Modelo de Habeas Corpus Crime Tributário



Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais;




O advogado WARLEY RODRIGUES BELO, brasileiro, solteiro, OAB/MG 71.877, com fundamento na lei (C.R., arts. 5º, inciso LXVIII c/c arts. 647, e ss, CPP), vem, mui respeitosamente, impetrar esta

ordem de habeas corpus

em favor dos pacientes SHDC, brasileiro, casado, empresário, e AH, brasileiro, casado, empresário, ambos já qualificados nos autos originários, figurando como autoridade coatora a Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito da 12ª. Vara Criminal desta Capital, cujos autos tramitam sob n. , conforme faz juntar documentos anexos, pelos seguintes fatos e fundamentos jurídicos:


A Douta Juíza a quo recebeu denúncia oferecida contra os pacientes por infração ao art. 1º., incisos II e IV, da Lei 8.137/90 c/c art. 71, CP.
Todavia, a acusação contida na vestibular acusatória é vaga e imprecisa, pelo que está, data venia, inteiramente em desacordo com a processualística pertinente, uma vez que - mesmo nas hipóteses dos delitos societários - para a responsabilidade penal, não basta que os denunciados figurem como sócios ou representantes legais da empresa. A imputação individualizada da conduta criminosa de cada um dos Acusados se faz sempre imperativa.
A vestibular acusatória, obrigatoriamente, deve estabelecer o vínculo entre cada denunciado e o delito que lhes é imputado.
Na situação em tela, equivocadamente, o MPE imputou aos Pacientes a prática delituosa de fraudar o fisco inserindo elementos inexatos e elaborar, utilizar documentos que sabia ou devia saber falso ou inexato pelo simples fato - segundo afirma - de serem eles "sócios gerantes da empresa D Ltda.” (fls. 2), sem estabelecer qualquer liame entre tal aspecto e a prática delituosa.
É certo que o mero fato de ser sócio ou responsável pela administração de uma empresa, não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado – ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal – a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição de dirigente da empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva.
Assim, em sendo imprópria a denúncia, porque órfã da adequada narração dos fatos tidos como delituosos, deveria, data venia, ser rejeitada, nos termos do inciso III, do art. 43, do Código de Processo Penal.
A admissão da acusação genérica, superficial e inadequada aos ditames processuais imprescindíveis, traz aos Pacientes graves prejuízos, porquanto impossibilita o exercício de sua ampla defesa, como prescrito na Constituição Federal.
Tal situação, além de submeter os Pacientes ao constrangimento natural de um processo penal, também possibilita sofrer outras conseqüências drásticas. Verdadeiras penas processuais, como v.g., as medidas cautelares assecuratórias e até mesmo, eventualmente, prisões cautelares.
Neste processo penal, podem perder a liberdade e seus bens.
A denúncia que ora se discute é inepta, data venia, porque não especifica a forma como cada um dos acusados teria concorrido para o delito denunciado. Atribui aos Pacientes dois tipos, mas não descreve no que teria constituído a ação de cada um deles. Cediço é que os delitos exigem uma descrição fática, e sobre essa assertiva não se comporta exceção.
A jurisprudência é pacífica no sentido pleiteado.
Julgando, em 16.03.2004 (DJ 06.08.2004), o HC 83.301-2/RS, Relator para o acórdão Min. CEZAR PELUSO, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, decidiu que:
Ação penal. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos arts. 21, § único, e 22, caput, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos. No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito "crime societário", é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou administrador de empresa. (grifei e destaquei)
No voto condutor do acórdão, disse o eminente Ministro Cezar Peluso:
Como o sabe toda a gente, “empresas” não cometem crimes. Em nosso sistema penal, a despeito do que estatui a Lei nº 9.605/98, vige o princípio “societas delinquere non potest”, sendo a responsabilidade penal pessoal e, mais que isto, subjetiva. Ora, por jungir-se a tal modelo de responsabilidade e ao que preceitua o art. 41 do Código de Processo Penal, cumpria ao Ministério Público descrever, à denúncia, os comportamentos, comissivos ou omissivos, que, imputados a pessoas físicas, se subsumissem às normas penais que reputou por elas violadas. Mas desse ônus não se desincumbiu o representante do Ministério Público, porque atribuiu comportamentos supostamente criminosos só às empresas. (gf)
Apenas ao cabo da denúncia consta singela referência às pessoas físicas:
“Os denunciados são sócios gerentes da empresa nesta capital, tendo como atividade a indústria, comércio, importação e exportação de produtos e géneros alimentícios, bebidas, armarinhos e produtos higiénicos.”
Como é vistoso, não se atribui aí, a esse nem àquele, nenhum comportamento criminoso! O que esse fecho da inicial imputa aos denunciados é a responsabilidade pela administração da empresa, não a prática, sequer no exercício da mesma administração, de algum particular comportamento típico. Ser administrador de empresa não é por si só, escusaria dizê-lo, coisa criminosa, de modo que, porque o fosse em certas circunstâncias, deveriam ter sido descritas, na denúncia, de forma minudente, ações e/ou omissões mediante as quais cada administrador teria, nessa condição, infringido ambas aquelas normas. A denúncia diz apenas: “Consta do referido Expediente Apuratório, que os denunciados, na administração da empresa, no período de agosto de 2002 a novembro de 2003, em concurso e de forma continuada, fraudaram a administração tributária.”
Cumpria, pois, estivessem descritas, com todas suas circunstâncias, as eventuais ações ou omissões que, praticadas, pessoal, consciente e finalisticamente, pelo primeiro réu, na específica qualidade de administrador das empresas, se amoldariam aos tipos penais. Ou, de forma mais descongestionada, cumpria à denúncia responder à seguinte questão: “o que fez ou deixou de fazer, por exemplo,S?”
Da sua leitura, nada se sabe, senão apenas que era SÓCIO de uma delas, a qual teria perpetrado ações criminosas contra o sistema tributário estadual, sem que se logre entrever ou vislumbrar sequer a razão jurídica que teria levado o acusador a creditar ao ora paciente a autoria dos supostos crimes.
Vejamos o que, no presente caso, consta da denúncia (fls. 2/3):
“Consta do referido Expediente Apuratório, que os denunciados, na administração da empresa, no período de agosto de 2002 a novembro de 2003, em concurso e de forma continuada, fraudaram a administração tributária, inserindo elementos inexatos nos livros obrigatórios, escudando-se em documentos falsos e inexatos, reduzindo com tal expediente a carga tributária devida a título de ICMS — Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias.
Tal prática restou aperfeiçoada mediante a simulação de operações comerciais envolvendo empresas com atividades encerradas, através da utilização de 78 (setenta e oito) notas fiscais falsas e inexatas (conforme relacionadas às fls. 15/18) que não correspondiam à efetiva entrada de mercadorias e, em seguida, registravam as operações correspondentes nos livros obrigatórios (fls. 183/204)
Constatou-se que os denunciados utilizaram-se das notas fiscais n.°s 055374, 055375, 055376, 055377, supostamente emitidas pela empresa F.F.I. Importação e Exportação Ltda., das notas fiscais n.°s 021583, 021584, 021588, 021592, 021892, 021900, 021905, 021908, 021913, 021952, 021962, 021968, 021976, 021982, 021998, 022101, 022107, 022112, 022117, 022123, 022152, 022156, 022163, supostamente emitidas pela empresa., das notas fiscais n.°s 001970, 002032, 002060, 002075, supostamente emitidas pela empresa Comércio de Produtos Alimentícios Ltda., das notas fiscais n.°s 002748, 002761, 002797, 002817, 002832, 002849, 002863, 002930, 002936, 002944, 002951, 002958, 002962, 002967, 002975, 002990, 002996, 003011, 003023, 003049, 003108, 003171, 003287, 003300, 003325, 003357, 003366, 003396, 003399, 003412, 003443, 003444, 003453, 003455, 003470, 003478, 003529, 003644, 003737, supostamente emitidas pela empresa Ltda.., das notas fiscais n.°s 002938, 002946, 002963, 002971, 002984, supostamente emitidas pela empresa Brascom Brasil Comércio Ltda.
Assim, a utilização indevida dos créditos de ICMS sem a correspondente operação tributável — circulação de mercadorias —, resultou na redução do imposto estadual nos períodos assinalados, bem corno dos acessórios, no valor de R| 1.608.939,41 (um milhão, seiscentos e oito mil, novecentos e trinta e nove reaís e quarenta e um centavos), atualizado até 23.06.2005, conforme documento de fls. 08.
Pelas circunstâncias de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os subsequentes crimes contra a ordem tributária, devem ser havidos como continuados em relação ao primeiro.”
É de perguntar-se o que fizeram os pacientes, individualmente?
O que diz a acusação é que os denunciados eram responsáveis pela empresa Ltda. e que “utilização indevida dos créditos de ICMS sem a correspondente operação tributável — circulação de mercadorias —, resultou na redução do imposto estadual nos períodos assinalados”.
Não diz a denúncia qual foi a contribuição pessoal de cada denunciado para a prática do fato criminoso que narra.
O Supremo Tribunal Federal, em sessão de 20.03.2001, pela sua Primeira Turma, julgando o HC 80.549, tendo como relator o Ministro Nelson Jobim, assim já decidira. O acórdão teve a seguinte ementa:
Nos crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente, é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Habeas deferido. (destaquei)
Em sessão de 01.06.2006 (DJ 19.06.2006), julgando o HC 56955/SP, a 5ª Turma, tendo como relator o Ministro Gilson Dipp, também, entendeu que, nos crimes societários, é necessário a discriminação mínima da participação dos denunciados. A ementa assim ficou redigida:
Hipótese em que o Ministério imputou aos pacientes a suposta prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, pois, na condição de sócios-gerentes de empresa, teriam suprimido o pagamento de IPI, mediante omissão de informações à Receita Federal, sem, contudo, narrar qualquer vínculo entre a condição de administrador de sociedade e a ação supostamente criminosa. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente –, não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada. O simples fato de ser sócio, gerente ou administrador de empresa não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia. Precedentes do STF e do STJ. Deve ser declarada a inépcia da denúncia e determinada a anulação da ação penal em relação aos pacientes. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (Grifei)
A denúncia narrou fatos que não demonstram o liame entre os denunciados e a conduta a eles imputada. A denúncia é imprópria a juízo de valor quanto à procedência da acusação.
A denúncia, repita-se, não está acompanhada de elementos de persuasão a respeito dos fatos que narra.
Temos uma acusação genérica, em que não se diz qual a conduta que os denunciados tiveram. Como pode, assim, os denunciados se defenderem?
Na hipótese dos autos, realmente, a denúncia oferecida é inepta.
Não se pode aceitar a denúncia genérica. Com acerto, disse Luiz Flávio Gomes (in Acusações genéricas, responsabilidade penal objetiva e culpabilidade nos crimes contra a ordem tributárias, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 1995, v. 11, p. 246/247):
O que não é possível é compensar o déficit investigatório com a quebra das garantias fundamentais. Para se assegurar a eficiência do processo, não constitui meio válido a quebra de garantias. Devemos sempre respeitar o interesse público de punição dos delitos, mas na atividade persecutória não é lícito ignorar as garantias do acusado. O equilíbrio é imprescindível.
Andréas Eisele, em artigo intitulado A denúncia genérica e os crimes contra a ordem tributária (in IBCCrim n. 78, maio/1999, p. 7-8) explica que:
Para evitar a impunidade de tais crimes pela impossibilidade de formulação de denúncia que especifique individualmente as condutas, admite-se nessa hipótese, a título de exceção, a imputação da responsabilidade pelo fato sem a identificação específica da participação de cada agente. Porém, a descrição do fato nessas circunstâncias não pode ser por demais genérica a ponto de o acusado não poder identificar a conduta imputada.
Na hipótese dos autos, a denúncia sequer fez referência ao contrato social, para destacar a responsabilidade dos pacientes.
O Estado, pelos seus órgãos próprios, deve investigar devidamente o crime e seu autor para que a denúncia seja apta a dar início a ação penal. Os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório devem ser respeitados. Não se pode fazer tabula rasa das garantias constitucionais dos acusados, em busca de uma punição para atender os reclamos da sociedade.
O Judiciário não pode servir de bengala aos órgãos de persecução penal.
Sem liminar.
Ante o exposto, PEDE a ordem de habeas corpus em favor dos pacientes para anular o processo a partir da denúncia.
Belo Horizonte, 13 de julho de 2007.

Warley Rodrigues Belo
OAB/MG 71.877 - Advogado
Autor: Warley Belo


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