Teoria Social da Moda



De acordo com Michetti (2006, pág. 12):

“Na atualidade, a moda é mais que uma atividade econômica produtora de artigos de vestuário e de adornos. Também não se define apenas enquanto instituição dotada de um ritmo sistemático influente na aparência de indivíduos e grupos. Na configuração social contemporânea, alguns elementos que lhe caracterizam como a dinâmica de mudanças constantes, a apologia do novo que se mistura com o antigo, o apelo ao consumo e à dimensão do desejo, bem como o estímulo ao surgimento de novas necessidades extrapolam seus limites, generalizam-se na produção econômica e invadem a cultura e a formação individual.“

É provável que a interpretação mais consensual sobre o assunto seja a concepção “diferencialista”, também denominada pejorativamente por alguns autores de “sociologismo”. Para ela, a moda caracteriza um mecanismo de distinção social entre diferentes classes sociais e entre indivíduos da mesma classe. Partilham dessa idéia autores como Veblen, Simmel, Bourdieu e mesmo semiólogos como Barthes e Baudrillard. Essa perspectiva é sobremaneira relevante e coerente, mas, ao priorizar o aspecto distintivo, tende a negligenciar outros aspectos igualmente presentes na moda.

Outra concepção consagrada, que também é propensa a avaliar a questão é o chamado “economicismo”. Ele concebe a moda enquanto instrumento de valorização do capital, enquanto atividade de cunho econômico, marcada pela busca do lucro e por todo caráter sistêmico do capitalismo. Nessa vertente, existem apreciações que enfatizam os efeitos positivos da produção e do consumo de moda para a economia, bem como avaliações mais críticas, as quais destacam as implicações da moda na reprodução da sociedade antagônica. Estas tomam partido do marxismo e explicam a moda em termos de fetichismo da mercadoria, alienação e ideologia. Tal avaliação sobre a moda conta com elementos inegavelmente válidos, contudo, algumas vezes apresenta a inconveniência de responsabilidade à economia com um papel determinante. A economia é uma esfera privilegiada na análise da moda, mas não deve ser a única. Essa apreensão crítica é evidenciada por Wolfgang Fritz Haug em Crítica da Estética da Mercadoria.

Há também as análises da moda enquanto instância simbólica construtora de sentidos e significações sociais. Este é o tema de semiólogos como Roland Barthes e Jean Baudrillard. Embora não seja adepto da semiologia, Pierre Bourdieu estabelece relações com essa concepção na medida em que também analisa a moda a partir da idéia do simbólico. No entanto, a análise de Bourdieu não se confunde com as semiológicas, pois ele também confere suma importância às “objetividades sociais”, como as diferenças de classe, por exemplo. Aliás, talvez decorra das influências estruturalistas presentes em sua obra o fato de que, para ele, o simbólico só ganha força quando vinculado a tais objetividades. Outro aspecto marcante de sua reflexão é a ligação entre moda e cultura, sugerida também por outros autores arrolados acima.

No contexto dessa discussão sobre o caráter simbólico da moda, deve-se esclarecer que termos como signo, símbolo, significação, sentido e o próprio simbólico, foram utilizados no presente capítulo em sua acepção mais comum, que os considera como noções correlatas, quase como sinônimos. Com isso, quer-se destacar que as diferenças e especificidades atribuídas pela semiologia a esses termos não foram rigorosamente observadas. Ainda assim, é possível fazer algumas considerações sobre o uso do método semiológico na análise da moda.

A semiologia é definida como “a ciência geral dos signos”, mas é importante lembrar que a moda não se caracteriza apenas como uma esfera de produção de sentido, embora essa seja uma de suas características. Ela também faz parte do mundo econômico e tem implicações nas relações sociais efetivas, de modo que reduzi-la ao reino do signo equivale a subestimá-la.

Outro enfoque é sobre a moda enquanto lógica social disseminada por diversas esferas da existência contemporânea. Essa conseqüente perspectiva é encampada por Gilles Lipovetsky, ao qual concernem, entretanto, algumas idéias passíveis de crítica. Este autor compartilha de certas apreciações presentes em estudos antropológicos sobre a moda contemporânea, que imputam a ela o papel de construtora de alteridades e identidades individuais e sociais. Destaque-se ainda que, enquanto a maioria dos estudiosos do assunto adota posição predominantemente crítica diante das conseqüências e implicações sociais da moda, Lipovetsky a considera como instrumento em favor do processo de democratização da sociedade. Entretanto, conforme se observou anteriormente, tanto em seu sistema objetivo de funcionamento quanto em sua lógica, a moda é, por definição, avessa à própria idéia de democracia. Se determinada moda for completamente democrática e disseminada, ela deixa de ser moda. Se a liberdade de escolha do que vestir se torna plena, a moda deixa de ter razão de existir, já que ela é, por princípio, orientação.

Quanto aos discursos acerca da construção de identidades pela moda, vale lembrar que, em larga medida, a identidade por ela conferida é obtida por meio do consumo. Por conseguinte, as diferenças permitidas nesse âmbito caracterizam hierarquizações sociais e econômicas, pois o consumo não é acessível a todos. Ainda que a moda permita o desenvolvimento de diferenças individuais importantes para a definição da posição social dos indivíduos, essas diferenças não são horizontais. Os “estilos” criados pelas “tribos urbanas” existentes em comunidades pobres podem até identificá-las, mas não as tornam menos excluídas. Pode-se observar, então, que essa apologia da diferenciação representa o discurso chamado “pós-moderno” acerca da aceitação e do estímulo às diferenças. Trata-se de uma retórica que prevê a “paz social” e a fundamenta na idéia de “tolerância”, mas que, de fato, apenas renomeia o antagonismo com o nome de diferença. Nessa perspectiva, a moda é presumida como elemento favorável à tolerância e à democracia.

A partir dessa seleção de autores que refletiram sobre a moda, é possível considerá-la enquanto mecanismo de distinção sócio-individual e como instância produtora de sentidos e significações, pertencente, portanto, ao reino cultural e simbólico. Pode-se afirmar ainda que ela caracterize uma lógica social e uma atividade intrinsecamente vinculada à economia.

Nenhuma teoria detém com exclusividade a chave de acesso à compreensão mais acertada do assunto. E isso por uma razão que se tornou clara no decorrer da exposição: não há apenas uma perspectiva válida quando o objetivo da reflexão é compreender um objeto tão cheio de aspectos quanto a moda. Se, por um lado, ela é um dos pontos da constelação de pensamento que pode nos aproximar da apreensão do real, por outro lado, ela própria só pode ser apreendida por meio de uma concepção constelar, que considere os diversos aspectos e funções que a caracterizam.
Autor: Laura Ferraz


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