A Magia do Crachá



Jerônimo Mendes
Administrador, Consultor e Palestrante
Autor de Oh, Mundo Cãoporativo! (Qualitymark) e Benditas Muletas (Vozes)
Mestre em Organizações e Desenvolvimento Local pela UNIFAE

Em cinco dias por semana, quatro semanas por mês ou onze meses por ano, no mínimo, milhares de profissionais seguem para o trabalho munidos do seu maravilhoso crachá. Um profissional que se preze pode perder o ônibus, o café da manhã, a carteira de documentos, o horário de trabalho, mas nunca deve ser tão avoado ao ponto de perder o crachá.

Quando isso ocorre a regra é dura, sobra cara feia, advertência e em muitas empresas o sujeito não consegue nem se dirigir ao local de trabalho para se justificar, pois existe sempre alguém na área que jamais esquece o crachá e faz questão de dedurar o sujeito antes mesmo de ele se apresentar ao chefe, apenas para provocar o constrangimento e rir um pouco da desgraça alheia.

Em 2008 faz exatamente trinta anos que eu consegui o meu primeiro crachá. O primeiro, como se sabe, a gente nunca esquece. Na época eu tinha mais cabelo, mais energia, mais vontade de usá-lo e o salário mínimo era suficiente para pagar as contas. Com o tempo fiquei mais independente, mais maduro e aos poucos fui aprendendo a separar a vida pessoal da vida profissional. Entretanto, o crachá nos persegue ainda que sejamos cidadãos comuns, empregados, desempregados ou empresários, pois poucos lugares permitem acesso sem o famigerado crachá.

O crachá é um dos mais poderosos instrumentos de inclusão social criados pela sociedade moderna. Para muitas pessoas é sinônimo de dignidade, de esperança e de status, principalmente em cidades menores do interior onde a fonte de sobrevivência da maioria depende da existência de uma única empresa.

De acordo com a professora Maria Schirato, autora de O Feitiço das Organizações, “o crachá é a superposição da identidade e, em alguns casos, a substituição pura e simples da identidade original.” A crachá representa poder, segurança, hierarquia, salário, férias, descanso semanal remunerado, benefícios de toda ordem. Sem crachá você não é nada ou, pelo menos, querem que você pense assim para que se dedique mais ao trabalho e esqueça o restante.

Ao perder o crachá você perde também o plano de saúde, o auxílio combustível, o vale refeição e o convênio-farmácia. E por fim, perde o sobrenome da empresa quando você já nem lembra mais qual é o seu, por todas as vezes que você atendia ao telefone e repetia com ar de superioridade: Jerônimo da Klabin, Jerônimo da Brahma, Jerônimo da Texaco, Jerônimo da Volvo e assim por diante.

Na minha cidade de origem, o crachá substituía facilmente a famosa carteira de identidade, também conhecida como RG, e ainda substitui. Qualquer estabelecimento do comércio local dispensava o RG, desde que você apresentasse o crachá da maior e mais conhecida empresa da cidade. O crachá era um documento vivo. Um dia de registro em carteira era mais do que suficiente para conseguir um bom limite de crédito, em qualquer loja e em qualquer banco.

Quando eu me lembro do primeiro crachá, desperta uma ponta de orgulho. Está comigo até hoje, mas não me pergunte o motivo. Talvez seja uma espécie de saudosismo ou de nostalgia, pois continua intacto na minha caixa de lembranças do passado. A simbiose das pessoas com o crachá é uma coisa mágica, inexplicável, uma alternância entre amor e ódio.

Durante muitas décadas, a cultura do crachá fez do ser humano um perfeito submisso e, em muitos casos, continua fazendo. Por um crachá e um pouco de dignidade, muitos dobram o turno, sacrificam a saúde, ignoram a família, se afastam dos amigos, se transformam em alguém que nunca foram e aos poucos vão abrindo mão dos seus projetos pessoais. Qual a razão para isso?

Existem várias razões, porém antes quero compartilhar uma história que aconteceu comigo em 2004, depois da minha primeira e última demissão na vida. No dia seguinte tomei coragem e comecei a refazer o contato com os amigos, clientes e fornecedores para não perdê-los de vista e conseguir uma recolocação no mercado de trabalho o mais breve possível.

Eu precisava reconstruir o caminho e telefonei para um dos escritórios de advocacia que prestava serviços para a empresa onde eu trabalhei até o dia anterior, com o qual eu mantinha um ótimo relacionamento profissional, a fim de marcar uma visita para entregar o currículo e dizer que permanecia vivo, apesar do susto. Adivinhe qual foi a primeira pergunta da secretária: Jerônimo de onde?

Na hora eu fiquei desconcertado, afinal, ela falava comigo quase todos os dias, mas agüentei firme e, com o orgulho ferido, evitei repetir o nome da empresa. - Jerônimo, de Curitiba mesmo – retruquei com vontade. – Sim, mas de qual empresa? Insistiu a moça.
Ah, meu pai do céu! Pensei rápido e devolvi com presença de espírito: - da JM Corporation. - Um instante, por favor – devolveu a secretária e em seguida fui atendido. Acredite se quiser, é a mais pura verdade. Eu gostaria de saber quem foi o infeliz que condicionou o fato de que você deve ser de alguma empresa para ser atendido ao telefone, mas isso não muda a realidade do mundo corporativo.

A utilidade do crachá está diretamente relacionada com a Hierarquia das Necessidades de Maslow, o psicólogo nova-iorquino que estudou e hierarquizou as necessidades do ser humano em diferentes camadas, de acordo com a evolução ao longo de sua existência. Infelizmente, menos de um terço da humanidade passa do primeiro estágio, o de ter apenas as necessidades fisiológicas atendidas, dentre elas a fome e, portanto, sobrevive em condições precárias.

De tudo o que aconteceu ficou a seguinte lição: a segurança que o ser humano tanto busca jamais será encontrada nos crachás ou nos cartões de visita. O crachá é apenas um símbolo, um procedimento, um vínculo que termina no mesmo dia em que o profissional é encaminhado para o RH a fim de assinar a rescisão do contrato de trabalho. Para muitos, trata-se de um rito de passagem e ainda que lhes proporcione o mínimo de dignidade, jamais poderá assumir o papel da carteira de identidade, muito menos o sobrenome de alguém.

O nome e o sobrenome são os bens mais valiosos de uma pessoa. Você pode estar perdido no deserto ou na multidão, desiludido ou deprimido, mas se alguém gritar por eles, o semblante muda, os olhos brilham e, provavelmente, um largo sorriso se abre. São os únicos bens que não lhe podem ser tirados.

Por fim, se o crachá for a sua única esperança de vida, você jamais a terá. A verdadeira esperança consiste numa reserva de sabedoria, de experiência e de competência, pois ainda que o crachá seja útil e valioso por um determinado período de tempo, ele nunca será capaz de substituir a força do seu nome, o valor da sua dedicação e a singularidade da sua existência. Segundo Nietzsche, o grande pensador alemão, “só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos”. Pense nisso e seja feliz!
Autor: Jeronimo Mendes


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