SIGILO FISCAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO CTN



I - INTRODUÇÃO

Todas as pessoas que estão sujeitas à soberania do Estado possuem o encargo de financiar as despesas governamentais, através de uma prestação em dinheiro, que é o tributo. Segundo Seixas (2007), desta forma nasce para o contribuinte uma obrigação, exercida pelo legislador, de pagar um tributo para o Estado quando praticar o fato gerador descrito na legislação tributária.

A autoridade fiscal possui a incumbência de orientar o contribuinte para o correto cumprimento da lei tributária. Para isso o Estado dispõe de uma administração Fazendária, denominada Fisco, destinada a controlar e fiscalizar o cumprimento da
obrigação pelo contribuinte de pagar o tributo. Para o desempenho dessa atividade possui a administração acesso a todas as informações econômicas do contribuinte, através das quais verifica o pagamento do tributo segundo as determinações legais.

As informações recebidas pelo Estado sobre os negócios, bens e atividades de seus contribuintes, não devem ser reveladas a terceiros pois dizem respeito à intimidade do cidadão e compreendem além de dados pessoais, detalhes sobre o patrimônio do contribuinte.

II – O SIGILO FISCAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A ação fiscalizatória do Estado possui limites constitucionais, esclarece Marins (2003), pois o preceito do art. 145, § 1º, segunda parte da Constituição Federal é claro ao autorizar a Administração tributária a identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades dos contribuintes.
Conforme acima citado, o agente fiscal está autorizado a tomar conhecimento de dados sigilosos dos contribuintes, mas deve fazê-lo nos termos da lei e respeitando os direitos e as garantias individuais.

O sigilo fiscal é a proteção às informações prestadas pelos contribuintes ao Fisco, assegurado pelos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, conforme dispõe a Constituição Federal de 1988:
Art. 5º...

(...)

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (...).

Analisando os incisos acima citados verifica-se que a quebra de sigilo bancário e fiscal, com base em procedimento administrativo, implica em indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta assegurada pelo referido art. 5º, X e XII da CF.

Cita Marins (2003) que o art. 37, caput , da CF, vincula a Administração Pública, incluindo-se os atos dos agentes da fiscalização tributária, aos princípios constitucionais, da legalidade, moralidade e eficiência.

lll – PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E SIGILO FISCAL NO CTN

O artigo 197 do CTN vislumbra a obrigatoriedade de terceiros dispostos neste artigo, mediante intimação escrita, prestar todas as informações de que dispunham com relação aos bens negócios ou atividades de terceiros. São eles: tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras, as empresas de administração de bens, os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais, os inventariantes, os síndicos, comissários e liquidatários, bem como quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Porém, o parágrafo único do artigo 197 do CTN, justifica os casos das pessoas que, justamente em razão da atividade profissional, permanecem obrigadas a manter sigilo sobre certos fatos. A obrigação:

“não pode ingressar no secreto vínculo que se estabelece no exercício de certas profissões, em que a própria lei que as regula veda terminantemente a quebra de sigilo. (...) O psicólogo, o médico, o advogado, o sacerdote e tantas outras pessoas que, em virtude de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão, tornam-se depositárias de confidências, muitas vezes relevantíssimas para o interesse do Fisco, não estão cometidas do dever de prestar informações previstas no art. 197.”(Carvalho, 1996, p.369/370)

Assegura Amaro (2006), que a divulgação de informações confidenciais de seus clientes, por certos profissionais pode ser imputado como crime de violação de segredo profissional, previsto na lei penal.

A lei também exige do servidor público o dever de guardar segredo sobre as informações sigilosas de que tiver conhecimento no exercício do cargo ou função, sendo responsabilizado criminalmente o servidor que vier a revelar informações fiscais do contribuinte, incorrendo portanto nas penas do artigo 325 do Código Penal, que prescreve: ”Art. 325 – Revelar fato de que têm ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa se o fato não constitui crime mais grave.”
Ressalta Marins (2003), que mencionado o sigilo profissional disposto no artigo 197 do CTN , não se pode deixar de traçar breves linhas a respeito do sigilo bancário, por guardar relação estreita com a norma esculpida no art. 198 do CTN. O sigilo bancário pode ser compreendido como um dever jurídico, ordenado às instituições financeiras de não divulgar informações confidenciais de seus clientes.

Neste sentido, esclarece o Código Tributário Nacional (Lei nº 5172/66), no art 198, com redação dada pela LC 104/2001:
Art. 198 - Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

Parágrafo único - Excetuam-se do disposto neste artigo, unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça.

O art. 198, § único do CTN, prevê as exceções ao sigilo fiscal, situações que poderá ocorrer a divulgação das informações obtidas dos contribuintes. A primeira exceção ao sigilo fiscal esta prevista no artigo 199 do CTN, ocorrerá quando houver convênio entre as Fazendas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para facilitar a obtenção de dados e a fiscalização dos tributos, ou seja, um fisco de um ente da federação brasileira pode trocar informações com outros fiscos, com finalidades de fiscalização e controle. Entretanto, esses fiscos precisam ter acordos entre si para realizar esta troca de informações. O acordo deve fazer com que o fisco que receba a informação saiba do seu caráter confidencial e das penalidades no qual ele pode incorrer no caso de fazer uso indevido dessas informações. O acordo de troca de informações não pode permitir que outras pessoas, além das pessoas autorizadas, possam ter acesso à informação.

A segunda exceção expressa no parágrafo único do art 198 do CTN, se estabelece nos casos em que houver processo judicial instaurado e o juiz considerar necessário juntar ao processo informações advindas do fisco, para solucionar a lide. O interesse da justiça será priorizado neste caso e não o interesse particular de uma das partes.

A redação do artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que autoriza a Administração tributária examinar documentos livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósito e aplicações financeiras, mediante simples instauração de processo ou procedimento administrativo fiscal, afirma Marins (2003), afronta o sistema de garantias fundamentais, esculpido na Constituição Federal de 1988. Nas palavras de Marins: “...agride a inviolabilidade de dados e das comunicações telefônicas e menospreza função jurisdicional específica cometida ao Poder Judiciário (art. 5º, inc. XII, da CF/88).”

Como nos mostra a jurisprudência, o sigilo de dados que engloba tanto o sigilo fiscal quanto o sigilo bancário constitui-se uma garantia constitucional, por isso constitui uma afronta a esses princípios permitir a possibilidade da sua quebra, sem processo judicial instaurado e a requisição do juiz.

MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. PRETENSÃO ADMINISTRATIVA FISCAL. RÍGIDAS EXIGÊNCIAS E PRECEDENTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI 8.021/90 (ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO).

1. O sigilo bancário não constitui direito absoluto, podendo ser desvendado diante de fundadas razões, ou da excepcionalidade do motivo, em medidas e procedimentos administrativos, com submissão a precedente autorização judicial. Constitui ilegalidade a sua quebra em processamento fiscal, deliberado ao alvitre de simples autorização administrativa.

2. Reservas existentes à auto-aplicação do art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.021/90 (REsp. 22.824-8-CE - Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro).

3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso sem provimento. Resp 114741/ DF RECURSO ESPECIAL 1996/0075208-7
Relator(a) Ministro MILTON LUIZ PEREIRA (1097) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA 13/10/1998
RECURSO EM HABEAS CORPUS – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E DE LAVAGEM DE DINHEIRO – INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES – QUEBRA DO SIGILO FISCAL DO INVESTIGADO – INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – REQUISIÇÃO FEITA PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL – ILICITUDE DA PROVA – DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – IMPOSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NÃOCONTAMINADOS PELA PROVA ILÍCITA – DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

I. A requisição de cópias das declarações de imposto de renda do investigado, feita de forma unilateral pelo Ministério Público, se constitui em inequívoca quebra de seu sigilo fiscal, situação diversa daquela em que a autoridade fazendária, no exercício de suas atribuições, remete cópias de documentos ao parquet para a averiguação de possível ilícito penal.

II. A quebra do sigilo fiscal do investigado deve preceder da competente autorização judicial, pois atenta diretamente contra os direitos e garantias constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos.

III As prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, não compreendem a possibilidade de requisição de documentos fiscais sigilosos diretamente junto ao Fisco.

IV. Devem ser desentranhadas dos autos as provas obtidas por meio ilícito, bem como as que delas decorreram.

V. Havendo outros elementos de convicção não afetados pela prova ilícita, o inquérito policial deve permanecer intacto, sendo impossível seu trancamento.

VI. Dado parcial provimento ao recurso. RHC 20329 /PR RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS
2006/0225618-9 Relatora: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (1136), Órgão julgador T5 QUINTA TURMA. Data do julgamento 04/10/07.

IV – CONCLUSÃO

Diante do exposto, parece-me correto afirmar que, a quebra do sigilo fiscal e bancário do contribuinte, não pode ser utilizada como instrumento de busca generalizada, sem indícios concretos, para investigar a situação financeira e o patrimônio do indivíduo.

Todo cidadão tem o direito à sua privacidade garantida constitucionalmente, e somente o Poder Judiciário tem o poder de permitir a quebra do sigilo por parte do Fisco, sob pena de menosprezar a função jurisdicional específica cometida ao Poder Judiciário Com relação a esta necessidade de proteção à privacidade humana, não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 8ª edição, ed. Saraiva, 1996.
DAHAS, Eduard Augusto Gonçalves. O princípio da publicidade no Processo Administrativo Tributário. Jus vigilantibus, Vitória, 9 dez. 2005. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/19143.> Acesso em 20 nov. 2007.
JARDIM, Eduardo M. F. Manual de Direito Financeiro e tributário. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2007.
MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2003.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário (Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à Luz da Doutrina e da Jurisprudência). 4ª ed. Revista e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
SEIXAS, Aurélio Pitanga Filho. Aplicação da lei tributária. Revista Dialética de Direito nº140. São Paulo mai. 2007.
Autor: Josiane Graciola


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