Texto, Linguagem e Ensino



O artigo tem por objetivo propor a interação verbal, ou seja, o pressuposto do diálogo, como método de encaminhamento para o desenvolvimento da aula de produção de texto na escola de ensino fundamental, focando o texto escrito, mas não o hipertexto. Uma aula em que o professor assume a função de mediador do processo de ensino-aprendizagem, sem deixar de lado os aspectos instrumentais do uso da Língua Portuguesa. Parte como premissa, de uma visão mais global para a particular. Lembrando que aqui a produção a ser realizada tem por base o desenvolvimento cognitivo de cada sujeito envolvido no processo. Este se inicia como coletivo e colaborativo e passa à dimensão individual quando do momento da produção de texto convencional propriamente dita.
As discussões sobre metodologias ou de estratégias de ensino de língua(gem)2 a respeito dos caminhos e descaminhos do ensino de Língua são levadas em conta, bem como o papel do professor de língua materna em sala de aula. Verifica-se, por intermédio da prática pedagógica e de leituras sobre este assunto, que muito do que se descobriu na ciência lingüística do século XX, ainda não foi aplicado com significação na escola, pois os postulados ficam no campo meramente teórico, sem deixar transparecer sua prática, a fim de possibilitar um ensino de língua produtivo e eficaz, que preveja o desenvolvimento pleno do aluno. Um dos fatores que contribui para esse quadro pode estar relacionado, talvez, à formação de professores não qualificada pela academia em pensar o ensino a partir das premissas teórico-práticas em linguagem, além da falta de estudo e de conhecimento em ciência lingüística dos profissionais que já estão no mercado de trabalho há mais tempo. No entanto, quando as reflexões teóricas em lingüística chegam à escola, contribuindo para a melhoria da prática pedagógica, elas são de um auxílio bastante significativo e têm ajudado professores à “incrementar” o ensino de língua, haja vista a necessidade premente de transposição didática e criatividade nas estratégias pedagógicas em função da reflexão sobre a prática. Por essas e tantas outras razões, o que se verifica, no ensino de língua, é a permanência na escola de um ensino prescritivo, tradicional, às vezes tendendo ao estrutural, sem levar em conta o desenvolvimento de toda a potencialidade do aluno em qualquer nível de escolarização.
Diante disso, este artigo busca abordar as idéias de Bakhtin (1995) a respeito da concepção de língua(gem), cuja definição está em considerar a língua(gem) como ato dialógico; discorre sobre que concepções podem estar envolvidas na preparação de uma aula; qual o papel do texto diante do ensino de língua(gem) e de gramática; e, ainda, discute questões de como podem ser tratados os textos produzidos no decorrer de uma aula, mesmo que essa ocorra em sala (ou laboratório) de informática, no uso do computador como instrumento pedagógico na produção de texto.

1. Bakhtin e a Interação Verbal

Não basta analisar o processo de produção de textos em si ou descrevê-lo. Precisa-se também de arcabouço teórico para a análise dos textos dos alunos sob o ponto de vista lingüístico propriamente dito; por isso, entende-se que a partir da premissa de interação verbal há, de certa forma, uma visão inovadora quanto à prática de produção textual nas escolas, baseada na interação comunicativa, embora se saiba que na obra publicada por Bakhtin (1995) não há expressamente uma delimitação do conceito de texto. No entanto, torna-se mais eficaz, conforme se verifica nesta pesquisa, utilizar os pressupostos de interação comunicativa, construindo uma aula baseada na participação de todos os sujeitos envolvidos no processo. A prática de produção torna-se mais prazerosa quando o aluno participa de todo o processo e ajuda a construí-lo.
Além disso, toda a prática de produção de texto na escola precisa levar em conta a definição de concepção de linguagem abordada, uma vez que, é a partir de uma concepção que são formuladas as atividades desenvolvidas na sala de aula (plano de aula), principalmente, no tocante à de Língua Portuguesa (podendo ser estendida a todas as disciplinas de uma maneira geral).
Bakhtin (1995) postula uma concepção de linguagem, dizendo que ela é dialógica, ou seja, toda palavra, toda enunciação e, por extensão, todo o texto possui um caráter de duplicidade, no qual a presença do outro é fundamental, cujo contexto social não pode ser ignorado:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico da sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 1995, p. 123)

A teoria postulada por Bakhtin objetiva conhecer o homem e seu fazer cultural de uma forma abrangente, no concreto das relações sociais, levando em consideração as experiências acumuladas e a interação dessas experiências. Sob esse ponto de vista, o objeto — aqui se entende texto para os fins a que esta reflexão se propõe — é uma criação que inclui em si o criador, pois, o autor está sempre presente na obra como parte constituinte de sua forma artística. Por essa razão, o processo de produção do texto e o próprio texto são criações dialógicas, atos dialógicos, isto é, o texto é um ato de comunicação impressa, constituindo-se em um elemento da comunicação verbal onde há manifestações empíricas sobre o ponto de vista dos discursos de outrem (subordinado a uma certa ideologia) e do discurso próprio de quem produz esse determinado texto. Ou seja, o texto passa a ser compreendido como representação de atos, elementos e relações culturais diversificadas, surgidas como signo da relatividade de um campo com diferentes focalizações (interdiscursividade, intertextualidade e estilo individual), visto assim, como o objeto privilegiado de manifestações culturais. O sujeito constrói o texto com certo grau de intertextualidade e com seu modo particular de reflexão sobre o mundo e sobre a realidade social. O sujeito, também, constrói o processo de produção tendo por base outros discursos, outros textos, envolvendo um diálogo com outras pessoas, com o mundo e com suas experiências pessoais. Por essa ou por outras razões, tudo o que se escuta ou se lê, tudo o que se estuda e se aprende fica guardado como experiências que se adquire no dia-a-dia. Assim sendo:

Na realidade, não são as palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes á vida. (BAKHTIN, 1995, p. 95)


Em consonância ao exposto acima, vale refletir que o dizer ou o escrever possuem uma finalidade e uma razão para estarem sendo produzidos, assim, a palavra é o foco da teoria em Bakhtin. Então, pode-se dizer que é através da fala de outro, com o que se compartilha e o que se aprende com esse outro sobre o mundo, que se organizam as idéias e procura-se tirar o melhor proveito sobre elas, ou seja, aprende-se e assimila-se um dado conteúdo ou informação, criando as próprias idéias.
Geraldi (1996), ao referir-se aos postulados de Bakhtin, a partir dessas premissas, relata que:
[...] na esteira do pensamento bakhtiniano, o processo de interação como o locus produtivo da linguagem e, ao mesmo tempo, como o centro organizador e formador da atividade mental, já que não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental que a modela e determina sua orientação, pode-se dizer que o trabalho lingüístico é tipicamente um trabalho constitutivo: tanto da própria linguagem e das línguas particulares quanto dos sujeitos, cujas consciências sígnicas se formam com o conjunto das noções que, por circularem nos discursos produzidos nas interações de que os sujeitos participam, são por eles internalizadas. (GERALDI, 1996, p. 28)

Assim sendo, pode-se dizer que interagir com o outro é locus de produzir linguagem, é adquirir conhecimento, é conhecer mundos diversificados, e é a partir da interação que tudo se agiliza, que há a internalização de um saber construído com o outro (BAKHTIN, 1995). Isso pode ser aplicado em qualquer situação da vida e, principalmente, precisa ser levado em conta quando se está em uma sala de aula, na qual o professor e o aluno são sujeitos que encerram em si essa dialogicidade, ou seja, experiências individuais que interagem, em um mesmo macro social (contexto).
Os postulados, se averiguados na escola, transformam a sala de aula em um lugar de produção de conhecimento, a partir da interação comunicativa, em troca de experiências entre todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Se realizados em uma atividade de ensino de língua materna, em uma perspectiva de produção de textos e mesmo de ensino de língua e gramática, transformam o espaço sala de aula em um lugar onde o professor apresenta-se como orientador e seus alunos co-produtores de conhecimento, em uma perspectiva, na qual aprender língua e/ou gramática e, principalmente, produção de textos é de fundamental importância para um ensino de qualidade, fundamentado na cooperação mútua, na cumplicidade em favor de um ensino de qualidade, a partir da consideração de experiências voltadas para a realidade do dia a dia.
Por esse motivo, o ensino de língua/gramática e de produção de textos não pode deixar de considerar as instâncias sociais, uma vez que, conforme nos coloca Geraldi (1996):

O estudo e o ensino de uma língua não podem, neste sentido, deixar de considerar – como se fossem não-pertinentes – as diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos se dão no interior das múltiplas e complexas instituições de dada formação social. A língua, enquanto produto desta história e enquanto condição de produção da história presente vem marcada por usos e pelos espaços sociais destes usos. (Geraldi ,1996, p. 28).

Por isso, a língua não é um produto acabado, é um eterno processo ininterrupto, um processo vivo de interação. Sempre há o que dizer ou o que escrever e maneiras diferentes de fazê-los, com base na história discursiva de cada sujeito envolvido no processo de interação. Por conseguinte, não há textos totalmente inéditos, nem discursos totalmente não comprometidos; e, além do mais, existem sempre maneiras diferentes de se falar e linguagens diversas, refletindo as múltiplas experiências sociais. Para Bakhtin (1995), então, o que constitui essas linguagens é algo extralingüístico, sendo a língua inseparável do fluxo da comunicação verbal e, portanto, não é transmitida como um produto acabado, mas como algo que se constitui continuamente na corrente da comunicação verbal.
Pode-se verificar, ainda, em Bakhtin, as bases da concepção de linguagem a partir da interação verbal, com caráter dialógico, pois, para ele, toda enunciação constitui um diálogo, faz parte de um processo de comunicação ininterrupto, onde não há enunciado isolado, pois todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o sucederão — um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo ser compreendido no interior dessa cadeia.
Como exemplo, pode-se citar a construção do processo de prática de produção textual realizada na pesquisa que originou a dissertação de mestrado “Texto, Informática e Interação na escola” (FONTÃO PIRES, 1999), pois, para um completo entendimento do que ocorreu no conjunto de aulas da pesquisa, faz-se necessário o entendimento do arcabouço teórico que a sustenta, a análise dos textos que só podem ser compreendidos dentro do contexto situacional e todo o conjunto de recursos elaborados para o atendimento dos objetivos propostos; caso não se levassem em conta tudo o que ocorreu no processo, nada faria sentido, principalmente se não fosse levada em conta a importância da interação comunicativa durante o processo e a representatividade das palavras em forma de conceitos implicados e dos seus significados, como no caso dos conceitos informática, computador, escola, Internet, futuro, mundo, por exemplo, ou os próprios conceitos aqui discutidos: texto, língua(gem) e interação.
Faraco expressa o dialogismo em Bakhtin da seguinte maneira: “ Ele aborda o dito dentro do universo do já-dito; dentro do fluxo histórico da comunicação; como réplica do já-dito e, ao mesmo tempo, determinada pela réplica ainda não dita, todavia solicitada e já prevista”. (FARACO, 1992, p. 24)
Para Bakhtin, a palavra se concretiza como signo ideológico no fluxo da interação verbal, cuja transformação ao se modificar ganha diferentes significados, de acordo com o contexto em que ela surge; por essa razão, a palavra é a revelação de um espaço no qual os valores fundamentais de uma dada sociedade se explicitam e se confrontam. Dessa forma, o texto coloca-nos frente a frente com o mundo tal qual idealizado e construído por nós, quer seja nos seus aspectos perversos ou estigmatizados, quer seja na sua dimensão crítica e transformadora da ordem estabelecida.
A concepção interacionista da linguagem, tendo em vista o exposto, só vem confirmar que o texto é um instrumento fundamental de se adquirir conhecimento, capacidade produtiva, comunicativa e de estruturação gramatical, tendo em vista sua ampla possibilidade de fazer o ser social assimilar e compreender a partir das palavras, estabelecendo a ponte entre a linguagem e a vida, pois produzir um texto seja oral ou escrito, é dialogar com outrem, é instaurar o elo entre o sujeito e o mundo onde vive, através da intertextualidade e da intersubjetividade.
Sob esse enfoque, verifica-se que o texto não é mais visto como um amontoado de frases proferidas ou um pedaço de papel escrito ou uma superposição de linhas; o texto passa a ser concebido como um produto em processo, um todo organizado de sentido, um conjunto formado de partes solidárias, onde o sentido de uma depende da outra, podendo ser verbal ou visual, verbal e visual, ao mesmo tempo, produzido por um sujeito, em um dado tempo e em um determinado espaço. Esse sujeito expõe suas idéias, anseios, temores, expectativas de seu tempo e de seu grupo social em um processo de produção textual, onde a motivação passa a ser um fator preponderante, o prazer de escrever torna-se uma constante e o texto um instrumento “do fazer” na construção “do saber” e do “próprio ser”, em um inter relacionar-se com o mundo, com a sociedade, com o outro (FONTÃO PIRES, 1998). E nessa perspectiva, pode-se entender como o aluno-sujeito se sente ao produzir um texto, utilizando o computador como instrumento pedagógico, pois, ao usar uma máquina com status de moderna, ele se sente também "moderno" e fazendo parte de uma sociedade "modernizada" — em vias de informatização.

2. O Ensino de Língua(gem) e Gramática na Escola

O ensino de língua e gramática na escola pode ser percebido sob enfoques teóricos de concepção de linguagem e de aprendizagem diversos. De uma forma bastante didática, Travaglia (1997) apresenta sob o ponto de vista lingüístico/pedagógico três noções de conceber língua(gem), dependendo do ponto de vista de condição de aprendizagem assumida pelo profissional responsável pelo ensino de um modo geral — o professor. Uma delas é a visão de linguagem como expressão do pensamento que se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução e a enunciação um ato monológico (individual), que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece. Essa é a concepção mais antiga e constitui-se em uma visão tradicionalista de se ensinar língua. A segunda diz respeito à visão de linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, como meio para a realização da comunicação, na qual a língua é vista como um código, conjunto de signos que se combinam segundo regras, sendo capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor. O uso do código da língua, nesse caso, é um ato social, envolvendo pelo menos duas pessoas, cuja comunicação é convencionada pelo código conhecido pelos interlocutores envolvidos no processo de comunicação; essa pode ser considerada uma visão estruturalista de ver a língua, onde se encaixa também, de certa forma, a teoria gerativo-transformacional. A terceira concepção apresentada por Travaglia (1997) refere-se à visão de linguagem como forma ou processo de interação, em que o indivíduo usa a língua, não só para comunicar-se ou transmitir uma informação, mas para agir, realizar ações, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor); onde a linguagem é o lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico. Nessa concepção, a língua é entendida como um ato dialógico (BAKHTIN 1995). Sob esse ponto de vista, encaixam-se as teorias do texto que buscam na prática de produção textual uma forma de interação. É com base nessa terceira concepção de língua(gem) que se encaixa a prática de produção textual aqui abordada, embora se saiba que o texto e sua prática de produção possam ser abordados sob o ponto de vista das três concepções acima citadas.
Apoiando-se nas concepções de língua(gem), Travaglia traça uma relação direta com as concepções de gramática, que influenciará e denotará a visão do professor sobre a língua quando da preparação de sua aula. Assim, se o professor for um estruturalista, estará mais interessado em ditar regras e normas para o ensino da língua(gem), e estará mais familiarizado com a concepção de língua(gem) como instrumento de comunicação. Se ele for um tradicionalista, estará mais propenso a desenvolver suas atividades a partir da visão de língua(gem) primeiramente exposta, ou seja, a língua(gem) como expressão do pensamento; e se ele optar por uma linha de trabalho interacionista, usará na sua prática de sala de aula uma visão voltada para os postulados de interação verbal.
Quanto ao ensino de gramática, o professor que escolher ser um mero reprodutor de regras e normas para um bom uso da língua padrão-literária, seguirá e utilizará uma gramática normativa, cujo conceito mais comum refere-se à gramática como “um conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrada pelos bons escritores”. (FRANCHI, 1991, p. 48)
O professor que quiser fazer metalinguagem e análise lingüística dos conteúdos poderá utilizar-se de uma outra concepção de gramática, chamada gramática descritiva, por fazer uma descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função. O conceito de gramática seria um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e método.
A terceira concepção de gramática é a da gramática internalizada que se constitui em um conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar; é "um saber lingüístico" (Ibidem, 1991, p. 54) que o falante de uma língua de fato aprendeu dentro de certos limites impostos, pela sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica.
Torna-se importante ao professor que procura desenvolver suas atividades em sala de aula e, principalmente, no preparo das aulas e dos recursos didáticos utilizados, estar ciente das concepções ora citadas e conhecer todos os campos de conhecimento, procurando desenvolver suas atividades com base em determinada concepção de aprendizagem de forma consciente, sabendo quais objetivos quer alcançar no ensino de língua em geral.
Na busca de interação com os diferentes campos do conhecimento humano e, por conseguinte, de interação com seus alunos, o professor procurará ser um orientador desse aluno, a partir do incentivo à produção de textos, utilizando uma prática pedagógica que vise a reconhecer no aluno um ser pensante, sujeito de uma sociedade, agente do seu saber, conhecedor de regras internalizadas, a partir do conhecimento de outros textos e de outros pensamentos. Como assim? Ora, construindo com seu aluno "o saber lingüístico", o saber do mundo, o poder de análise do mundo e de si mesmo, a partir de exercícios que estimulem a capacidade criativa desse aluno. O “como fazer” dependerá da clientela, porque as estratégias de ensino não são fórmulas prontas, e, sim, um constante construir com o outro. Cada nova situação comunicativa passa a ser um novo desafio de conhecimento mútuo entre professor e aluno.
Dessa forma, pode-se dizer, levando em conta os postulados de Travaglia (1995), que os pontos básicos para o ensino de língua(gem), de gramática e de produção textual estão relacionados com certas ações, como, por exemplo, considerar que ensinar língua(gem) visa a desenvolver a capacidade comunicativa e produtiva do sujeito, explorando todas as suas potencialidades e cativando-o de forma a conscientizá-lo de que a língua é um poderoso instrumento de criatividade e soberania social. Mostrar ao aluno que ele tem capacidade de interagir, de comungar com o outro, de aprender com a experiência alheia e com sua própria experiência. Refletir sobre o mundo, sobre si mesmo e sobre a própria linguagem passa por saber e dominar a linguagem, ou seja, "o domínio da linguagem exige alguma forma de reflexão.” (Ibidem, 1995, p. 108)
Geraldi (1997:17) reforça esse pensamento, ao dizer que:

Com a linguagem não só representamos o real e produzimos sentidos, mas representamos a própria linguagem, o que permite compreender que não se domina uma língua pela incorporação de um conjunto de itens lexicais (o vocabulário); pela aprendizagem de um conjunto de regras de estruturação de enunciados (gramática); [mas] pela apreensão de um conjunto de máximas ou princípios de como participar de uma conversação ou de como construir um texto bem montado sobre determinado tema, identificados seus interlocutores possíveis e estabelecidos os objetivos visados,[com vistas à compreensão].


Acredita-se que isso só possa acontecer a partir do momento em que se envolve o aluno em um processo de leitura e produção textual, a fim de que a partir do contato com textos diversificados, o aluno exercite sempre mais sua capacidade produtiva, porque é a partir da experiência que se aprende a ver e a construir o conhecimento de mundo.
Conclui-se que saber gramática não depende de escolarização ou de qualquer processo sistemático, mas de ativação e de amadurecimento progressivo (de construção progressiva) na própria atividade lingüística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e seus princípios e regras. Nessa concepção não há “erro lingüístico”, mas a “inadequação” da variedade lingüística utilizada em um determinado recurso lingüístico para consecução de uma determinada intenção comunicativa.
Diante do exposto, precisa-se considerar que um ensino de língua(gem), de gramática e de produção de texto, necessita de ser produtivo e pertinente para o aluno, tendo em vista o quadro referencial estruturado para desenvolver um ensino que permita a consecução dos objetivos a que se propõe.

3. O Papel do Texto no Ensino de Língua(gem) e Gramática

A perspectiva textual tem a possibilidade de fazer com que a gramática seja flagrada em seu funcionamento, evidenciando ser ela a própria língua em uso. Passa-se a ver como integrando à gramática tudo o que é utilizado e/ou interfere na construção e uso dos textos em situações de interação comunicativa e não só o conhecimento de alguns tipos de unidades e regras da língua restrita aos níveis morfológicos.
É a partir do texto, oral ou escrito, que o aluno entra em contato com o mundo e com a língua, tendo em vista que ninguém aprende por intermédio de frases isoladas. O conhecimento potencial (desenvolvimento da capacidade comunicativa/interativa) de uma língua passa pela reflexão do mundo e da própria construção do sujeito envolvido no processo, só adquirido em um dado contexto, em uma determinada situação comunicativa, sendo que é na relação entre sujeitos, que a língua se manifesta. Ora, mesmo escrevendo neste exato momento, escreve-se para alguém e sabe-se que este escrito vai ser lido/refletido por outro. Assim é no dia-a-dia do homem-sujeito, que rodeado por meios de comunicação, como televisão, jornal, revista, livros variados, desde gibis a clássicos ou didáticos, computador, Internet, Cd rooms está freqüentemente envolvido por textos; por isso aprende-se e apreende-se por intermédio deles e é para administrá-los que se estudam e refletem-se “regras”.
Dizer que o conhecimento não passa por usufruto de textos, é ignorar a capacidade produtiva e reflexiva desse sujeito, pois mesmo um simples diálogo coloquial tem características textuais. Mas, restringe-se aqui este estudo, por se querer focalizar uma abordagem de interação na aprendizagem da estrutura de uma língua, a partir do texto escrito, como já definido.
Por outro lado, não se concebe o fato de se usar o texto para se fazer análise gramatical, como ocorreu em meados dos anos 80, quando as teorias do texto chegaram às escolas.
É muito comum o professor em sala de aula dizer: temos de aprender as regras gramaticais para escrever bem. Entende-se que deve ser diferente, pois, deve-se observar e analisar os textos, sejam jornalísticos, didáticos ou literários, para verificar como a língua se estrutura e assim apreender as regras, partindo da prática de se construir um texto, tendo como pressuposto a leitura de textos diversificados.
Geraldi (1997) considera que a produção de textos, orais e escritos, deve ser considerada como ponto de partida e de chegada de todo o processo de ensino-aprendizagem da língua(gem), sendo que a língua só se revela em sua totalidade no texto. Por isso mo decorrer do processo de produção, o professor propõe ao aluno a reflexão sobre o que leu e o que produziu, intensificando o ensino, tendo por base a experienciação e o manuseio de diferentes tipologias textuais, tanto provenientes de gêneros primários, bem como secundários.
A diversificação de tipologias textuais e seus diferentes gêneros necessitam ser trabalhados na escola. Isso leva a discutir sobre a questão levantada por Rojo (2001) quanto aos conceitos bakhtinianos de gêneros primário e secundários. Rojo propõe a dissociação entre gênero e texto enquanto artefato (a relação entre a escrita e o escrito) e associa a noção de gênero à de discurso, enquanto produto de um enunciador, cujas relações com o contexto de produção e os mundos de referência desse contexto e do discurso produzidos são determinantes para a diferenciação entre gêneros orais (implicação e injunção) e escritos (autonomia, disjunção). Para que ocorra tal reflexão, torna-se importante retomar a hipótese bakhtiniana no que se refere à variação complexa crescente dos discursos e dos contextos de comunicação social e, conseqüentemente, das relações entre gêneros primários e secundários e ente a fala e a escrita ao longo da história do homem, o que “intensifica o esvaziamento da questão da relação oral/escrito, quando se considera a multiplicidade dos discursos orais e escritos veiculados pelos diversos gêneros primários e secundários” (SIGNORINI,2001).
Nesse enfoque, na busca de uma prática cada vez mais eficiente em um contexto social em transformação dialética, há de se intensificar a prática de texto na escola e mais do que isso, construir com os alunos o processo de produção textual, utilizando-se tipologias diversificadas, mesmo com o advento da informática e do uso do computador, em detrimento do uso da caneta e do papel, transformando a sala de aula em um espaço de construção de conhecimento em cultura escrita funcional, primando pela autoria e estética, não só de textos práticos e informativos, mas de textos técnicos, científicos e literários.

4. O Texto e a Análise Lingüística

Sobre a reflexão do ponto de vista da análise dos textos em sala de aula, dois aspectos definem o texto como uma enunciação: seu projeto, ou seja, a intenção, e a realização desse projeto. O texto escrito pode ser considerado como uma interface dos diálogos e discursos orais: Discursos — gêneros primários, textos — gêneros secundários (BAKHTIN, 1997) .
O texto é entendido como um construto, sob o ponto de vista de sua composição artesanal e sua construção, seu sentido como um "tecido", uma tessitura (GUIMARÃES, 1995), sendo o texto um ato humano, no qual toda a produção cultural está fundada na linguagem, porque todo o texto pressupõe uma língua, um processo de interação pela linguagem, que o introduz na esfera do signo, impedindo-o de ser confundido com fenômeno natural. Isto é, a inter-relação entre frases ao nível de sentido faz com que o texto seja um conjunto de informações, construído por intermédio de uma rede de relações que se estabelecem em um movimento de coerência e coesão, entre o sentido e a construção deste, por intermédio de elementos temáticos, relações lógicas, relações de redundância e elementos de remissão; elementos esses que interagem na construção de um todo organizado de sentido – o texto.
É através do jogo de retomadas que se tece o fio condutor do significado global do texto (VAN DIJK, 1983), sua articulação e as relações de coerência. Esse jogo de retomadas estabelece a coesão do texto - fenômeno cujos elementos lingüísticos, presentes na superfície textual, encontram-se interligados – por meio de recursos lingüísticos, como por exemplo, a remissão (anafórica ou catafórica) para a construção da referencialidade do texto e formação das seqüências de sentido (KOCH, 1997). A coerência textual apresenta-se como uma construção de sentido em uma situação dada, pela atuação conjunta de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e interacional (TRAVAGLIA, 1995), ou seja, inferências e estratégias de negociação de sentidos; sendo que a coerência é construída a partir do texto, levando em conta os recursos de coesão na superfície textual que são pistas para a construção desse sentido (KOCH, 1997). A coerência se estabelece em níveis sintáticos, semânticos, temáticos, estilísticos, ilocucional para a construção de uma coerência global – macroestrutural.
Produzir um texto é, antes de qualquer coisa, criação, explosão de idéias, avalanche de sentimentos, de experiências da realidade de cada sujeito inserido em uma sociedade.
Focalizam-se, na análise do material verbal, os textos dos alunos — a macroestrutura e as microestruturas, além de se comentar sobre as superestruturas dos textos produzidos mesmos aqueles construídos em salas de informática. As macroestruturas correspondem ao sentido global do texto, ou seja, fazem parte do plano semântico global do texto, envolvendo: tema, título, tópico frasal ou idéia essencial do texto, a disposição dos parágrafos no texto, em relação ao seu conteúdo, na rede de relações que estabelecem o sentido e a coerência global do texto. As microestruturas são a concretização lingüística das idéias e proposições em relação à frase ou seqüências de um texto. As superestruturas representam as estruturas globais que caracterizam os tipos diferentes de texto, em um plano sintático de estruturação, desse modo, pode-se identificar o tipo de texto através da predominância de estruturas com parágrafos narrativos ou informativos, dissertativos ou argumentativos, descritivo, comparativo, análogo, dentre outras possibilidades; as superestruturas caracterizam a tipologia textual, independente do conteúdo macroestrutural do texto. Tanto as superestruturas quanto às macroestruturas definem-se em relação ao conjunto do texto. Lembra-se aqui Van Dijk (1986, p. 6):

Note that macro-structures are not specific units: they are normal semantic structures, eg of the usual propositional form, but they are not expressed by one claude or sentence but by a sequence of sentences. In other words, macro-structures are a more GLOBAL LEVEL of semantic description; they define the meaning of parts of a discourse and of the whole discourse on the basis of the meanings of the individual sentences.


Na definição acima, considera-se que as macroestruturas não são unidades específicas, mas, sim, o resultado dos processos cognitivos de compreensão, envolvendo generalizações e abstrações como uma condição necessária de organização das informações na memória, sendo que para se entender o texto e o seu sentido, torna-se necessário considerar os grandes sistemas de conhecimento: o lingüístico, o enciclopédico e o interacional, envolvidos no processo de produção do texto e do discurso, além da articulação dos elementos no texto, seu conjunto de significações para a construção de um sentido semântico global.
Com base na análise das formas e conteúdos que estabelecem o texto em si e tendo por base os elementos de articulação, verifica-se como se estabelece a produção textual dos alunos no uso do computador, como instrumento pedagógico, em relação à produção textual realizada na sala de aula em moldes convencionais e, se há semelhanças ou diferenças durante o processo e nos textos propriamente ditos, levando em conta toda a preparação contextual e motivacional realizada no decorrer das aulas. Também, observa-se a influência das características da linguagem utilizada e veiculada na informática nos textos produzidos.
Por fim, focalizam-se os textos escritos e produzidos pelos alunos, também sob o ponto de vista da coerência e coesão, entendendo que o texto contém mais do que o sentido das expressões na superfície textual, porque incorpora conhecimentos e experiência quotidiana, atitudes e intenções ou pressuposições, isto é, fatores não lingüísticos; desse modo, "um texto não é em si coerente ou incoerente; ele o é para um leitor [...] numa determinada situação" (FÁVERO, 1995, p. 60). Percebe-se isso quando se começa a ler os textos produzidos na aula do contexto laboratório de informática, pois nesses textos encontram-se marcas que corroboram com a afirmativa de Fávero. Veja o exemplo de texto abaixo retirado da pesquisa realizada em 1999, quando da proposta de uma produção de texto realizada na sala informatizada de uma escola particular do município de Florianópolis, um sujeito construiu esse texto impetrado de criatividade, em que duas partes e/ou duas idéias interagem, formando um texto dialógico:

Vida de computador
Olá, sou o computador Pentium, tenho Internet e alguns jogos e programas, todos por enquanto ainda gostam de mim, mas logo logo já serei passado.
Como toda pessoa, tenho que descansar porque se eu não dormir eu explodo, hehe.
Bom, meu dono adora usar minha internet, é através da Internet que eu fico mais inteligente, mas também tem coisas ruins como, vírus e os hackers. Agora é meu dono quem fala.

Vida com computador
Eu vejo esse mundo muito nerd... Muita Internet dá nisso né. Será um mundo mais evoluído. De educar e fortalecer o conhecimento. Cheio de elevadores, notebook para todos e coisas do gênero. Muito bom porque facilita meu trabalho. Melhorou a aula. Piorou nada..

(Aluno do ensino fundamental, 11 anos/6ª série)

Portanto, o sujeito se expõe em seu texto e o processo de produção aí se concretiza, levando-o a construir seu texto a partir de discursos outros, não só reproduzindo esses discursos, mas, principalmente, utilizando-se deles para construir o seu próprio discurso, articulando um ponto de vista sobre o mundo, refletindo sobre esse mundo e apropriando-se dos discursos, através da heterogeneidade constitutiva. O novo e o velho apresentam-se articulados, mostrando um comprometimento, consciente ou não, do sujeito com a sua palavra escrita, através do modo particular de produção e de manifestação das informações tratadas. Conforme Geraldi (1997, p. 136):
É esse compromisso e esta articulação a novidade de cada discurso, e do texto dele decorrente [sendo que] as diferentes articulações são também responsáveis pela produção de novos sentidos [ainda que para expressões velhas] que se somam aos sentidos anteriores, reafirmando-os ou deslocando-os no momento presente.


Por isso sempre há o que dizer, sempre há uma nova maneira de se refletir sobre um determinado assunto; nesse ínterim, realizou-se uma integração entre os elementos: Texto e Informática, praticando uma maneira diferente de encarar a prática de produção de textos na escola, sugerindo trabalho reflexivo e constitutivo, baseado em objetivos palpáveis e passíveis de articulação e de alcance na escola, embora, saiba-se que nem sempre é possível integrar o novo e o velho de forma a não causar rupturas profundas no conceito de se ensinar.
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Autor: Luciene Fontão


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