A volta por cima



Quando fui demitido em janeiro de 2004, depois de 20 dias de férias energizadas em Macchu Picchu no Peru, tentei manter uma postura digna e não imaginei que o mundo fosse acabar. Num primeiro momento o choque é inevitável, afinal, a gente pensa que domina a situação até o momento em que ela desaba diante de nós.

Em pleno século XXI as empresas insistem em cometer os mesmos erros ao demitir o empregado após o retorno das férias quando ele se reapresenta cheio de gás, depois de ter torrado o dinheiro num bom roteiro de viagens ou na substituição do automóvel. Tempos depois, quando tive a oportunidade de trocar uma idéia com o Presidente da Unidade onde eu trabalhava, ouvi um simples comentário: Desculpe, mas foi involuntário!

No segundo momento vem a família que parece adivinhar a notícia no instante em que você aperta a campainha e se recolhe cabisbaixo, procurando uma palavra de desculpa e outra para melhor definir o que o mundo cãoporativo está acostumado a fazer com todos aqueles que demonstram dificuldade para jogar o jogo da política no trabalho.

Nessa hora é importante manter a calma e, dentro do possível, mentalizar aquele velho jargão: não sou o primeiro nem o último a passar por esse tipo de desconforto. A pose de durão e o discurso não valem nada numa situação dessas.

Mas, ao lembrar que de orgulhoso e louco todo mundo tem um pouco, qualquer demitido que se preze tem sempre o mesmo discurso na ponta da língua e despeja bobagens que não levam a lugar algum, tais como: ‘estava mesmo a fim de sair, não agüentava mais’ ou ainda coisas do tipo ‘vou trabalhar por conta própria’.

Eu sempre digo que o ser humano é digno de tese, portanto, qualquer deslize cometido no intervalo de tempo entre a demissão e a recolocação é perdoável, afinal, o mundo cãoporativo é factível quando se trata de resultados e teatral quando se trata de relacionamentos. Somos inteiramente aceitos pelo sorriso, pouco pela franqueza.

Nossa mente é algo impressionante e pouco ajuda numa hora dessas com sua forte tendência ao pessimismo. Qualquer tentativa de otimismo é rapidamente atropelada por pensamentos levianos e mesquinhos a respeito do futuro, portanto, todo cuidado é pouco.

É preciso ter coragem e discernimento para encarar a dura e nova realidade, lembrar que não temos mais crachá nem plano de saúde, caso contrário, a tendência é transformar a vida num mar de lamentações, adotar um comportamento incapaz de reverter o quadro e contaminar a energia positiva ao nosso redor. E mais difícil ainda, é preciso resgatar o próprio sobrenome e deixar de ser o fulano de tal empresa. É um desafio, acredite.

Como emprego não dá em arvores nem brota da terra, no dia seguinte reorganizei a agenda, atualizei o currículo e me pus a trabalhar. Em menos de duas semanas fui capaz de visitar mais de 30 empresas de amigos, conhecidos, fornecedores e clientes que faziam parte do meu suposto círculo de relacionamento.

Nessa hora o bicho pega e a gente fica na dúvida se o relacionamento existe de verdade. Depois de tanto tempo trocando apenas e-mail para dar notícia boa, nunca se sabe até que ponto o teu conhecido de longa data vai recebê-lo de sorriso nos lábios diante da tua inesperada presença, ainda mais desempregado. No mínimo fica um sentimento estranho no ar, como quem diz: só falta ele me pedir emprego.

Nesse período trilhei uma série de caminhos, dividido entre a vontade de voltar a ser empregado e a vontade de ser patrão. Não é fácil achar o rumo e manter o foco, razão pela qual o diálogo em casa torna-se relevante na escolha de uma nova opção, afinal, a família é a única instituição que nos recebe de braços abertos em momentos como esse, desde que solidamente constituída.

Durante o tempo em que fiquei afastado do mercado de trabalho, duas coisas foram determinantes: a fé e a persistência. Uma boa formação e currículo ajudam, mas o parentesco do homem com Deus ameniza o risco da depressão e mantém o moral elevado.

Antes que o segundo mês de férias forçadas terminasse, eu já havia recebido cinco propostas de emprego e outras para atuar em sociedade como legítimo empreendedor. Parece pouco, mas quantos têm a mesma oportunidade para escolher? Conta-se nos dedos.

Nesse ínterim eu já havia sido convidado para dar aulas numa Universidade de Curitiba e, depois de alguns anos de muita persistência, ainda recebi o telefonema de uma Editora carioca informando que o meu livro despertou o interesse do Conselho Editorial e, portanto, seria publicado brevemente. Estávamos num almoço de família naquele exato momento e não pudemos conter a emoção.

Em momentos de crise, o importante é manter a lucidez e o foco. Sempre haverá espaço para quem decide sacudir a poeira e dar a volta por cima, para quem demonstra otimismo diante das adversidades, para quem mantém o sorriso nos lábios e, principalmente, para quem sabe dizer ‘bom-dia’, ‘por favor’ e ‘muito obrigado’.

Jamais lamente um fato como esse. Não há nada no passado que nos ajude a resolver o futuro. O passado só serve para lembrar que não podemos cometer os mesmos erros. Quando lembro daquele dia fatídico, reconheço o quanto a vida foi generosa comigo me oferecendo uma oportunidade de repensar o futuro e crescer por minha própria conta e risco.

Diante de boas alternativas tive a felicidade de optar pela primeira empresa que visitei depois da demissão, onde um dos sócios fez faculdade comigo há exatos 15 anos. Ironicamente, como Gerente de uma grande empresa de consultoria, hoje tenho mais chances de sugerir e implantar mudanças que fazem a diferença na vida das empresas onde atuo, o que seria praticamente impossível enquanto empregado. Outra lição: seja humilde, não perca o contato com os amigos e não tenha vergonha de pedir. Afinal, pedir não ofende!
Autor: Jeronimo Mendes


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