Capitão Nascimento Para Governador



Não há como negar o fenômeno sócio-antropológico provocado pelo filme “Tropa de Elite” de José Padilha. Protagonizado pelo renomado ator Wagner Moura, o filme conta o dilema do Capitão Nascimento, dividido entre seus ideais de bom policial, defensor da lei e da ordem e a necessidade de sair do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio) por não estar mais suportando o prejuízo em sua vida pessoal devido à dura jornada contra o crime.

Basicamente, dois fenômenos podem ser observados por ocasião da “aparição” do filme nas ruas das cidades brasileiras. O primeiro é que pela primeira vez observa-se uma discussão aberta e coerente a respeito da pirataria. Soluções alternativas estão sendo apontadas e finalmente estamos assumindo publicamente que a pirataria existe e abandonado a “síndrome do pior cego”. Entretando, é sobre o segundo fenômeno que pretendo focar estas linhas.

Utilizando-se de métodos totalmente questionáveis para combater o crime organizado, que lembram bastante os tempos da Ditadura Militar, o Capitão Nascimento tornou-se o mais novo Herói Nacional, em detrimento de Diego Hipólito, Ronaldinho Gaúcho e muitos outros. Por todos os lugares, reais e virtuais, cidadãos de bem repetem os bordões do Oficial PM e idolatram suas atitudes e comportamentos, como se fossem cometidos por eles próprios, ou como se tivessem vontade de fazê-lo.

O que levaria uma sociedade sufocada e castigada pela violência considerar “bonito” ou “correto”, sessões de tortura e execuções praticadas por representantes do Estado? Será que já nos esquecemos do nosso passado recente? Ou será que estamos retrocendedo à Era Medieval, banalizando novamente a violência?

Arrisco uma opinião, na tentativa de amenizar e partir em defesa do povo, embora eu queira destacar que sou totalmente contra qualquer tipo de violência, seja ela física ou não. Acredito que o povo brasileiro vem sofrendo uma “crise existencial em massa“, uma espécie de desordem social que trasnforma os seres humanos em meros “sobreviventes“. Ficamos condenados a assistir futebol com nosso coração nas mãos, enquanto dirigentes de clubes fazem acordos sinistros com máfias Russas e enviam dólares a paraísos fiscais. Assistimos, todos os dias, durante décadas, novelas das 6, das 7 e das 8 que contam sempre as mesmas histórias (com raras exceções) de golpes milionários e roubos de esposas e nos consideramos satisfeitos, pois, nossa realidade é um pouco distante disso e como sabemos, nossa memória é convenientemente curta. Vivemos a dura rotina dos assaltos, estupros, fome, corrupção, falta de educação e buscamos na ficção algo que extrapole essa insatisfação latente, que muitos de nós nem desconfiamos portar.

O Capitão Nascimento, de certa forma, é um representante do Estado que produz algum resultado positivo, mesmo que usando procedimentos inadequados, e isto, na fantasia das pessoas preenche a lacuna deixada pelas Autoridades. Este policial representa uma esperança de mudança. Mesmo que saibamos que elá não ocorrerá. Basta dizer que é muito fácil organizar um ônibus para ir ao Maracanã ver o jogo do Flamengo, mas, é muito difícil reunir 50 assinaturas em um abaixo-assinado para solicitar uma passarela sobre a Av. Brasil. Na tela, pelo menos, podemos sonhar com um esperança de melhora.

O filme Tropa de Elite retrata muito bem a realidade do abandono das Políticas de Segurança Pública no estado do Rio de Janeiro e também o cotidiano das classes sociais e suas relações no processo de falecimento da sociedade. Uma cena que quero destacar é a em que um dos “vapores” se dirige à moça da ONG, portando um Fuzil e comenta: “pô, fiz aquela prova!” e a moça pergunta: “passou?” e ele: “moleza!”. Esta cena retrata a realidade do crime no Brasil. Muitos dos que estão no tráfico não gostariam de estarem ali. Estão por falta de opção, falta de emprego. A cena mostra muito inteligentemente a possibilidade de recuperação daquele rapaz através da Educação. Porém, enquanto estivermos vivendo o que Betinho chamava de “Ditadura da Informação”, continuaremos condenados à antiga política do “panes et circenses” e teremos de nos contentar com raras aparições de Heróis de mentirinha para termos um pouco mais de qualidade de vida.

Nossa gente anda tão alienada que, muito provalvelmente, se o Wagner Moura for candidato a Governador nas próximas eleições, será eleito. Todos achando que votaram no Capitão Nascimento. Talvez, quando chegar ao Senado Federal, posamos ouvir, num discurso inflamado, o nosso querido capitão esbravejar: “Vossa Excelência é um fanfarrão, Presidente!”. E vamos ao cinema!

André Fernandes Branco
Autor: André Fernandes Branco


Artigos Relacionados


Tropa De Elite 2 - O Filme Do Ano

"tropa De Elite Iii" Filme Da Vida Real

Pirataria

A Policia, A Ordem Ferida E O Crime Organizado

Tropa De Elite

O Direito E A ViolÊncia Policial

O Primórdio Do Crime Organizado No Brasil