário, voltado aos interesses do mercado, pela busca da satisfação através do capital. Mas, vejamos o que dizem nossos sujeitos de pesquisa sobre isso. Para esses educandos, a ética e os valores, tal como transmitidos através da educação escolar, também procuram trazer como conseqüência a felicidade do ser, só que essa felicidade não é considerada um bem supremo, um fim político, como Aristóteles propunha. Para esses jovens que vivem numa sociedade globalizada, movida pelos interesses do mercado, o “bem”, muitas vezes é considerado sinônimo de realização profissional: “melhores condições de vida”, “vencer na vida”, “preparada para a vida”, “bom futuro”, “dar bem em minha profissão”, “aproveitar na nossa carreira profissional”, “emprego melhor”.
Essas afirmações são confirmadas pelos resultados De uma pesquisa de campo, quando questionados sobre o quê os jovens almejam profissionalmente. A maioria afirmou procurar uma profissão que dê uma boa remuneração, seguida pela satisfação profissional e apenas alguns demonstraram o
interesse em uma profissão que beneficie o social. Portanto, o sentido de polis, tal como os gregos formularam, pode ter-se perdido.
Mas, continuemos nosso caminhar através da História da Filosofia. Filósofos medievais – tais como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, só para citar dois dos mais proeminentes do período – também voltaram sua atenção às temáticas da ética e dos valores, mas já com reflexões marcadas pela
cosmovisão teocêntrica característica da época. Ou seja, emergiram, nesse período, uma ética “católica”, predominando, evidentemente, os “valores religiosos”. (DURAN, 1962).
Contradizendo os pensadores da Antiguidade, Tomás de Aquino identifica Deus à suprema bondade, subordina a razão à fé, limitando o saber científico-filosófico ao saber da fé. Segundo ele, o mundo dos valores já está preestabelecido e o homem deve se comportar conforme sua natureza para que possa ter acesso ao soberano bem.
Porém, no Renascimento, questiona-se o mundo dos valores como pré-estabelecidos ou como dados previamente. Para Silva (2000, p. 38) é nesta época que surgem “movimentos reformistas, provocando rupturas decisivas na hierarquia tradicional dos valores, que começam assim a perder seu caráter de absolutismo, permanência e vigência autônoma em relação à práxis humana”. Em vista desses movimentos de ruptura, a própria filosofia se viu obrigada a fundamentar os valores
e a teorizar sobre eles. Em relação a esse assunto, analisando o cotidiano, percebe-se uma significativa carência por parte dos jovens em relação à fé, que teria sido substituída pela valorização exacerbada da razão, mas também por outros fatores (pelo utilitarismo e pelo pragmatismo, por exemplo). Pode-se afirmar que, na sociedade atual, ocorre um certo retorno aos valores pré-estabelecidos, ainda que sejam os valores “das tribos”. Ou seja, se os valores na Idade Média eram impostos pela Igreja, atualmente, podemos arriscar dizer que são impostos pela mídia, pelo
mercado, pelas “tribos”, pelas gangues.
Quando se questiona aos jovens sobre os valores que eles consideravam mais significativos, numa escala de prioridades indicaram a religião e a espiritualidade como os de menor importância para eles. Consideraram, no entanto, que as atividades mais fortemente presentes em seu cotidiano, definidas por eles como significativas, estão ligadas à mídia. Nessa medida, pode-se verificar a influência que a indústria cultural e o mercado de consumo exercem no processo de formação, ou semi-formação pelo
menos dos jovens entrevistados.
Em suma, pode-se também atribuir essa atual crise de valores éticos e religiosos à sociedade atual, que considera o ser humano por aquilo que ele tem – em consonância ao consumismo reinante – e não pelo que ele é. Ou seja, na busca de construção de novos valores, o jovem se depara com os valores de consumo, impostos pela mídia, conforme eles mesmos apontaram, e com isso é
difícil competir. Mas, não é impossível.
Autor: Anderson George


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