Intervenção Psicossocial com Pessoas da Terceira Idade: Possibilidades de Fortalecimento na Comunidade



(Social Psychological Intervention with Eldery People: Empowerment Possibilities in the Comunity)

Outras autoras:
Elaine Gilmara Souza
Lizyane Rosa Antunes 2
Maiani Pereira da Rosa de Lins 2
Mariana Gonçalves Boeckel
Priscila Roberta Andrade 2

Resumo
A psicologia comunitária compreende a pessoa a partir de seu contexto social e histórico, visando a conquista da autonomia do sujeito como participante na sociedade. Dentre as diversas possibilidades interventivas na psicologia comunitária, a modalidade grupal é frequentemente utilizada. A intervenção com grupos de auto-ajuda tem como foco a ajuda mútua e a construção conjunta de alternativas para as adversidades da vida cotidiana. Partindo desses princípios, apresentamos no presente artigo uma intervenção psicossocial com pessoas da terceira idade, moradoras de um bairro de classe popular na cidade de Lages - SC - Brasil. A velhice é marcada por inúmeras perdas: físicas, psicológicas, sociais, econômicas. O grupo, nesta etapa da vida, torna-se uma possibilidade para o resgate da interação social, aspecto fundamental para a recuperação da qualidade de vida. Sendo assim, surge a necessidade de construir um espaço para discussão destas questões, baseadas na consciência de que pessoas que chegam nessa fase da vida podem usufruí-la de outra forma. Primeiramente, realizou-se análise de necessidades no bairro, com o intuito de conhecer a realidade e nortear a intervenção. Partindo disso, o objetivo foi buscar alternativas que poderiam contribuir para a manutenção e promoção da saúde psicossocial das pessoas da terceira idade da comunidade. A intervenção foi realizada entre outubro de 2004 e junho de 2005.

Palavras chave: psicologia comunitária, intervenção psicossocial, terceira idade.
Abstract

The community psychology understands the person from its social historical context, aiming at the conquest of the autonomy of the citizen as participant in the society. Between the various interventions possibilities in community psychology, the group modality is frequently applied. The intervention with self-help groups has as focus the mutual help and the shared construction of alternatives for the adversities of the daily life. Through these principles, we present in this article a psychosocial intervention with elderly people, inhabitants of lower class, in the city of Lages – SC – Brazil. The old age is marked by innumerable losses: physics, psychological, social, economic. The group, in this stage of life, is an important possibility to the social interaction recovery, essential aspect to the quality of life. Therefore, emerge the importance to construct a space to discuss these questions, based on the idea that the elderly people should have a higher life quality. First of all, was developed the analysis of the people necessities, with intention to know the reality and to guide the intervention. Consequently, the objective of the intervention program was to explore alternatives that they could contribute for the maintenance and promotion of the psicossocial health of the elderly people of the community. The program was developed through October of 2004 until June of 2005.

Keywords: community psychology, psychosocial intervention, elderly people.

“Quando estamos no ventre materno temos pressa para vermos o mundo,
quando estamos na infância temos pressa para aprender,
quando estamos na adolescência temos pressa para descobrir e ter autoridade sobre o mundo,
quando estamos na fase adulta temos pressa para adquirir, e
quando chegamos na terceira idade a pressa vai embora,
dando lugar a calma e a vontade de ter mais tempo para realizar tudo que ainda não conseguimos no tempo que nos resta “.

A Psicologia Comunitária busca a compreensão do sujeito em seu contexto histórico, visa proporcionar a autonomia do indivíduo como cidadão, colaborando assim, para a sua consciência crítica. Será na vida em comunidade que a pessoa construirá suas percepções com relação a si e ao mundo. As intervenções da psicologia comunitária buscam a melhora da qualidade de vida da pessoa e dos grupos no contexto social, para tal torna-se primordial o fortalecimento desses enquanto participantes do processo de construção da realidade.
Acredita-se que as intervenções psicossociais comunitárias devem partir do levantamento de necessidades e carências vividas pelos grupos em determinado contexto e momento histórico, principalmente, no que tange às condições de saúde, educação e saneamento básico. Através do contato com os grupos populares e da utilização de métodos e processos que visem à conscientização, objetiva-se que os participantes apropriem-se, progressivamente, de seu papel como sujeitos de sua própria história, conscientes das influências sócio-políticas, e ativos na busca de soluções para os problemas (Campos, 1999). Portanto, o ser humano jamais é passivo, ele está sempre interferindo em seu processo de inserção no meio em que vive. Ao mesmo tempo em que é modificado por este meio, também realiza mudanças no mesmo (Bronfenbrenner, 1996).
Nesse processo de co-construção social, as fases de desenvolvimento que o sujeito estará vivenciando será um aspecto influente na construção da realidade, ou seja, haverá diferenças se o grupo alvo for crianças, adultos ou idosos. O presente artigo tem por objetivo apresentar intervenções psicossociais desenvolvidas com pessoas da terceira idade, moradoras de um bairro popular, na cidade de Lages - Santa Catarina - Brasil, ao longo do Estágio de Psicologia Comunitária na Universidade do Planalto Catarinense.
É sabido que o envelhecimento é um processo natural a todos os seres vivos. Na espécie humana, no entanto, o envelhecimento se reveste de características peculiares. Segundo Guidi e Moreira (1994), até o começo do século XX, a expectativa de vida do ser humano era bem pequena – trinta, quarenta anos. Porém, atualmente, com o progresso social, tecnológico e cultural, essa expectativa aumentou bastante e, hoje, o ser humano chega fácil aos oitenta, noventa anos de idade. No entanto, há uma diferença significativa entre viver mais e viver com qualidade de vida. Frequentemente, a busca por uma vida melhor é prejudicada pelas limitações impostas pela sociedade, que cria estereótipos para as pessoas da terceira idade. Vitola (2000), salienta que é fundamental considerar que o idoso, também, é um ser humano com dificuldades, interesses, crenças, desejos e capacidade de realização. É uma pessoa produtiva e útil dentro de suas limitações; assim como qualquer outra pessoa em outra fase de desenvolvimento. E, justamente por isso, é um potencial humano que está sendo desperdiçado, em conseqüência do tratamento preconceituoso que lhe é dispensado.

Análise de Necessidades
Os dados que subsidiaram a elaboração da intervenção partiram, inicialmente, do conhecimento e da familiarização junto ao bairro popular em questão. Dentre os grupos existentes no bairro, constatou-se uma associação da terceira idade. Essa associação foi fundamental no que diz respeito ao contato com os participantes-alvo.
A inserção na comunidade deve objetivar os seguintes aspectos: tornar-se conhecido, maximizar as possibilidades para o início do trabalho, coleta de informações sobre a comunidade e a história local, detecção de possibilidades alternativas de soluções e enfrentamentos, discussão conjunta sobre as alternativas e estratégias, identificação das necessidades e avaliação contínua, sempre de acordo com as possibilidades e reais necessidades da comunidade (Freitas, 1998).
Partindo desses pressupostos, realizaram-se entrevistas, visitas domiciliares, observações, conversas formais e informais, participação dos encontros da associação já existente. O objetivo era o levantamento das necessidades dos idosos naquela realidade. Cabe salientar que a associação tinha um papel mais assistencialista, excluindo ações com intenções de emancipação e transformação da realidade.
Através do diálogo entre os idosos, a coordenadora da associação, e as estagiárias de Psicologia, elaborou-se um projeto de intervenção psicossocial.
Na época, constatou-se que o bairro carecia de um local para os encontros da associação dos idosos, esta era uma das necessidades levantadas pelos participantes. Foi realizado contato com a escola municipal, a qual se prontificou a disponibilizar uma sala para realização da intervenção.

Intervenção Psicossocial
A intervenção psicossocial objetiva, principalmente, a aquisição de melhores condições humanas e de qualidade de vida. Refere-se à relação entre o indivíduo e o coletivo, partindo da interação entre os sistemas mais próximos até os mais distantes do sujeito (Sarriera, Silva, Pizzinato, Zago e Maira, 2000).
Partindo do pressuposto de que o ser humano é o ator fundamental de sua história, quando utilizamos a palavra intervenção, estamos aferindo ao fato de nos dirigirmos à realidade do outro, e, conjuntamente com o outro, abrindo possibilidades de modificar e reconstruir esta realidade (Sarriera, Silva, Pizzinato, Zago e Maira, 2000).
A intervenção psicossocial apresentada no presente artigo tinha como objetivo primordial buscar alternativas que pudessem contribuir para a manutenção e promoção da saúde psicossocial de pessoas da terceira idade. Através da criação de um espaço de discussão de temas referentes às necessidades dos participantes, buscou-se proporcionar um ambiente de convivência agradável que possibilitasse melhores níveis de qualidade de vida, assim como o favorecimento de melhores relacionamentos familiares, sociais e comunitários dos idosos do bairro.
As ações interventivas realizaram-se ao longo do segundo semestre de 2004 e primeiro semestre de 2005. A metodologia concernente aos grupos de auto-ajuda foi utilizada como norteadora do processo. Ao total participaram quinze pessoas com idade acima de cinqüenta e cinco anos. Os grupos foram realizados uma vez por semana, com duração de uma hora e trinta minutos, na escola municipal do bairro.
Os grupos de auto-ajuda são grupos pequenos e voluntários, visam a ajuda mútua e a concessão de um propósito específico. São grupos compostos por iguais, que se reúnem com o objetivo de ajuda mútua na satisfação de necessidades comuns, assim como na superação das limitações e dificuldades da vida cotidiana (Katz & Bender, 1976, apud Fuster, 1997). Nesta modalidade de grupo a formação do vínculo é fundamental, já que formando o vínculo consegue-se ativar a conduta dos membros, o que irá modificar os comportamentos dos mesmos enquanto grupo. É participando de um grupo que o individuo reconhece valores diferentes dos seus.
Nos grupos de auto-ajuda não há espaço para a passividade, seu objetivo é mostrar o poder das próprias pessoas (Fuster, 1997). Através do fortalecimento dos participantes, busca-se a promoção do sentido psicológico de pertencimento na comunidade.
Nos grupos com a terceira idade é necessário não enfocar unicamente o lado negativo da velhice, mas sim, as capacidades positivas que precisam ser estimuladas. O maior objetivo deve ser o de devolver a dignidade a essas pessoas e trazer a tona suas capacidades com atividades compatíveis com suas limitações.
Através do incentivo à participação dos idosos, os encontros foram sendo construídos coletivamente. Através de discussões temáticas, de dinâmicas de grupo, de trabalhos manuais, de histórias de vida, de parábolas, os encontros grupais foram sendo desenvolvidos.

Os encontros
Os temas trabalhados nos encontros foram construídos conjuntamente com os participantes do grupo. Já no início do processo discutiram-se assuntos de interesse, assim como ao longo dos encontros havia um espaço para sugestões.
1. Iniciando o processo
Deu-se início com a apresentação dos participantes. Na terceira idade é freqüente uma diminuição do contato social entre os mesmos, sendo assim a apresentação vem no sentido de possibilitar uma ampliação da rede social. Conforme Sluzki (1997), a rede social pode ser entendida como as relações que o indivíduo compreende como importantes para seu reconhecimento e sua auto-imagem. Sendo que algumas das funções da rede social incluem companhia social, apoio emocional, guia cognitivo, regulação social, ajuda material e de serviços, assim como o acesso a novos contatos.
Após o referido formulou-se o contrato, foi explicado que o objetivo do grupo não era assistencialista, e sim que era um espaço para conversar, trocar experiências, expressar os sentimentos e pensamentos. Partindo disso, discutiram-se temas a serem abordados, assim como formulou-se conjuntamente o cronograma dos próximo encontros. Firmaram-se os dias e horários a serem realizados. Além disso, decidiu-se coletivamente o nome do grupo: “Histórias de Vida”.
2. Timidez
Um novo espaço para a escuta e reflexão trouxe ao grupo o receio ao novo. A timidez passa a ser a manifestação da dificuldade em colocar-se. O próprio grupo definiu este como o primeiro tema a ser trabalhado, o que denuncia a necessidade de, já no início do processo, discutir-se esta dificuldade para a própria continuação dos encontros.
Através da pergunta norteadora “o que é timidez para cada um de vocês?” o encontro foi sendo desenvolvido. A inclusão da opinião de todos, assim como a consideração e fortalecimento de cada um foram fundamentais.
3. Sentimentos
Ainda com a intenção de fortalecimento do grupo, objetivou-se o trabalho de sentimentos. Através de recordes de revistas, solicitou-se aos participantes que escolhessem alguma figura que despertasse sentimentos significativos para eles. Cada participante elaborou um cartaz e em seguida apresentou ao grande grupo. Através das apresentações foi possível discutir conjuntamente os aspectos que foram abordados. Os sentimentos são estados afetivos mais duráveis, mais atenuados que as emoções em sua intensidade vivencial. Admite-se que os sentimentos possam provir das emoções que lhes são cronologicamente anteriores e com as quais guardam correlações compreensíveis, quanto aos seus conteúdos respectivos. Ou seja, quando olhamos alguma figura que nos traz algum sentimento, isso nos revela alguma emoção que tivemos anteriormente.
Esta atividade possibilitou o contato e a expressão de sentimentos. Evidenciou-se a importância da conexão e da consideração da subjetividade de cada um. Observou-se, também, maior grau de intimidade no grupo.
4. Formas de alimento
Buscou-se mostrar, através de reflexões, as diversas formas de “se alimentar” emocionalmente. Assim como salientar a importância de receber e aceitar “ser cuidado”, receber carinho e atenção. Sabe-se que desde que o ser humano nasce, sente necessidade de gratificação de seus desejos. E é através da alimentação que a criança sente-se amada pelo mundo que a cerca (Kaplan, 1999). O alimento representa, culturalmente, questões emocionais importantes: é confundido com cuidado e conforto.
As populações mais carentes, por receberem doações, muitas vezes vêem esses gestos como uma forma de se sentirem acolhidos pela sociedade. Nesta população, a questão do assistencialismo estava presente no relato de muitos dos participantes. A discussão acerca deste tema introduziu reflexões importantes, porém ainda ficou clara a necessidade do cuidado através do assistencialismo.

5. Auto-estima
Trabalhou-se a auto-estima e o “cuidar de si”, através de uma atividade que visava à confecção de um cartão para “o melhor amigo”, o qual era o próprio idoso, que só tomava conhecimento a receber o próprio cartão.
Aprender a envelhecer é difícil, pois mudanças costumam causar medo nas pessoas, e as mudanças na terceira idade são drásticas, tanto no campo social, como biológico e psicológico, o que pode afetar a auto-estima como um todo. Neste encontro buscou-se coletivamente resgatar importância da auto consideração, da auto valorização e do auto cuidado.
Para Vitola (2000), a pessoa idosa precisa acreditar em si, redescobrir sua identidade e assumir-se com as alterações próprias de sua faixa etária. É necessário para o idoso perceber-se com condições de produtividade social e de desenvolver novos interesses e oportunidades para aprender e experimentar novas situações.
Ainda conforme a autora, o declínio do organismo e a discriminação social causam impacto sobre o psiquismo do idoso, podendo alterar-lhe a auto-imagem, que por sua vez determinará, em grande parte, seu grau de ajustamento a essa fase da existência. É preciso preservar a identidade psicológica do idoso para que possa viver de uma forma tranqüila. Os fatores que mais contribuem para isso são o amor e o respeito das pessoas que formam o seu mundo significativo.
A discussão sobre auto-estima foi bastante rica. Possibilitou resgatar aspectos da vida de cada participante, aspecto crucial para a construção de novas possibilidades de auto percepção. Além disso, houve um resgate de pontos abordados nos encontros anteriores.

6. Autonomia
Procurou-se instigar um debate a partir da leitura de uma parábola sobre autonomia nas decisões da vida. A parábola ressalta a contribuição de cada um nos acontecimentos cotidianos. A partir disso, foi possível trabalhar o fortalecimento dos participantes.
Segundo Montero (2003) fortalecimento refere-se ao estímulo aos indivíduos para que se sintam mais capazes de controlar suas próprias vidas, se tornem atores sociais construtores da sua realidade e das mudanças que nela ocorrem.
O debate centrou-se no poder que o sujeito tem perante sua própria vida. Os idosos devem ter preservada a garantia do reconhecimento da sua autonomia. As convicções dos idosos devem ser respeitadas. Em momento algum se deve deixar de valorizar a capacidade que o idoso tem de tomar decisões; já que, em muitos casos, sua participação ativa no processo de tomada de decisões é preconceituosamente restringida pela sociedade e pela própria família.
Mesmo em situações de incapacidade temporária ou até mesmo definitiva, o idoso pode utilizar inúmeras formas para preservar os seus desejos ou restrições de tratamento. É fundamental reconhecer que o fato de estar na terceira idade não impede de forma alguma o indivíduo de tomar suas decisões e exercer plenamente sua vontade pessoal.

7. Ganhos e perdas na terceira idade
Neste encontro ressaltaram-se os pontos negativos e positivos desta fase do ciclo vital. Quando se discute sobre o envelhecimento remete-se, ao mesmo tempo, ao processo de desenvolvimento, o qual implica em sabedoria, tempo de vivência, experiências pessoais adquiridas, sentimentos, emoções, significados referentes a si próprio, assim como outros aspectos importantes. Por esta razão não se pode negar a velhice, pois ali estão presentes a história do sujeito, sua construção pessoal e a sua própria existência..
Conforme Erick Erickson (apud Papalia & Olds, 2000), na terceira idade é chegada a hora de se fazer avaliações com relação ao passado, já que, com o advento da terceira idade, a finitude se torna mais clara e presente.
Percebeu-se, neste encontro, que esses pontos são muito semelhantes aos das outras fases da vida. O grupo pode, então, refletir que as pessoas idosas encontram limitações, e que estas podem ocorrer de fato mais acentuadamente na terceira idade. Segundo Vitola (2000), as perspectivas que se tem, ao chegar à terceira idade, podem ou não ser sombrias, como muitos acreditam, depende da concepção que se tem de velhice. O que se faz necessário é pensar na velhice como decorrência do viver, sendo uma fase tão importante quanto as anteriores.

8. Resgate da história de vida
Através de objetos que trouxesse alguma lembrança significativa para cada um, trabalhou-se as histórias de vida, resgatando memórias importantes.
Para Erickson (apud Papalia & Olds, 2000), a sabedoria significa aceitar a vida que se viveu sem maiores arrependimentos, sem pender-se no que “poderia ou deveria ter sido feito”.
Pessoas que avaliam, recapitulam e aceitam suas vidas, tem um melhor enfrentamento quando da chegada da terceira idade. Já pessoas que não conseguem alcançar a efetiva aceitação do que foi sua vida no passado, são dominadas, segundo Erickson, pelo desespero quando percebem que já não há tempo suficiente para finalizar coisas importantes em suas vidas, que por algum motivo ficaram inacabadas.
Percebeu-se que havia sido criado um ambiente encorajador e positivo, no qual os idosos se sentiam seguros para expor seus sentimentos, sem medo de avaliações críticas. Foi um encontro bastante profundo, os participantes trouxeram questões íntimas de suas vidas. Cabe salientar que trabalhar este tema influenciou os encontros seguintes, pois os participantes continuaram a trazer objetos pessoais, mostrando assim a importância do resgate de suas histórias.

9. Bagagens e vivências
Com a intenção de dar continuidade ao grupo anterior, através de um trabalho orientado para a consideração das bagagens e vivências de cada um, buscou-se valorizar as experiências de vida. Foram distribuídas revistas e figuras aos participantes. A proposta era que encontrassem imagens que lhes lembrassem algo que viveram no passado. De acordo com Neri (2001), do ponto de vista afetivo e emocional, a pessoa que envelhece só poderá ter ciência de que a sua história é valiosa, se seu ambiente social se interessar por ela. Assim, as pessoas de mais idade participantes de um grupo psicossocial podem assegurar a sua própria identidade, expandir as fronteiras de seu valor, reconhecerem-se como participantes da vida atual do grupo, por meio da memória compartilhada, porque a identidade individual é uma instância que depende do outro.
Neste encontro buscou-se compartilhar e resgatar a história de vida de cada um, procurando assim, fazê-los sentirem valorizados por suas experiências, bem como, dar valor às experiências dos outros participantes. A reflexão sobre a importância de suas realizações foi norteadora. O ato de compartilhar possibilitou que houvesse uma interação maior, onde um aprende com as vivências do outro.

10. Formas de cuidado
Este encontro teve como objetivo buscar que formas de cuidados existem, como podemos cuidar de si e dos outros, quais as formas de cuidados receberam e quais cuidados eles recebem do grupo “histórias de vida” e que formas de cuidados gostariam de receber. Buscou-se salientar que o cuidar de si é fundamental para cuidar do outro. Verificou-se que o tema escolhido para este encontro tem relação com o grupo anterior denominado “formas de alimento”, no qual se iniciou esta discussão.
As pessoas de modo geral, sentem necessidade de dar e receber cuidados. Conforme Figueiredo (2003), o conceito que cada sociedade tem e o valor que ela atribui ao idoso afetam o modo como os próprios idosos se vêem e como os outros os vêem e os valorizam. Mostrar ao idoso que ele, também, pode ser cuidado, indicando um grau maior de autonomia, faz com que ele se sinta mais valorizado, pois é capaz de ajudar os outros da mesma forma que espera ajuda.
Desta forma proporcionou-se uma discussão e reflexão sobre a percepção que o grupo tem sobre o cuidar e suas diferentes formas, buscando saber se estas se sentiam cuidadas. Observaram-se quais as situações em que os participantes sentiam-se cuidados e quais gostavam de cuidar dos outros.

11. Perdas e ganhos
Neste encontro realizou-se uma atividade que tinha como objetivo proporcionar reflexões sobre as perdas e ganhos que ocorrem no decorrer da vida.
Conforme Vitola (2000), as perdas mais significativas, mais difíceis de enfrentar para as pessoas da terceira idade, referem-se a familiares queridos, cônjuges, filhos e parentes próximos. Existem ainda as perdas de energia, de entusiasmo, de juventude, etc.; segundo Novaes (2000), essas podem ser superadas por um estado de serenidade ao enfrentar a vida, descobrindo, nesta etapa, novas possibilidades, novas habilidades.
O idoso precisa se confrontar com a transitoriedade da própria vida, e perceber que este fato não diz respeito somente a terceira idade, pois esta perda pertence também a qualquer faixa etária (Vitola, 2000),.
Deu-se início a este encontro questionando os participantes sobre suas realizações que trouxeram felicidade, para em seguida ser abordado a questão da perda mais dolorosa para todos.
Obviamente as realizações que trazem lembranças agradáveis surgiram com maior naturalidade, mas isso não significa que os participantes hesitaram em trazer as lembranças desagradáveis. Destacou-se que as perdas fazem parte do processo de construção do ser humano, por isso se fazem necessárias. Percebeu-se que por mais desconfortável que seja falar sobre fatos que trazem sentimentos dolorosos, o grupo se mostrou à vontade e, de certa forma, aliviados em poder falar abertamente sobre estes sentimentos.

Considerações finais
Observa-se, na atualidade, o crescimento da população de idosos. idosos que estão inseridos em uma sociedade que ainda guarda muitos preconceitos com pessoas dessa faixa etária e, portanto não se encontra preparada para acolher e respeitar essas pessoas como cidadãs produtivas.
Os grupos da terceira idade têm importância vital na promoção e na reconstrução da identidade, no resgate das capacidades existentes nos idosos, assim como na recuperação do vínculo com famílias e comunidade.
Acredita-se que passos para transformação social podem ser dados através de intervenções psicossociais construídas com a comunidade. A apresentada no presente artigo trouxe resultados muito significativos. A consideração com relação às vivências individuais e coletivas foi primordial na reconstrução social dos idosos. O reconhecimento dos participantes no que tange aos seus sentimentos, sonhos, angústias, realizações, experiências foi fundamental no fortalecimento dos mesmos na comunidade.
Estar no último estágio do ciclo de vida, não significa estar finalizando a participação em sociedade, viver bem a velhice é uma responsabilidade pessoal e social e está diretamente ligada ao desejo de viver, desejo este que deve ser fortalecido sempre. A velhice deve ser entendida como uma questão social.

Referências
Brofenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais planejados. Porto Alegre: Artes Médicas.
Campos, R. H. F. (Org) (1999). Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes.
Figueiredo; N. M. A. (2003). Práticas de enfermagem: ensinando a cuidar em saúde pública. São Paulo: Difusão Enfermagem.
Freitas, M. F. Q. (1998). Inserção da Comunidade e Análise de Necessidades: Reflexões sobre a prática do psicólogo. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 11, n. 1, 175-189.
Fuster, H. G. (1997). Grupos de autoayuda. En Fuster, H.G. El apoyo social em la intervención comunitaria (pp 53-91). Barcelona: Paidós, 1997.
Guidi, M. L. M.; Moreira, M.R.L.P.(1994). Rejuvenescer a velhice. Brasília: UNB.
Kaplan, H. I.(2002). O desenvolvimento Humano ao longo do ciclo vital. En KAPLAN, H.I. Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artes Médicas.
Montero, M. (2003). Teoría y practica de la Psicología Comunitária. Buenos Aires: Paidós.
Neri, A. L. (2001). Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas. Campinas: Papirus.
Papalia, D. E.; Olds, S. W.(2000). Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed.
Sarriera, J. C.; Silva, M.A.; Pizzinato, A.; Zago, C.; Meira, P. (2000). Intervenção Psicossocial e Algumas Questões Éticas e Técnicas. En SARRIERA, J. C. (Org.). Psicologia Comunitária: Estudos Atuais. Porto Alegre: Sulina.
Sluzki, C. E..(1997). A rede social na prática sistêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Vitola, J. O. C.(2000) Sentido da Vida e a realização pessoal em pessoas da terceira idade. En Sarriera, J. C. (Org.). Psicologia comunitária: estudos atuais. Porto Alegre: Sulina.
Autor: Priscila Roberta Andrade


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