O Popular E O Erudito Num Universo De Diferenças



Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti 1

Kátia Maria Soares 2

“... quem somos nós? Quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras e imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras...”

Italo Calvino.

Introdução

O presente trabalho trata de um projeto extracurricular, uma Feira Cultural realizada em uma instituição de ensino do município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Contextualiza também o papel social das instituições de ensino nas sociedades periféricas aos grandes centros administrativos e culturais do nosso país, mostrando que sua missão vai muito mais além do que oferecer educação e cultura escolar.

O significado da palavra cultura vem do latim, quer dizer a arte de cultivar a terra para nela produzir. Sua transformação começa a partir da sabedoria acumulada no trato do ambiente natural. A experiência secular dos agricultores acabou conferindo ao termo cultura o sentido de conhecimento intelectual, aplicado à ação transformadora do mundo.

O termo comunicação de massa foi cunhado na segunda metade do século XX, buscando explicar o fenômeno que produziu a chamada cultura de massa. O pensador francês Edgar Morin (1975), por exemplo, afirma que a cultura de massa fornece à vida privada as imagens e os modelos que dão forma às inspirações do homem comum e toma de empréstimo a terminologia mítica para referir-se às personalidades midiáticas. A cultura de massa muitas vezes é confundida com cultura popular, pois atinge massiçamente as camadas populares, que sem os referenciais da educação não têm como separar ou refletir sobre aquilo que lhe chega através dos veículos de comunicação de massa.

Edgar Morin (1975) ao escrever dois volumes sobre a comunicação de massa no século XX, utilizou os termos “neurose” e “necrose” no título de cada um deles, deixando claro o fator degenerativo dessa inserção na sociedade. Entretanto, apesar do caráter de serviço aos interesses dos grandes grupos detentores do capital, não se pode negar que o mundo hoje é uma “aldeia global”, como previu McLuhan 3, onde o que acontece de importante em uma das partes toma a forma de notícia e se espalha rapidamente. A “aldeia global”, porém, é bombardeada com maior facilidade por quem administra essa indústria cultural de massa, que conduz pelos seus interesses os desavisados ou os que não conseguem perceber as intenções por trás de cada ação da mídia.

Nesse sentido, o papel de conscientização realizado pelas instituições educacionais é fundamental para que as pessoas não fiquem sujeitas a essa condução, mas consigam ter uma visão crítica diante das informações de todos os tipos e gêneros que recebem. Tornar explícito o que é oculto em todas as áreas do interesse humano é uma das funções sociais da educação, talvez a principal. Preparar os indivíduos para a independência de visão e ação ao mesmo tempo em que os prepara para a vida social e coletiva é um dos grandes desafios que o educador enfrenta em seu cotidiano.

O conceito de cultura popular e erudita foi muito bem exposto por Darcy Ribeiro:

Gosto de pensar que essas são as duas asas da cultura que, sem vigor em ambas, não voam belamente. É preciso reconhecer que uma não é melhor nem pior, superior ou inferior à outra; são apenas diferentes e, porque distintas, se intercambiam, abeberando-se reciprocamente. Populares são, para nós, as formas livres de expressão cultural das grandes massas, que nos dão seu exemplo maior no carnaval carioca, como a principal dança dramática que jamais se viu. Eruditas são as formas escolásticas, canônicas, de expressão cultural, como o balé e a ópera, por exemplo, cultivadas por alguns, vivenciadas por pouquíssimos, mas admiradas por um grande público 4. (RIBEIRO, 1986)

A cultura, como formadora, é indispensável à escola que recebe seus alunos oriundos das classes que não têm acesso a outros meios, se não os de comunicação de massa. A cultura popular é tão rica quanto a cultura erudita. Na verdade uma precede a outra, segundo Santos (1999). Assim como os textos de Sheakspeare um dia foram populares e encenados em teatros desse tipo na Inglaterra, no futuro, provavelmente, o nosso Tom Jobim será reverenciado como erudito. Entretanto, a comunicação de massa penetra nessa relação, que deveria ser apenas temporal, para submeter a cultura popular, e até algumas vezes a erudita, à massificação, com objetivos puramente comerciais. A cultura de massa passa a ser apenas um arremedo grosseiro da cultura popular ou erudita.

Muito se tem dito que dar oportunidades iguais a todos é oportunizar educação de qualidade, sem distinção, a todos. A educação escolar não basta para tal, pois as desigualdades não ficam apenas na falta de escolaridade ou da preparação para o trabalho. A cultura promovida pelo contato com a arte seja ela de que tipo for, transforma, pois é um processo que passa por todas as instâncias do indivíduo, e não apenas pela cognição. Dar acesso a todos a uma educação de qualidade é criar, portanto, oportunidades de aproximação da cultura popular com a cultura erudita, sem a intermediação da comunicação de massa que gera a cultura de massa, ou a aculturação das camadas populares. A conscientização surge como uma opção de combate à cultura de massa e se realiza como bem expressa Paulo Freire (1977) “em oposição às classes dominantes, nascendo do seio da cultura popular negada, sendo permanentemente regida pela análise crítica dos valores, pois essa ação é transformadora e se transforma sempre”

Há trinta anos os colégios Castelinho de Belford Roxo 5, Centro de Educação Moderna (CEM) 6, hoje parte da Faculdade de Belford Roxo (FABEL) 7, realiza suas Feiras Culturais, procurando levar à sua cidade um novo olhar sobre o conhecimento elaborado pelo saber científico e cultural. A mostra trabalha a cada ano com um tema gerador, este ano a própria função, sempre implícita da Feira, foi explicitada, o popular e o erudito serão apresentados, de forma não paradoxal, porém complementar. Buscou-se mostrar os trabalhos de maneira que de cada aspecto abordado, fosse encontrado o viés popular e o erudito, transpondo o conceito para diferentes campos dos saberes.


Autor: Ednardo Monti


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