A Imagem da Mineração Anglogold Morro Velho: a Perspectiva da Comunidade de Nova Lima



Introdução
Imagem está para as Relações Públicas quase como o ouro está para Minas Gerais. Para aquela atividade profissional, tudo começou quando um magnata norte-americano tentou reverter sua imagem negativa perante a opinião pública, causada por suas ações e suas palavras. Para Minas, tudo começou quando, em suas entranhas, foi encontrado ouro, o metal mais precioso, que por milênios vem sendo buscado em todos os cantos do mundo e é valorizado enquanto moeda universal e símbolo de status e glamour.
Esse trabalho de investigação mistura, de alguma forma, as duas coisas. O objetivo é pesquisar a imagem da AngloGold Morro Velho, sob a perspectiva do profissional de Relações Públicas, antes e após a mudança de marca da empresa, decorrente da aquisição da mesma pelo grupo AngloGold, maior multinacional de mineração de ouro do mundo. Como explicaremos nos capítulos subseqüentes, o foco da pesquisa está na percepção da empresa pela comunidade em que está inserida: a cidade de Nova Lima.
Nova Lima, durante séculos, foi uma cidade mineira de coração: geográfica e economicamente. Situada em pleno Quadrilátero Ferrífero, tem sua origem nos primeiros povoados criados pelos bandeirantes paulistas que por ali encontraram pepitas de ouro. Por muito tempo, sobreviveu em função das suas minas de ouro e, posteriormente, das jazidas de minério de ferro. Atualmente, as minas de ouro do município estão desativadas, mas as heranças da mineração continuam presentes.
A AngloGold Morro Velho explora o ouro em Nova Lima e na região em seu entorno desde 1834. Já na fase de declínio do ciclo do ouro, quando não havia mais ouro de superfície, os ingleses trouxeram tecnologia suficiente para explorar as minas subterrâneas. A empresa, que completa 170 anos em 2004, começou com o nome de Saint John D´El Rey Mining Company, passou para Mineração Morro Velho e só em 1999 assumiu a denominação atual. Ao longo desses anos, também passou das mãos dos ingleses para as mãos de brasileiros, e dos brasileiros para os sul-africanos, onde está a sede da Holding AngloGold.
A cidade de Nova Lima cresceu em torno da empresa. A última mina na cidade foi fechada recentemente, em 2003, mas a empresa continua atuando em Nova Lima, no ramo imobiliário, com a comercialização dos muitos terrenos que possui. Praticamente toda a cidade descende de ex-funcionários da empresa. A AngloGold Morro Velho ainda mantém operações na mina de Cuiabá, na cidade vizinha de Sabará, e ainda emprega muitos novalimenses.
As relações entre comunidade e empresa são muito antigas e muito próximas, mas nem sempre foram saudáveis e pacíficas. A comunidade ainda guarda na memória lembranças da escravidão, largamente utilizada pela empresa no século XIX, ou do período anterior à legislação trabalhista, marcado pela exploração. A mineração é um ramo de trabalho distinto, com riscos e problemas peculiares. Não é fácil para a população esquecer os muitos acidentes de trabalho, que ocorriam com certa freqüência até duas décadas atrás. Ou os passivos ambientais deixados pelo processo de beneficiamento do ouro. Mais difícil ainda é esquecer a silicose, doença pulmonar incurável causada pela inalação do pó de sílica que se desprende das paredes da mina durante os processos de extração de minério. Estão ainda espalhados pela cidade as “viúvas da silicose” e os ex-mineiros portadores da doença. A questão envolve disputas entre a empresa e o Sindicato dos Mineiros, ações judiciais, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e audiências públicas.
Para enfrentar esses problemas, a AngloGold Morro Velho tem se mobilizado, em especial nas últimas duas décadas. Programas de controle de emissão de resíduos, contenção de barragens de rejeitos, adoção de programas de qualidade, programas de prevenção de perdas, mecanização de procedimentos, certificações internacionais de segurança, saúde e meio ambiente: essas são apenas algumas das ações implementadas pela empresa nas décadas de 80 e 90, que serão detalhadas mais à frente. Quanto à silicose, além de prevenir novos casos, a empresa fez um acordo judicial com alguns ex-mineiros silicóticos e construiu um Centro de Referência em Pneumologia para tratamento gratuito dos portadores da doença. Nos últimos anos, principalmente após a entrada da AngloGold em 1999 e a CPI realizada em 2002, a comunicação da empresa cresceu, aumentando o diálogo com a comunidade e incentivando uma postura de transparência e abertura.
Ainda assim, nem tudo se resolveu. Algumas vozes dissidentes na comunidade fazem oposição à empresa em diversos aspectos, influenciando a opinião pública a seu respeito. “Nem tudo que reluz é ouro”, avisa o dito popular. E, no caso da Morro Velho, durante muito tempo o que “reluzia” na mídia e na boca do povo não eram os benefícios, mas sim os problemas trazidos pela mineradora. Os 170 anos de história pesam muito, já que grande parte deles foi marcada pelo conservadorismo da empresa, que se manteve por muito tempo fechada para o diálogo. O ambiente da mina subterrânea ainda povoa o imaginário da população, que o conhecia apenas pelas descrições (geralmente sombrias) dos ex-mineiros que, associadas aos relatos de acidentes de trabalho e à triste herança da silicose, formavam um quadro assustador.
Diante desse contexto, repleto de dicotomias entre passado e presente, exploração e respeito, conservadorismo e abertura, esse trabalho vem averiguar qual é, hoje, a imagem da AngloGold Morro Velho na comunidade de Nova Lima. A relevância dessa pesquisa reside tanto na produção de um conhecimento mais aprofundado sobre o processo de formação da imagem de uma mineradora junto à sua comunidade geográfica, quanto no embasamento que ela poderá dar para as futuras ações de comunicação da empresa, visando intervenções estratégicas sobre sua imagem. Como afirma Flávio Aquino:

“Qualquer organização que pretenda ser pró-ativa, perceptiva, deve ter verdadeiro interesse em conhecer o que seus públicos pensam dela. E isto não é mero capricho, visto, normalmente, as pessoas reagirem às imagens que têm das organizações e não necessariamente às suas realidades. Neste ponto, descobrir esta lacuna entre a imagem institucional e a identidade corporativa é um importante instrumento mercadológico e de comunicação.” (AQUINO:1998:35)

A partir dessa pesquisa, teremos um panorama da imagem da organização na comunidade de Nova Lima e será possível, para a organização, verificar se há essa lacuna entre a imagem e a identidade (termos que discutiremos mais tarde). A maior riqueza que as Relações Públicas podem trazer para uma mineradora é a construção de uma imagem positiva, consistente com a identidade corporativa. E, na “era da intangibilidade”, essa riqueza talvez valha mais do que muitas e muitas barras de ouro.
A escolha do público “comunidade”, em detrimento de outros públicos da empresa, deu-se em função da viabilidade e da relevância. Outros públicos externos, como os consumidores e os acionistas, por estarem espalhados pelo mundo, poderiam ser estudados, mas não com o mesmo grau de profundidade. O estudo de imagem do público interno também seria mais complicado, pois seria totalmente indispensável ter um grande acesso a um número expressivo de funcionários, incluindo a liberação dos mesmos para entrevistas, por exemplo. Além disso, a maioria dos funcionários trabalha nas próprias minas, em Sabará, Raposos ou Santa Bárbara, o que seria outro dificultador.
Além de ser o público de mais fácil acesso, a comunidade é ainda um público cuja opinião é de extrema relevância para a empresa. Manter um bom relacionamento com a comunidade é essencial para ela e pode lhe trazer muitos benefícios (como será discutido mais à frente neste trabalho), tanto que a AngloGold Morro Velho já tem como política de Relações Públicas manter uma relação saudável.
Apesar de a organização atuar também em outras cidades, o foco em Nova Lima dar-se-á porque é lá que está instalada a sede da empresa e onde seus vínculos são mais fortes, pois a história da Morro Velho mistura-se à história da própria cidade. Além disso, é também ali que estão os “passivos sociais” mais relevantes para a empresa, ou seja, onde o ambiente foi mais afetado, ou onde há mais casos de silicose, e onde viveram e vivem várias pessoas que passaram pela Empresa ao longo de uma história de 170 anos.
Se essa pesquisa de imagem é interessante para a empresa, também o é para a comunidade. Caso o resultado da pesquisa sirva para embasar o planejamento de projetos e ações de comunicação que visem um relacionamento saudável entre AngloGold Morro Velho e a Nova Lima, a comunidade também será beneficiada. O interesse na realização dessa pesquisa pode ser um sinal do esforço da empresa em implantar uma “comunicação simétrica de duas mãos”, no conceito proposto por James Grunnig e Todd Hunt, incentivando as trocas de informação e a abertura para o diálogo com vistas à promoção da justiça e da ética. Implantar essa comunicação é papel do Relações Públicas, que, segundo Andrade(1993: 42), deve elevar “o nível de entendimento, solidariedade e colaboração entre uma entidade, pública ou privada, e os grupos sociais a ela ligados, num processo de interação de interesses legítimos, para promover o desenvolvimento recíproco e da comunidade a que pertencem.” Para traçar estratégias de ação e de comunicação que atinjam esse ideal, é essencial conhecer profundamente a situação presente, entendendo as influências do passado e tendo em vista os objetivos futuros. E é esse retrato do presente, inter-relacionado com o passado e ponto de partida para o futuro, que esse trabalho vem expor.
Inicialmente, iremos realizar uma revisão teórica, de forma a compreender como a imagem corporativa e o relacionamento entre organizações e comunidades são tratados pelos estudiosos das áreas de comunicação, administração e marketing. Em seguida, virá uma explicação da metodologia de pesquisa adotada, que resultou de uma adaptação de métodos de pesquisa das ciências sociais e de avaliação de imagem.
A parte “O Eldorado é Aqui” traz um relato da história da empresa, pois somente entendendo o passado da AngloGold Morro Velho o leitor poderá compreender sua imagem hoje. Há também um revisão sucinta da história das principais minas da empresa e uma descrição da AngloGold Morro Velho nos dias de hoje.
A seguir entraremos na questão da comunicação organizacional, abordando tanto suas relações com o processo de formação de imagem de maneira geral quanto fazendo uma descrição das ferramentas e ações de comunicação organizacional da empresa hoje.
A parte “Imagem Corporativa: Análise por Temas” trará uma análise segmentada por temas e subtemas – que serão melhor explicados no capítulo da Metodologia – relacionados aos principais assuntos ligados à atuação da AngloGold Morro Velho em Nova Lima. Cada capítulo trará o discurso da empresa sobre o referido assunto, os discursos presentes na mídia e os discursos dos formadores de opinião entrevistados.
O trabalho é finalizado com conclusões gerais, a partir do cruzamento das análises de todos os temas apresentados.
Assim como a mineração de ouro, uma pesquisa de imagem é um trabalho de investigação, exploração, tratamento e lapidação. Iniciemos então nossa “corrida do ouro”.
Autor: Simone Cota


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