O uso da música como estratégia para a inclusão.



Este trabalho é fruto da experiência de 24 anos de atuação clínica com indivíduos portadores de dificuldades de comunicação e aprendizagem, portadores ou não de necessidades especiais e também de orientações realizadas junto a familiares e instituições educacionais freqüentadas por eles.

Inicialmente, o uso da música junto a esses indivíduos deu-se muito mais de forma empírica, na medida em que, por ser uma apreciadora de várias formas de expressão musical, além de ter estudado piano durante 10 anos, introduzi a música como um recurso terapêutico que foi mostrando-se muito bem aceito pelos indivíduos, de várias faixas etárias e com variados níveis de necessidade, constituindo-se em uma estratégia na qual era possível trabalhar e atingir bons resultados em relação aos objetivos terapêuticos a serem alcançados.

A partir da prática profissional, fui buscar o entendimento teórico do papel da música no desenvolvimento humano, o qual gerou as descrições que faço a seguir.

Considerando-se a aprendizagem como um processo no qual atuam fatores internos, e externos ao indivíduo e no qual também é importante a integração de ambos, um dos aspectos favorecidos pelo uso da música é o da interação, principalmente em pacientes com necessidades especiais com características autísticas, entre outras, nas quais esteja presente a dificuldade de relacionamento.

No entendimento desse aspecto, podemos citar a influência da música como um elemento de grande penetração no espaço transicional descrito por Winnicott, 1967, já que trata-se de uma forma de comunicação que penetra de maneira sutil nas defesas, permitindo estabelecer contato com o que é mais primitivo e que se esconde dentro do indivíduo. A música seria assim uma ponte entre o mundo interno ( eu mais pessoal e intransferível) e o mundo externo, no qual compartilhamos a realidade com os outros.

Entendendo a aprendizagem como um processo cuja matriz é vincular, lúdica e com raiz corporal , como faz Alícia Fernandez, 1991, podemos entender o corpo como um instrumento musical, já que toda a aprendizagem passa pelo corpo, que tem que sentir-se afetivamente aprendendo, porque é um instrumento de conquista e cuja valorização leva ao aprendizado.

Essas considerações assumem particular relevância ao consideramos crianças com necessidades especiais, cuja aprendizagem ocorre em condições diferenciadas quando interagem em um ambiente escolar com outras crianças. É necessário que a instituição escolar prepare-se para atender a criança especial, incorporando formas mais eficazes de comunicação e facilitação. Devem ser utilizadas, contudo, práticas que realmente a incluam, isto é, que permitam a ela interagir juntamente com os outros alunos, e não excluí-la e enfatizar ainda mais a imagem muitas vezes já construída de si como quem não aprende.

O uso da música favorece muito, pois através dela, a criança libera tensões e desenvolve o espírito de companheirismo, podendo desenvolver a coordenação de movimentos e a expressão corporal, além de outras habilidades como aprender a ouvir, não só a música, mas outros sons do seu cotidiano e até mesmo o silêncio.

Através da experiência musical são desenvolvidas capacidades que serão importantes durante o desenvolvimento: são estimuladas áreas do cérebro, por exemplo que não são desenvolvidas em outras linguagens, como a escrita e a oral . Com a música, essas áreas são integradas, o que melhora as capacidades de atenção, concentração e memória.

Também podem ser criadas novas formas de dança e expressão corporal, na medida em que, juntamente com a música, ocorre com freqüência o desejo ou a sugestão para mexer o corpo acompanhando o ritmo.
Devido às suas características peculiares, tais como ritmos variados e estrutura de texto diferenciada, muitas vezes com utilização de rimas, a criança vai desenvolvendo aspectos de sua percepção auditiva que serão importantes para o desenvolvimento geral de sua comunicação, favorecendo também a sua integração social, na medida em que a música, no ambiente escolar seja trabalhada conjuntamente com todas as crianças, inclusive aquelas com necessidades especiais.

Pode-se também utilizá-la, dependendo do conteúdo das letras, no trabalho com conceitos como cores, posições espaciais, números, letras, noções de higiene e cuidado pessoal.

Contudo, não se deve esperar que apenas a escola estimule as crianças, ao contrário, deve-se trabalhar em conjunto com a família, buscando proporcionar a elas uma oferta variada de experiências musicais, para que percebam diferenças entre estilos, letras, velocidades e ritmos (trabalhando assim a atenção e a discriminação auditiva), permitindo que façam escolhas e sugiram repetições, o que geralmente a criança pequena faz com freqüência, como forma de aprender e como recurso de memorização (desta forma ela estará trabalhando a memória auditiva).

Lingüísticamente é possível, atuando dessa forma, estimular a criança a ampliar seu vocabulário, na medida em que, através da música, muitas vezes ela sente-se mais motivada a descobrir o significado de novas palavras que depois incorpora a seu repertório.

Todos esses benefícios são estendidos não só à linguagem falada, mas também à escrita, na medida em que boa percepção, bom vocabulário e conhecimento de estruturas de texto são elementos importantes para ser bom leitor e bom escritor.

Finalmente, quero levá-los a uma reflexão a cerca do significado da inclusão e do quanto a música tem a acrescentar também na pessoa do educador, pois é preciso ter a escuta individual e coletiva. Aprender a ouvir nesse sentido significa ter a habilidade de perceber e trabalhar com cada aluno, no conjunto da sala de aula, estimulando cada qual segundo seu nível de desenvolvimento, interesse e potencialidade, mediando também o desenvolvimento grupal.

Somente dessa forma, entendo ser possível a inclusão, respeitando necessidades específicas, mas considerando importante a participação de cada indivíduo no conjunto, entendendo que todos temos necessidades especiais que devem ser respeitadas e que, a partir delas, podemos crescer, nos desenvolver e nos constituirmos como indivíduos que recebem influências culturais, mas que também constroem cultura, o que é o definição mais ampla de aprendizagem.

É preciso considerar também que, para desenvolvermos uma situação educativa que favoreça realmente a aprendizagem significativa dos alunos, devemos nos despir do papel de educadores poderosos com função única de transmitir conhecimento, temos também que compreender que, ao recebermos crianças especiais toda a comunidade escolar também temos muito a trocar e aprender com elas.

Tânia Bello
Psicopedagoga
Fonoaudióloga
CRFa. 2542/SP
Especialista em Linguagem
CFFa. 2440/04

Referências

acessível em www.psicopedagogiaonline.com.br BOGOMELETZ, D.L

FERNANDEZ, A. – A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991

PAIN, S. – Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992

WINNICOTT, D. W. – O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1967
Autor: Tânia Regina Bello


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