VISÃO PSICANALÍTICA SOBRE MITOS RACIAIS



VISÃO PSICANALÍTICA SOBRE MITOS RACIAIS
Dr.Wagner Paulon
2008

A existência de diferenças individuais somáticas e físicas é uma realidade; em todas as raças, nações, classes ou comunidades podemos encontrar indivíduos mais dotados ao lado de outros menos dotados. Esta é uma realidade biológica para a qual não existem exceções. Mas tais variações não têm qualquer conexão com a propalada superioridade ou inferioridade de determinados grupos humanos.

Há muito tempo existe a crença de que nossa própria família ou raça é melhor do que as outras. O que é relativamente recente é a tentativa de justificar esta "superioridade" cientificamente no campo das características biológicas inatas.

O crescente descontentamento dos povos da índia, o desenvolvimento do sentimento racial entre os negros da África e a autoconfiança mostrada pelos japoneses, chineses e indonésios são algumas das muitas provas de que as raças, até então desprezadas por sua suposta inferioridade, estão cada dia menos dispostas a aceitar que suas qualidades sejam julgadas por certos critérios das raças brancas.

A democracia reconhece a existência de diferenças entre os homens, mas considera todos possuidores dos mesmos inalienáveis direitos e lhes procura garantir iguais oportunidades políticas, sociais e econômicas.

O totalitarismo também aceita as diferenças entre homens e povos como fato inevitável, mas mantém que essas diferenças implicam o princípio da obediência à vontade de uma raça dominante, constituída de "homens superiores". Seu interesse é escravizar todos os que são passíveis de se submeterem à vontade dos "dominadores" e exterminar todos aqueles incapazes de se aglutinarem no mundo totalitário.

Como as descobertas científicas e o progresso tecnológico destruíram em grande parte a eficiência do mito puro e simples no seio das massas, o racismo contemporâneo vê-se forçado a adotar uma dissimulação científica. Por isso, os mitos racistas do século XX devem-se apresentar com bases científicas muito embora, conforme diz Prenant, isto seja feito "ao preço das mais vergonhosas falsificações e contradições". O racismo tem procurado abranger e usar para seus próprios fins a antropologia, a fisiologia do sangue, as leis da hereditariedade etc. Mas tudo sem sucesso.

Em 1918 os aliados vitoriosos rejeitaram a proposta da delegação japonesa à Conferência de Paris de 1919 para a inclusão na Carta da Liga das Nações de uma declaração proclamando a igualdade de todas as raças. Desde 1945, entretanto, o trabalho da Organização das Nações Unidas tem sido compartilhado por altos dolicocéfalos louros, baixos dolicocéfalos morenos, braquicéfalos, homens amarelos, negros, mestiços e representantes de muitas nações de cultura e morfologia diversas. Todos esses elementos variados provaram unanimemente, em dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo segundo artigo estabelece que: "Todos são abrangidos por todos os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração, sem distinção de qualquer espécie, tais como raça, cor, sexo, língua, religião, política, origem nacional ou social, propriedades, fortuna ou qualquer outro status".

A espantosa afirmação de Burgess (1890) — procurando justificar a política colonialista alemã — de que os alemães têm absoluto direito de anexar o território dos recalcitrantes e transformá-lo num lugar de gente civilizada — é um exemplo que bem revela como a "superioridade" dos racistas os conduz a aceitar, sem qualquer preocupação moral ou legal, o império da força, como fonte de lei quando se trata de povos "inferiores".

Há duas perguntas cujas respostas são suficientes para aniquilar os mitos raciais. Qual o grau de diferenciação possível entre indivíduos de mesmos caracteres hereditários em ambientes diferentes? E, ainda, quais as diferenças entre indivíduos de caracteres hereditários diferentes e vivendo no mesmo ambiente?

As diferenças entre os seres humanos devem ser consideradas como fatos que requerem compreensão e interpretação e não qualidades que mereçam críticas ou louvores. O Major Morton escreve: "Muitos dos atritos entre raças, como entre nações ou indivíduos são devidos à falta de compreensão; se os povos estivessem dispostos a dedicar um pouco do seu tempo a compreender seus recíprocos pontos de vista, freqüentemente descobririam que as coisas não vão tão mal como pensam" (1920).

O preconceito racial pode surgir de causas econômicas e políticas, de um complexo de superioridade ou inferioridade de uma raça particular, de diferenças biológicas, de caracteres hereditários ou de uma combinação de várias dessas causas. Em todos os casos, as coisas muito se agravam pela tendência de se aceitarem teorias e hipóteses sem o menor exame crítico.

Doutrinas de superioridade racial têm desempenhado um papel sem precedentes na alta política dos Estados. Têm servido de desculpa para a crueldade e desumanidade, têm sido o pretexto para a expansão colonial da Europa e do moderno imperialismo, têm aguçado o ódio entre raças, levado o patriotismo a absurdos extremos e provocado guerras.

De nada adiantará promulgar novas leis ou restringir as liberalidades das atuais, uma vez que a efetividade dessas leis é diretamente proporcional à convicção da maioria dos cidadãos de que sejam necessárias para a sua própria defesa e para a defesa dos seus direitos. Muito mais se pode fazer contra os preconceitos e mitos raciais tentando-se corrigir as condições que lhes dão origem.

O medo é a primeira delas: o medo da guerra, o medo da insegurança econômica, o medo de perder o prestígio pessoal ou de um grupo etc. O preconceito racial continuará a existir no mundo, sob uma forma ou outra, enquanto não existir um maior sentido de segurança pessoal.

Ê necessário que se demonstre o absurdo que representa considerar-se um grupo humano em conjunto como “totalmente bom" ou "totalmente mau". A ciência, os princípios democráticos e os sentimentos de humanidade são uníssonos em rejeitar a condenação de qualquer pessoa por causa de sua raça ou cor ou por estar submetida a um estado de escravidão.

O racismo é muito diferente de uma simples aceitação ou de um estudo científico e objetivo da existência de raças e da atual desigualdade dos grupos humanos.

O racismo envolve a assertiva de que a desigualdade é absoluta e incondicional, i.e., que uma raça é por sua própria natureza superior ou inferior a outras independentemente das condições físicas de seu habitai e de fatores sociais.

Nestes últimos cinqüenta' anos temos visto desenvolver-se um nacionalismo hipertrofiado. Os horrores da guerra e as ansiedades causadas por uma paz armada muito têm contribuído para sua manutenção. A eliminação dos mitos raciais, através da convicção de indivíduos e de grupos, pode exercer uma poderosa influência e proporcionar uma melhor disposição e maior compreensão nas relações entre os homens.
Autor: Wagner Paulon


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