COTAS: INSERÇÃO OU DISCRIMINAÇÃO?



COTAS: INSERÇÃO OU DISCRIMINAÇÃO?


LÍVIA ALVES BRANQUINHO
Pedagoga
Pós-graduanda em Psicopedagogia

“As chamadas minorias, por exemplo, precisam reconhecer que, no fundo, elas são a maioria. O caminho para assumir-se como maioria está em trabalhar as semelhanças entre si e não só as diferenças e assim criar a unidade na diversidade, fora da qual não vejo como aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia substantiva, radical.”
(Freire, Paulo. Pedagogia da esperança. Paz e Terra, 1992).


RESUMO: Muito se propaga a respeito da instituição de cotas nas universidades, mas poucas reflexões têm sido feitas sobre a raiz da questão da discriminação em nosso país, pois se necessitamos de abrir uma concorrência à parte para outras raças por as mesmas estarem enquadradas em um processo discriminatório é sinal de que o problema não se inicia nas universidades, mas sim na formação básica desta pessoa, que não tem podido aproveitar as vantagens de um ensino público igualitário para todos, caracterizando assim um problema que não se resolverá com a instituição de cotas, mas com a mudança de paradigmas no inicio da escolarização.


INICIANDO UMA DISCUSSÃO PELA VALORIZAÇÃO DE UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA E UM ENSINO DE QUALIDADE

Após quinhentos e poucos anos de existência, é muito fácil para nós que somos brasileiros natos, porém não apurados, fazermos um retrospecto de tudo que marcou nosso país, desde seu descobrimento até os dias atuais, onde muito se propaga a liberdade de falar e fazer o que se quer, mas que pouco pode se ver de iniciativas que caracterizem o pleno desenvolvimento e a independência que tanto é citada e proclamada por aqueles que mascaram uma democracia que só existe para os que possuem o poder da palavra e das ações.
A colonização de nosso país foi caracterizada historicamente pelo uso da mão-de-obra escrava, onde entre os principais personagens desse processo escravista, estavam os verdadeiros donos da terra, e que foram despojados do direito de continuarem subtraindo dela o acesso á sua sobrevivência, nossos índios. Estabelecendo um processo de busca de relação entre passado e presente, podemos observar hoje que movimentos que tem por objetivo a posse da terra, são extremamente criticados e condenados, passando –se por arruaça e iniciativa criminosa aos olhos daqueles que tem como fonte de informação aquilo que é defendido por uma parcela que se beneficia da má distribuição da terra, e que defende com tanto afinco suas opiniões, que se fazem acreditar por aqueles que não tiveram oportunidades e conhecimento para terem opiniões criticas sobre o que ocorre a sua volta, pois se invadir é crime, então o que dizer sobre a forma que foi procedida a descoberta de nosso país. Será que isso é progresso?
Entre vários aspectos que marcaram nosso descobrimento pode também ser citado o fato de uma herança deixada em nossa nação e que gerou vergonha e marcas em nosso povo, o processo de utilização de negros como mão-de-obra, onde homens e mulheres “de cor” só serviam para o trabalho braçal, e nenhum valor tinham a receber para a realização dessas tarefas, além de chicotadas e abstenção de direitos, digo que recebemos uma herança, porque por muito tempo essa prática foi adotada em nosso país, e é refletido até hoje entre nossa população negra, que ainda tem vivido um processo de luta pelo reconhecimento de seu valor, e pela igualdade de direitos, dentre tantas iniciativas para a correção da problemática gerada com a escravidão de negros em nosso país, estão em propostas governamentais que refletem a tentativa de separação de direitos de negros e brancos, oferecendo vantagens para que nossos negros façam parte de uma estatística de desenvolvimento e ações, mas uma pergunta a esse respeito não quer se calar, se estamos tentando acabar com essa separação e buscando a igualdade, porque é necessário o despendimento de vantagens? A raça negra tem algum problema relacionado à sua capacidade intelectual que a impeça de serem vistos em igualdade de oportunidades a raça branca? Isso é progresso? Nesse contexto, Amauri de Souza (1971) ressalta parte desses aspectos dentro da era Vargas,
Até a implantação da legislação trabalhista, a discriminação ocupacional em virtude de fatores raciais era fato notório: não apenas era o negro, em sua grande maioria, confinado às posições ocupacionais mais baixas e menos estáveis mas, mesmo quando aí empregados, ele era sub-remunerado [...]. Não foi necessário que o apelo de Vargas se dirigisse para minorias raciais. ( SOUZA, 1971:64)
Nosso país desde seu descobrimento, vem sofrendo vários tipos de mutações, que são mascaradas por àqueles que as idealizam, como processo de desenvolvimento, mas a realidade que é sentida na pele pela população que o compõe é bem diferente, desde a época do descobrimento, nossa sociedade é caracterizada por uma grande diferenciação de classes, onde o que não tem nada e sobrevive, passa a vida inteira lutando sem conseguir alcançar uma melhoria na sua situação financeira, e o que se encontra no topo da pirâmide vive sem conhecer o que significa a palavra dificuldade.
Essa realidade faz parte do processo, pois as oligarquias existem desde a colonização, e o proletariado nunca deixou de existir. Hoje o que se ouve, é que estamos crescendo, nossa economia está em franco desenvolvimento, e está tudo caminhando perfeitamente, mas para quem? Onde pode ser observado esse crescimento? Contextualizando isso, Amauri Pereira (2003), em seu artigo “Um raio de Céu azul” ressalta que,
A escravidão é um dos poucos referenciais históricos que atravessa – como uma ferida de débil cicatrização – imaginário social do brasileiro de todas as raças, classes, gêneros, idades e regiões (embora, é claro, diferenciadamente). A expectativa que se anunciava no início de 1988 em torno da questão racial pode ser avaliada pela quantidade de piadas racistas que corriam “a boca pequena”, até mesmo entre negros, e por discussões cada vez mais candentes. As ansiedades geradas e a força que emanava daquele momento – o centenário da Abolição da escravidão, com seus apelos de crueldades, dores, sofrimentos, rancores, remorsos, ainda não devidamente purgados – empurrou os mais diferentes setores da sociedade a assumirem comportamentos de explicitação (os mais diferenciados, pode-se imaginar) até como procedimento catártico,
em quase todos os setores da sociedade brasileira. (PEREIRA, 2003:468)
Se está tudo tão bem, por que tanta desigualdade, fome, decadência social? Todos os dias são noticiados crimes, tragédias, dificuldades, todos relacionados ao nosso país, a carência social pode ser observada por um simples passeio na cidade, ou por uma visita a um serviço qualquer de ordem pública, estando nesses serviços que são dispensados ao público o maior exemplo de descaso e desrespeito ao cidadão, que paga até para morrer, mas não tem seus direitos respeitados, direitos que são pagos por eles, mas são tratados como se fossem favores do governo.
Resumidamente, adia-se os problemas para mais tarde. O ensino público, continua "podre", mas o "povo", fica feliz - nem percebe que é manipulado - e o potencial humano criativo... aquele que falei no início, fica perdido, na imaginação da criança pobre, que independente de sua "cor ou raça", sonhava com o mundo visto pela televisão, e ainda quem sabe, acreditava, que estudando, podia ter uma vida melhor. (ALVES, 2003:1)
Se está tudo bem, o que dizer da marginalidade e dos presídios lotados e principalmente da violência vivida pela sociedade, isso é responsabilidade de quem? Está na hora de alguém se manifestar sobre isto, pois o que é realmente visto por quem vive nesse país, é uma história que se estende até os dias atuais, em que o poder do povo está sendo interpretado e substituído por vontade política, onde está sendo mascarada uma realidade de desenvolvimento que como na época do descobrimento, só beneficia a ganância daqueles que já possuem o poder nas mãos, pior do que isso, antes nós sabíamos que éramos fragilizados pelo poder do dinheiro, hoje tentam nos fazer acreditar que trabalham por nós, e que devemos agradecer por isso.
A intelectualidade brasileira não quis e/ou não foi capaz de enfrentar os preconceitos e a discriminação racial que grassavam à sua volta, nem sequer conter a dissensão teórica e metodológica gerada em suas entranhas pelos estudos de relações raciais. (PEREIRA, 2003:479-480)
Dessa forma, após quinhentos e poucos anos, continuamos como quando fomos descobertos, impotentes e escravizados, manipulados como marionetes, tudo igual, onde está o progresso?
Pensando com Appiah, pode-se concluir que é necessária a continuidade de reflexões sobre a discriminação racial em nosso país, mas também é importante incorporar em si esses conceitos,
um intenso sentimento da marginalidade desse trabalho para a questão central da resistência ao racismo e à violência étnica [...] a verdadeira batalha não é travada nos círculos acadêmicos. (Appiah, 2001:248)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Patrícia Regina. (2003). Cotas nas Universidades: O problema é o ensino público brasileiro. In http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/coluna_livre/id080303.htm. Pesquisado em 18 de julho de 2007.

APPIAH, K. A. (1997). Na casa de meu pai. Rio de Janeiro, Ed. Contraponto.

SOUZA, Amaury de (1971). “Raça e política no Brasil urbano”. Revista de Administração
de Empresas, out./dez.

Freire, Paulo. Pedagogia da esperança. Paz e Terra, 1992.

PEREIRA, Amauri Mendes (2003). “Um raio em céu azul”. Reflexões sobre a política de cotas e a identidade nacional brasileira, Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 3, 2003, pp. 463-482
Autor: LIVIA ALVES BRANQUINHO


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