O PATÍBULO DA OVERDOSE (SOBRE A DOSE)



O PATÍBULO DA OVERDOSE (SOBRE A DOSE)
Dr.Wagner Paulon
1975 - 2008

Sob o efeito da droga, a angustia cede seu lugar à paz e ao prazer, mas esse efeito é transitório e sua ausência torna a pedir mais.

Neste caso é correto fazer-se uma diferenciação entre os distintos tipos de droga, pois embora todas possam conduzir ao excesso suicida, algumas delas exercem uma tirania brutal e particular.

"O domínio onde a Cortesã Heroína impera — ou Sua Majestade a Heroína, tão grande é seu poder — não é desses nos quais se pode passear impunemente. Não é um canto ao prazer. Antes de aterrissar nele, apertem seus cintos e parem de fumar. E antes de qualquer coisa, levem em conta que neste trajeto são poucas as possibilidades de retorno" (P. Bensoussan, Qui Sont lês Drogues?).

O sectarismo do dependente à realidade — que é a intolerância à frustração — cresce em proporção direta à satisfação que ele encontra no consumo da droga, até que chega o momento em que a dose ingerida já não brinda o prazer procurado.

A constituição corpórea, que até então foi cúmplice e respondeu, habituou-se e reclama uma dose maior.

A constituição corpórea, que na etapa pré-dependência determinou o espaço da incerteza e no momento da dependência foi o terreno da experiência paradisíaca, marca agora a margem de sua tolerância e impõe os limites.

O dependente percebe que esse corpo extenuado, que se nega a continuar fornecendo o prazer que se lhe exige, é o seu, que ele é esse corpo destroçado.

Oportunidade conclusiva na qual o dependente sente como própria a realidade de seu corpo, através da fantasia de onipotência e incorporeidade que o seduziu durante toda a etapa de crescimento de sua toxicomania.

Emudecer esse "instrumento", que se nega a morrer em silêncio, exige que se o dobre, e nessa última tentativa de desagregar-se de seu próprio corpo, ele recorre à overdose.

O ensaio de refrear o corpo pela overdose equivale ao desejo — ou por outra, à necessidade — de continuar ignorando a evidência do fracasso que o levou à opção dependente da droga.

O dependente precisa provar a esse corpo, que agora se impõe como seu, que ele está equivocado, que é possível transgredir o limite da tolerância sem que exista o risco.

Afinal de contas — acha o dependente à droga — a tragédia do corpo é dele e não sua; que não imponha seu limite, senão será rebaixado. Aqui o corpo já está dissociado, é um outro, mas não considerado como um outro, mas sim como algo assim como "a lata de lixo", um lugar onde se depositar os dejetos.

Seu delírio de independência, centralizada nessa realidade física que é ele próprio, sucumbe quando resolve agredir e desafiar o corpo que resiste. Melhor que aceitar sua resistência, é matá-lo, sem perceber que significa matar-se a si próprio, suicidar-se.

O assalto ao próprio corpo, efetuado pelo dependente, é também um ataque à sua mãe. Transcender o corpo como limite significa obter a independência da corporeidade materna, à qual o dependente, em sua fantasia delirante, se acha fundido.

O dependente não pode romper com a dependência e esta, ao longo de sua vida, assume diferentes formas, todas postas ao serviço do objetivo de fazer fracassar toda tentativa de auto-reconhecimento consciente.

Como solidão máxima, a morte é o fim da solidão; perante a dor da incerteza, a morte é o fim de toda angústia e toda frustração.

O dependente, já perdida a complacência de seu corpo, que respondendo ao estímulo da droga o protegia do medo de perecer, entende que a própria morte é o tóxico mais eficaz contra esse temor.

O dependente chega à overdose, que é o suicídio, como corolário de um caminho de aniquilamento empreendido tempos atrás e procurando defender-se do perigo mais temido, que é o enfrentamento violento da desintegração total e psicótica de seu Eu. Por medo da morte, ele se mata.
Autor: Wagner Paulon


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