"Música" nordestina do mal



“Beber, cair e levantar”. “Chupa, chupa, chupa que é de uva”, “Toma gostosa, lapada na rachada”... Quem nunca ouviu ao menos quatro desses refrões ou não mora em cidades nordestinas ou vive como bicho-do-mato há muito tempo. Ultrapassando todos os limites da tolerância musical e do bom senso, músicas(?) como as que portam esses bordões terminaram fazendo (cocô n)a cabeça de uma metade da juventude e a irritação da outra metade. Uma verdadeira horda musical com dezenas de bandas de “forró” estilizado está incendiando (no mau sentido) o estilo de vida de muitos jovens e despertando polvorosa nos fãs do forró legítimo e decente e naqueles que não queriam ver a música como instrumento de corrupção cultural.

A verdade é que alguns estilos musicais tornaram-se nos últimos anos verdadeiras hordas de imundície cultural trazendo o que há de mais pernicioso e imundo para a já combalida mentalidade juvenil das principais cidades nordestinas. Entre os estilos, destaco aqui no artigo aquilo que chamam de “forró” estilizado e que eu prefiro chamar de “Ritmo Nordestino Estilizado Imundo” (RINEI), visto que dificilmente usam algum instrumento forrozeiro original (como sanfona) e não fazem jus a pertencer ao mesmo tronco musical do forró cultural, o qual eu respeito profundamente. Quando analisamos as letras, passamos a ter uma idéia de como essas “músicas” estão desviando a juventude para um hedonismo autodestrutivo e irresponsável de forma tão bem-sucedida. É de fazer um cristão de igreja dizer “esses ‘forrozeiros’ vieram do inferno!”. Abaixo digo cada uma das características que fazem do RINEI a nojeira anticultural que é, aspectos que fazem parte da maioria das letras (não todas) que marcam o estilo atualmente.

1. Pornofonia (pornografia transmitida pela música): ao lado da “alcoolmania”, é uma das duas características sujas mais freqüentes no RINEI. Quem trabalha e/ou estuda fica obrigado pelos carros com som possante a ouvir os mais diversos apelos eróticos nas músicas. Os exemplos mais em voga podem ser lembrados por bordões e expressões como “chupa, chupa, chupa que é de uva”, “caminhão de prostitutas” (na verdade o termo certo é outro), “tome, tome, tome/ tome, tome, tome”, “lapada na rachada“. A pornografia em tais expressões ora pode ser camuflada com alguma palavra de duplo sentido ora pode aparecer explícita e escancarada. E há também os gemidos de vocalistas femininas em algumas “músicas”. Refrões sexuais e gemidos eróticos são convites óbvios aos jovens de hormônios exaltados para o sexo – tristemente o sexo irresponsável, aquele mesmo que engravida adolescentes e propaga doenças sexualmente transmissíveis. Depois reclamam que a gravidez juvenil, os abortos clandestinos e a transmissão de DSTs estão explodindo pela região. Sem falar também na corrupção de mentes mais suscetíveis cujos donos se tornam devassos em seu comportamento, brincadeiras e relações com colegas e quase que só pensam em sexo em certos momentos, mesmo quando falam com quem odeia o RINEI.

2. Apelo erótico visual em shows: Vocalistas e dançarinas de RINEI, sempre com corpos “gostosos”, ajudam no apelo erótico de suas “músicas” trajando shortinhos minúsculos, microssaias e tops que cobrem apenas os bicos dos seios, dançando como num ritual de sedução e acasalamento e, em casos mais rudes, esfregando-se nos homens companheiros da banda que está tocando. Tem o mesmo intuito de incitar o tesão e a ferveção por sexo na platéia, com as mesmas conseqüências ditas acima.

3. Exaltação da prostituição: Primeiro, não tenho nada contra a prostituição e respeito quem gosta, mas um pouco de empatia vai nos mostrar que nem todos os nordestinos admiram que se toque som alto exaltando o que muitos consideram uma imoralidade e afronta à decência. Nem todo mundo é obrigado a achar bom que o carro saia por aí tocando sobre o “caminhão de prostitutas” ou mandando o cabaré “pegar fogo”. Pra muitos, especialmente religiosos, prostituição é indecência e desrespeito, e essas pessoas não têm o dever de engolir o que acham pecaminoso e/ou imoral. Segundo, note que o RINEI explora sempre a prostituição feminina, jamais a masculina, em letras que agradam apenas aos rapazes e excluem garotas que são também fãs de tal ritmo e que gostariam de pensar em prostitutos. Um claro ato de machismo vindo de bandas imorais e misóginas, ponto que abordo logo abaixo.

4. Misoginia, redução da mulher a objeto sexual: Anda de mãos dadas com a pornofonia e o apelo prostitucional. As mulheres, mesmo sem serem prostitutas, em muitas letras, são reduzidas a concubinas de sexo dos “garanhões” homenageados, como sendo “cachorrinhas” ou outros termos. Repito o fato de que a prostituição exaltada nas letras é sempre a feminina. Além disso, as mulheres são sempre a “carga” da caminhonete do estilizeiro (“forrozeiro” estilizado), nunca, mas nunca mesmo, o contrário. Lembremos da História Antiga, marcada pela redução de inúmeras mulheres a propriedades sexuais de função reprodutiva – sendo o termo “concubinas” um eufemismo – da nobreza, e comparemos com o que o RINEI exalta hoje. A conclusão é que o que chamam de “forró” estilizado consegue ser mais ou menos pior do que aquela época, pois, se outrora as concubinas eram escravas que serviam de adorno sexual e eram mantidas juntas ao nobre até a morte dele, hoje as mulheres adornam por livre vontade o “catador de minas” e, sendo livres, são descartadas por ele, não sendo raro que a gravidez apareça como conseqüência, muitas vezes com a renegação do filho indesejado pelo que se fez pai biológico.

5. Machismo, exaltação do “garanhão” que “cata todas”: Quem usa mais garotas como objetos de adorno tem sua “classe” homenageada pelas letras do estilizado. Reitera-se a coisificação do lado feminino e nota-se o supremacismo masculino. A cultura de o homem ser o maioral com todo o direito sobre as mulheres e estas deverem ser passivas em tudo é perpetuada em tempos de estágio avançado de evolução da afirmação feminina. Como conseqüência, uma discriminação bárbara se propaga: ai de quem quiser imitar o homem – que é visto como garanhão, garantido, machão, gostosão, etc. – e procurar vários rapazes para “catar”: ao contrário do “pegador” glorificado, a “pegadora” será vista como vagabunda, devassa e outros termos impróprios para este artigo.

6. Infidelidade e traição: Outras constantes nas letras do RINEI, fazem parte do ritual hedonista seguido pela maioria dos estilizeiros nos shows. Gente com namorado(a) muito freqüentemente é vista “corneando” o(a) parceiro(a) nas ficadas pelos shows, às escondidas dele(a), até porque dificilmente um casal vai junto para tais eventos. Não há estatística disponível para isso, mas a realidade ensina que uma parte no mínimo muito significativa de apreciadores assíduos do ritmo já traiu mais de uma vez. Fidelidade? O que é isso? O negócio é beber, catar e rap...gar! E falando em beber...

7. Exaltação do álcool: Cerveja e cachaça são as bebidas sagradas de quem adora o RINEI. A ordem, mais explícita impossível, é beber até se embriagar, não importa as conseqüências. Só para se ter uma idéia, duas das “músicas” mais tocadas nos últimos meses nas capitais nordestinas são intituladas “Beber, cair e levantar” e “Piri-piri, vamo[sic] beber”. Quem sai ganhando com essa safadeza são as fabricantes de bebidas alcoólicas e os donos de bares. E depois aparecem não sei quantas estatísticas atentando ao aumento dos acidentes envolvendo motoristas embriagados e ao da violência doméstica protagonizada por bêbados violentos. Até o momento, o placar RINEI x Ética e Responsabilidade está em 7 a 0 para a música maldita.

8. Apologia às vaquejadas: Começo definindo, para quem não conhece, essa barbárie chamada vaquejada: explícito espetáculo de sadismo humano contra animais, em que vaqueiros, ignorantes e sem nenhum pingo de compaixão por seres dotados de movimento que não sejam humanos, se divertem perseguindo e derrubando violentamente bois desesperados e golpeando seus cavalos com esporas em forma de moedas. Os estilizeiros mandam o respeito aos animais e a Lei de Crimes Ambientais às favas e, lotando os shows de “música” – encabeçados adivinhem por quem... por bandas de RINEI! – que sucedem os de horror e violência lotam os cofres dos diabólicos organizadores de vaquejadas, donos das arenas e pecuaristas que cedem seus animais escravos a esses fatídicos eventos. Além do fato de que uma quantidade razoável de “canções” desse ritmo exalta a brutalidade e insanidade travestidas de “cultura”, “vigor” e “virilidade”. RINEI 8 x 0 Ética e Responsabilidade.

Goleada acachapante sobre a moralidade e o respeito. Os “torcedores” do “time” vencedor saem do estádio e, como hordas de Mongóis embriagados, aniquilam selvagemmente tudo o que vêem pela frente: famílias, namoros, casamentos, juventude, saúde, dignidade, amor, respeito...

Juntando os cacos da devastação, podemos relatar muitos estragos, contabilizados ou não: perda de vidas humanas e de carros por bêbados que dirigiam, famílias arrasadas por jovens embriagados, namoros e casamentos destruídos por quem fez da “traição rápida” uma rotina, danos materiais por bêbados vândalos, animais seriamente feridos e atordoados por vaqueiros, mortes em clínicas clandestinas de aborto e, no caso de quem não abortou, nascimento de inúmeras crianças fadadas a uma vida infeliz por terem sido indesejadas. Além de tudo, a cultura juvenil do Nordeste também sofre severas feridas e hematomas, com a corrupção de inúmeros valores morais, a devastação da reputação do Forró nordestino propriamente dito e a propagação de uma poderosa alienação cultural em pessoas de mentalidade fraca que se deixam influenciar pela aberração do RINEI.

Há sim, entretanto, apesar de tamanho potencial destrutivo, jovens que apreciam a nojeira mas em pouco ou nada se deixam influenciar por ela. São pessoas de cabeça feita, de mentalidade mais consolidada. Mas é uma pena que seja uma minoria dos estilizeiros difícil de se encontrar, uma vez que é imensa a quantidade destes que no mínimo bebem muito nos “forrós”. É quase impossível achar um fã do ritmo estilizado que não beba nem traia nem encha os cofres de vaquejadas – resumindo, não leve nem um pouco “a sério” as abomináveis letras daquilo –, porque quem não tem nenhum desses hábitos não está no público-alvo dos músicos irresponsáveis.

Uma pessoa de ideologia autoritária defenderia a censura imediata do RINEI, mas, como eu não sou dessa laia, não o faço. Seriam de bom grado, no entanto, medidas que visassem disciplinar essa libertinagem e irresponsabilidade que insistem em querer “estuprar” a cultura e os ouvidos de quem odeia o ritmo e suas letras imundas, tais como proibição de menores de 18 anos em shows que tenham pelo menos uma banda de baixaria renomada e lançamento de uma associação musical de bandas voluntárias que visasse o estímulo à decência e desencorajamento da libertinagem de letras. Só algo do tipo, ou a consolidação da decadência do gênero, que ainda deve demorar alguns anos para acontecer, pode deter a horda anticultural diabólica do Ritmo Nordestino Estilizado Imundo, chamado vulgarmente de “‘forró’ estilizado”, e iniciar uma reconstrução cultural da parte da juventude que se corrompeu. E coitado do Forró verdadeiro, que canta o amor, o sertão e as belezas da vida, que tem que ver sua nêmese regional roubar o seu nome “forró” e ocupar a hegemonia de todos os redutos de civilização onde o ritmo decente, acompanhado de bandas de leve estilização ainda respeitáveis, predominava.
Autor: Robson Fernando


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