Guia explicativo sobre os ateus



Os ateus são uma das minorias mais discriminadas no Brasil e no mundo, rejeitados por não acreditarem nos deuses que bilhões de pessoas consideram como indiscutivelmente reais. Ateísmo é visto em muitos países até como crime punível com a morte. No Brasil, felizmente a lei os protege, mas não impede as freqüentes demonstrações de preconceito por parte da maioria da população adepta de religiões. Uma revista de circulação nacional – cujo nome não merece ser revelado por certos motivos – publicou há não muito tempo uma pesquisa que denunciava que apenas 13% dos brasileiros votariam em um ateu para presidente. Tendo essa marginalização cultural em vista, conveio elaborar um guia explicativo esclarecendo as verdades esclarecidas sobre o ateu e seus verdadeiros pensamentos. Por que um ateu é ateu? É verdade que ateus são imorais e não enxergam sentido na vida? É qualquer um que tem o poder de abolir sua crença em deuses? Por que pensam de forma tão crítica sobre religião? Perguntas como estas são respondidas abaixo.

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ÍNDICE

Os porquês de ser ateu
Derrubando dez mitos sobre os ateus
Virar ateu faz bem?
Por que a maioria dos ateus critica tanto religiões como o cristianismo
Opinião ateísta sobre liberdade religiosa e abusos da mesma
Tópicos complementares:
- Ateus contra a tirania
- Pseudo-ateus
- Ateus fanáticos

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OS PORQUÊS DE SER ATEU

A imensa maioria dos teístas se recusa a entender, mas os ateus possuem diversos motivos que fundamentam sua recusa de aceitar a crença em qualquer divindade. Há abaixo sete grandes razões, mas muitos descrentes afirmam possuir várias outras:

1. Seguindo a lógica da comparação de religiões, torna-se virtualmente impossível descobrir se existe uma religião verdadeira, por diversos motivos, dos quais se destacam:

a) Muitas religiões copiam ou incorporam elementos (incluindo deuses e modelos de divindade e mitos) de crenças mais antigas. Os exemplos mais identificáveis com a civilização ocidental são:
- a mitologia romana, que, de ter absorvido tantos elementos gregos na integração cultural com a Magna Grécia (colônias gregas na Península Itálica e da Sicília), gera a falsa idéia de que o único ponto em que difere da religião helênica é o nome dos deuses;
- e o próprio cristianismo católico, possuidor de muitos pontos assimilados de culturas pagãs mediterrâneas e mesopotâmicas. Deduz-se que a intenção da ascendente Igreja era facilitar a conversão dos politeístas, uma vez que suas tradições e identidade culturais não seriam tão abruptamente quebradas e o impacto do “tsunami” cristão seria suavizado. Exemplos são: a) os santos, com poderes de semideus, atributos funcionais de divindades coadjuvantes (santo do casamento, santo das causas impossíveis, santo dos padeiros, santo do comércio, etc.), função de patronato sagrado de lugares (assim como Athena era a deusa padroeira de Atenas e Marduk era o deus protetor da cidade da Babilônia, São Sebastião é o padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e Nossa Senhora do Carmo é a de Recife) e dias de homenagem reservada (como o 24 de junho dedicado a São João); b) a presença de uma trindade suprema – Pai, Filho e Espírito Santo –, elemento muito comum nas mais diversas religiões (Zeus, Poseidon e Hades; Ra, Ísis e Osíris; Brahma, Vishnu e Shiva; Odin, Thor e Freyr; etc.); c) uma personagem maternal sagrada – a Virgem Maria – possuidora de muitas características de certas deusas e personalidades pagãs, como a fecundidade divina, a gravidez virginal e o atributo de “Rainha do Universo”.
Como confiar numa religião que, ao mesmo tempo em que se julga a única verdadeira, absorveu para si elementos de muitas das próprias crenças acusadas por ela como falsas?

b) A maioria das religiões costuma ter crenças mutuamente excludentes e considera-se individualmente portadora das “únicas verdades absolutas”. Mesmo quando possuem elementos-raiz em comum, a exemplo das religiões cultivadas pelos povos indo-europeus, sua superposição em uma realidade única é inviável. É impossível, por exemplo, que Odin, Oxalá e Javé; Asgard, o Olimpo e o Céu cristão; as cosmogonias egípcia, asteca e judaica; Jesus, Hércules, Krishna e Cú-chulainn (herói lendário celta); sejam simultaneamente verdadeiros e reais. Uma vez que duas mitologias não podem existir ao mesmo tempo na mesma realidade, fica a constatação de que só é possível escolher uma. Mas a questão é: como descobrir qual é a real? Como ter êxito ao se lançar na tentativa-e-erro diante de uma lista de MILHARES de mitologias que constam nos registros históricos dos últimos 10 mil anos da humanidade? O que faz uma ser mais provável do que outra?

c) Fora das narrativas mitológicas, deuses de uma religião são totalmente inócuos contra fiéis de outras crenças. Por exemplo, cristãos nunca sofreram punições dos deuses astecas – mesmo quando foram responsáveis pelo extermínio das suas mais fiéis criaturas –; o deus cristão jamais puniu hindus, xintoístas, animistas, neopagãos, etc. por sua fé em deuses “falsos” e episódios ocasionais de rejeição convicta de sua existência como deus único; os deuses maias jamais tocaram um dedo nos índios norte-americanos por sua descrença neles; as divindades da provável religião proto-indo-européia têm sua “existência” ignorada por toda a humanidade atual e nunca fizeram nada com ninguém por isso.

2. Não existem provas da existência de qualquer deus, entidade sobrenatural ou mito descritos por qualquer religião. Fontes científicas confiáveis encontram com grande freqüência provas que anulam ou inviabilizam a quase totalidade das “teorias” escritas nos mitos religiosos. Por exemplo: o Sol não é um deus, mas apenas uma entre 10²² estrelas estimativamente existentes no Universo; a Geologia e a Astronomia provaram que a Terra surgiu há 4,5 bilhões de anos, e não há menos de seis mil como o criacionismo bíblico (considerando a “teoria da Terra Jovem”) narra; fósseis comprovam que não surgimos de um único casal gerado por abiogênese divinamente controlada, mas sim de muitas gerações de milhões de primatas hominídeos ao longo de milhões de anos. Supostas comprovações de teorias criacionistas e da existência de, por exemplo, espíritos, fantasmas e demônios sempre são rapidamente desmascaradas como pseudocientíficas e/ou forjadas. Afirmações do tipo “se Deus não existisse, nada existiria” ou “sentindo o amor, você sente Deus” não são consideradas pelos descrentes por poderem ser aplicadas a qualquer divindade – por exemplo, o sentimento do amor tanto poderia ser atribuído a Jeová como a Afrodite, a Freyja ou à Deusa-Mãe, e a existência do mundo pode ser um fato atribuído à existência tanto de um como de muitos deuses associados. Como, ao mesmo tempo em que não existem evidências confiáveis da existência ou veracidade de nenhum deus, mito ou entidade sobrenatural diversa, as descobertas científicas indicam exatamente o contrário – embora a ciência não tenha o compromisso de comprovar que uma mitologia fala ou não a verdade –, o mais lógico seria não crer em nenhum deles.

3. Fé x Razão: os ateus são predominantemente guiados pela Razão e pela Lógica e seu conhecimento é provido pela ciência, em vez de porem sua orientação psicológica e suas convicções sobre a realidade na guarida do sentimento de fé. Fé existe em todas as religiões, e fés religiosas se chocam em quase todos os casos. O único fator que ainda dá ao religioso a certeza de que deus(es) existe(m) e seu(s) livro(s) sagrado(s) é(são) verdadeiro(s) e confiável(is) é a fé, quando os frágeis argumentos de defesa da veracidade da religião e as supostas provas “científicas” pró-religiosas, normalmente forjadas por métodos desonestos e pseudocientíficos, são derrubados pela argumentação racional, científica e lógica. Os ateus, quando hipoteticamente querem pensar sobre ter fé, imediatamente indagam: que fé sentir? Qual fé religiosa dá a genuína “comprovação” da verdade absoluta? Ao contrário da maioria dos religiosos, eles não dividem o panorama de “concorrência” apenas entre, por exemplo, cristãos e ateus, mas sim entre cristãos, muçulmanos, budistas, astecas, celtas, asatruares, hindus, xintoístas, maias, judeus, yorubás, zoroastras... e ateus.

4. Se religiões em geral não são convincentes como convicções de vida pelos ateus, a crença em algumas delas se faz até intragável, pela presença de muitas contradições e absurdos em seu(s) livro(s) sagrado(s). Como aceitar, por exemplo, um deus que legisla a favor da homofobia, misoginia e intolerância ou uma religião cujo livro sagrado prega ao mesmo tempo dois ensinamentos exatamente opostos? O exemplo clássico na civilização ocidental é a Bíblia cristã, que se trata da compilação de várias escrituras feitas ao longo de séculos nas Idades do Bronze e do Ferro do Oriente Médio. Como a maior parte da doutrina cristã encontra pontos em comum nos diversos sub-livros integrantes da Bíblia, há a consistência de livro unificado, o que lhe confere a unidade, mas já está comprovada a existência de no mínimo centenas de passagens contraditórias ou consistidas na crueldade e no absurdo moral dentro dela.

Eis alguns poucos exemplos de contradições, que são apenas uma ponta de iceberg mas já tocam questões fundamentais da filosofia e mitologia cristã:
a) Deus sabe ou não o que se passa no “coração” de cada pessoa? Salmos 44:21 e Atos 01:24 alegam que ele sabe sim, mas Deuteronômio 13:03 e II Crônicas 32:21 relatam passagens em que precisou testar os fiéis para saber o que se passava em seus “corações”;
b) Os mortos estão conscientes ou não? Eclesiastes 09:10 e Salmos 06:05 dizem claramente que não, mas Mateus 17:02,03 e Lucas 19:22,23 desmentem e descrevem pessoas conscientes no além.
c) Predestinação ou livre-arbítrio? Efésios 01:05 e Provérbios 16:08 falam que o homem já nasce predestinado à salvação ou à perdição. Mas II Pedro 03:09 e Ezequiel 18:23 demonstram a existência do livre-arbítrio, em que a pessoa escolherá caminhos que podem levá-la ora a ser salva ora a “cair”.

Absurdos éticos também estão presentes em grande quantidade. A mesma Bíblia que nos convida a “amar uns aos outros“ e “promover a paz” possui passagens como essas:
a) Em Mateus 10:34, Jesus afirma que “não veio trazer paz, mas espada”. Se interpretado ao pé da letra, o versículo denuncia um Cristo belicoso. Numa interpretação metafórica um tanto forçada, significa uma convocação de “guerra espiritual” às sociedades da época e uma ordem de converter os gentios (pagãos). Então nos vemos diante de duas perniciosidades: ora é uma orientação divina à guerra ora demonstra intolerância religiosa – algo cujo poder maligno todo ateu conhece – e disposição de quebrar a identidade cultural dos povos.
b) Êxodo 15:3, Salmos 144:1, Joel 3:9 e I Crônicas 5:22 são exemplos de passagens em que Deus claramente incita a guerra – com o detalhe de que entram em contradição com tantos outros versículos que dão ao mesmo deus o dom de promover a paz. Guerra, como qualquer pessoa sã sabe, é algo hoje considerado no mínimo abominável, reprovável e que ninguém de boa índole pensa em praticar, exceto em casos de defesa contra uma agressão militar vinda de outra nação.
c) Levítico 25:44-46, trecho da antiga lei outorgada por Deus aos hebreus, regulamenta claramente a escravidão em sua terra. O que dizer da escravidão hoje, fora que é crime em todo o mundo exceto em alguns rincões muito atrasados?

Nenhum ateu considera escrituras tão contraditórias e absurdas assim “palavras sagradas”. Além do mais, é relevante notar que todas as denominações cristãs rejeitam inconscientemente partes da própria Bíblia, uma vez que, como já dito, muitas questões filosóficas fundamentais encontram doutrinas diametralmente opostas, e isso, como seria de se esperar, já causou e ainda causa inúmeros conflitos entre cristãos de denominações diferentes e acusações mútuas de “heresia”.

Outras religiões também possuem contradições e incorreções em suas escrituras, mas no Brasil não há relatórios facilmente disponíveis ou mesmo prioridade de estudo para apontá-las, até porque não haveria utilidade prática em denunciar, por exemplo, possíveis contradições no Bhagavad Gita num país onde menos de cinco mil pessoas se declaram hindus e estão muito longe de ambicionar poder político e hegemonia cultural. Para a rejeição da adesão a religiões não-cristãs pelos ateus, pesam os demais argumentos desta seção.

5. A ciência já desvendou a maior parte das questões de explicação dos aspectos naturais em detrimento das milhares de teorias mitológicas. Antes dela, desde a Pré-História, entidades sobrenaturais e narrativas mitológicas eram – e ainda são muito – utilizadas para “explicar” os aspectos da vida, da natureza e da filosofia. Fenômenos como raios, chuvas, arco-íris, eclipses, terremotos e erupções vulcânicas eram – e, por inacreditável que pareça, em muitos lugares de educação científica débil ainda são – atribuídos a sentimentos de deuses. A origem do mundo e da vida é explicada pelos mitos de cosmogonia. Dilemas como o sentido da vida e a continuidade ou não da existência após a morte são “solucionados” na maioria das religiões pela existência de mundos paralelos fantásticos (habitados por deuses bons, heróis e almas de pessoas boas) ou abomináveis (habitados por deuses maus, entidades demoníacas e almas de pessoas ruins condenadas pelo julgamento divino). Também não podemos deixar de pensar aqui nos espíritos, que a maioria das religiões descreve como corpos etéreis e eternos que dão continuidade à vida quando o corpo orgânico falece. A religião dá respostas simples, acalentadoras e fantasiosas a questões muito complexas.

Hoje a ciência está evoluída a ponto que a maioria das questões que as religiões fantasia(va)m já foi desvendada por ela. Hoje sabe-se que chuvas, raios e arco-íris são fenômenos meteorológicos cujos mecanismos aprendemos ainda no Ensino Fundamental 1. Já sabemos a verdadeira mecânica das erupções vulcânicas e dos terremotos graças à Geologia e à Física. Os eclipses são explicados a nós pela Astronomia desde os nossos nove anos de idade. Os deuses foram suplantados pela fenomenologia científica. Já questões como o sentido da vida e o destino dos seres após a morte ainda são lacunas que a ciência e a filosofia da Razão ainda estão longe de preencher. Reparemos que são justamente essas poderosas incógnitas que ainda mantêm as religiões fortes hoje. Quanto aos espíritos, jamais tivemos evidências científicas e laicas da sua existência, tudo o que há hoje de “provas” deles são fotomontagens, mirabolâncias pseudocientíficas e relatos não confiáveis de pessoas religiosas ou fãs de livros e filmes envolvendo essas entidades, então simplesmente desconsideramos sua existência. Os ateus, ou pelo menos a maioria deles, consideram que o único destino que há depois da morte é o nada, a inexistência. Isso não impede que alguns ainda creiam que o ser pode “voltar da inexistência”, voltar a existir na forma de outro ser vivo (reencarnação não-espiritual de existência) em lugar qualquer do universo – ou mesmo em outra dimensão –, do mesmo jeito que nossa existência veio desse nada. Mas é uma questão que não dá para refutar ainda, só teremos algum esboço das primeiras idéias sobre pós-morte quando tivermos tecnologia suficiente para preservar totalmente um cadáver e induzi-lo à reanimação. No final, a hipótese mais lógica do pós-morte é a de que o ser vivo simplesmente deixa de existir, torna-se um nada, eternamente inconsciente. É a hipótese do “morreu, acabou”, que nos instiga a viver melhor nossa vida, aproveitarmo-la ao máximo.

6. O interessante é que deuses ou espíritos de determinada mitologia só atuam nas regiões onde são venerados ou conhecidos. Não há, por exemplo, relatos de proezas de Javé na América pré-colombiana, narrativas de atuações dos Kami japoneses na África, vestígios de cultos a deuses astecas na Europa antiga, registros de presença dos orixás africanos na história dos povos indígenas da América do Norte, testemunhos escritos de aparições de Jesus intencionando “salvar” japoneses, chineses ou maoris antes do século 16. Já alegações da “presença” de entidades cristãs como Nossa Senhora pipocam em grande parte do mundo, mas apenas porque a Igreja Católica conseguiu estender sua dominação cultural aos mais variados rincões do mundo por meios muitas vezes violentos. Retome-se também a letra “c” do motivo nº1.

7. Os ateus encaram a realidade: como, num mundo cheio de fome, miséria, guerras, catástrofes naturais e episódios de extinção majoritária de espécies de seres vivos, num universo onde estrelas incham engolindo planetas – muitos dos quais possuem exuberante diversidade ecológica – e asteróides obliteram grandes aglomerações de vida em planetas e satélites, ainda dá para ter certeza de que há um ou mais deuses onipotentemente bondosos, misericordiosos e cheios de amor tomando conta da humanidade, da natureza? Alguns alegam a surrada desculpa do livre-arbítrio, então é de se perguntar também: e os animais de espécies extintas, as crianças vítimas de câncer, os civis mortos em guerras, as pessoas inocentes vítimas de desastres geológicos ou meteorológicos, que livre-arbítrio eles tiveram? Quem é que vai acreditar num “deus protetor das florestas” numa época em que menos de 1% das florestas da Antiguidade resiste na Europa e a Mata Atlântica no Brasil está reduzida a menos de 10% da extensão original? E eis uma terceira pergunta que não quer calar de jeito nenhum: por que Deus, os Deuses ou os Espíritos permitem a existência do atual sistema mundial de mega-zôo-genocídios e exploração sistemática de bichos domesticados? Os animais não-humanos também não têm direito a proteção divina? Diante dessa dura realidade, é até uma infantilidade continuar tendo convicção de que deuses pessoais onipotentemente bondosos e bem-sucedidos em sua guarda de pessoas existem.

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DERRUBANDO DEZ MITOS SOBRE OS ATEUS

É necessário observar que as refutações abrangem apenas os ateus convictos, de entendimento racional e científico das coisas. Não estão incluídos pseudo-ateus, “descrentes de fim-de-semana” que dizem coisas do tipo “se eu não passar no vestibular, deixo de crer em Deus” e já se acham verdadeiros ateus quando na verdade estão apenas renegando sua religião por algum motivo passional e demonstrando fé inconvicta.

1. “Ateus são seguidores do demônio.”
Como se pode seguir um demônio quando não se crê em nenhum? Como seguir alguém em cuja existência simplesmente não se acredita? Normalmente quem crê em demônios crê imediatamente em entidades supremas, em deuses que os tais demônios antagonizam. Como o ateu não crê em deuses, não há razão nenhuma que o faça crer nos seus antagonistas malvados. Além do mais, a proferição desse mito dá à pessoa que o ouve o direito de responder algo do tipo “Você está rejeitando os deuses tupis. Está seguindo direitinho o caminho de Anhangá*!”.
*o deus demoníaco da mitologia tupi

2. “Ateus são imorais e não têm consciência de cometimento de crimes.”
Muito pelo contrário, os ateus costumam seguir com zelo as leis humanas, muito mais até do que muitos religiosos que vivem em torno dos preceitos “legais” de sua religião. Como não há a crença em vida após a morte, há uma preocupação mais intensa em viver melhor a vida, com o máximo de proveito e com o mínimo possível de transgressões às normas sociais e leis. A opinião de muitos descrentes é de que fazem o bem porque é certo e benéfico para si e para o próximo e evitam o mal por consciência de que é prejudicial aos mesmos, em oposição a muitos crentes* que seguem a linha de ser bom em vez de mau mais pelo interesse de ser recompensado pela divindade e pelo medo de ser castigado pela mesma. Mais raramente, pesa também o medo de se perder um grande pedaço da vida na cadeia. Um outro argumento, bem mais contundente, é a estatística da população carcerária nos Estados Unidos, a maior do mundo. Algumas estatísticas mostram uma desproporção entre a porcentagem de ateus no país (cerca de 10% da população) e a população ateísta nas prisões (menos de 1%). O que não quer dizer, entretanto, que ateus sejam mais morais e corretos do que religiosos. Mas também não são menos zelosos à lei do que os crentes*.
*Quando digo “crentes”, me refiro a todos que crêem em uma ou mais divindades, e não apenas a evangélicos como é feito pelo senso comum.

3. “Ateus são mais propensos ao suicídio.”
A realidade nos mostra exatamente o contrário. Como já dito, os ateus têm muita paixão pela vida, como sendo ela única e desprovida de sucessão. A maioria dos ateus convictos, que largaram a fé pela Razão e pelo convencimento científico, costuma valorizar muito a vida que têm, dedica-a a produzir o máximo possível de bons frutos e bons legados e a curtir os prazeres oferecidos pelo universo o máximo possível. É ao menos uma razão especial que protege muitos descrentes de pensarem na “alternativa” de “fugir” de uma vida reversivelmente problemática. É certo que o ateísmo, no entanto, não imuniza ninguém contra fraquezas psicológicas ou situações críticas virtualmente irreversíveis que despertam tendências suicidas. Em contrapartida, a religião também não: estatísticas policiais ao redor do mundo mostram que religiões não protegem as pessoas de fraquezas psicológicas que levam ao suicídio; e Durkheim, no final do século 19, mostrava num de seus livros mais importantes que, por motivos envolvendo coesão social, livre-arbítrio e severidade de pecado, protestantes se matavam mais do que católicos, os quais por sua vez se suicidavam mais do que judeus. Nem por isso os mesmos cristãos que acusam repetidamente o ateísmo de facilitar o suicídio aceitam a conversão ao judaísmo.

4. “Ateus são mais infelizes com a vida.”
A primeira parte da refutação do mito anterior serve também para derrubar este, junto com uma análise crítica do padrão de comportamento de muitos religiosos fundamentalistas. A internet está repleta de depoimentos de cristãos controlados por normas bíblicas que impõem censuras infames, por exemplo, à masturbação, ao gosto musical secular, ao uso de roupas ao livre gosto e até à livre leitura. É freqüente ver esse tipo de crentes enfrentando acessos de sufocamento psicológico por causa desse bloqueio a costumes seculares e até a hábitos instintivos naturais, como uma garrafa prestes a estourar por pressão interna. É o caso das conhecidas como “crentes de traseiro quente”. Há também uma indesejada freqüência de depoimentos de mulheres religiosas que, sob determinação “sagrada”, prestam voluntária submissão e auto-humilhação a seus namorados ou maridos, mesmo quando estes lhes provêm uma vida mal-amada. Entre esse tipo de vida cheio de privações – que, a saber, seria de fato a verdadeira orientação de vida dada pela Bíblia, considerando a “imutabilidade da palavra de Deus” – e o usufruto da liberdade secular, é possível deduzir onde há de fato mais infelicidade.

5. “Para os ateus, a vida não tem sentido.”
Reinvocando a desmascaração do mito nº3, lembremos que grande parte dos ateus convictos geralmente são apaixonados pela única vida que possuem, preocupam-se a construir bons legados, bons frutos. E o melhor, sem os interesses da expectativa por recompensas divinas ou o medo de perder pontos com alguma divindade ou ser punido por ela. O sentido de viver varia subjetivamente de um ateu para outro, dependendo da função e condição pessoal de vida que abraçou, mas há os interesses comuns de gerar bons frutos – como filhos bem-educados e amados, livros e lembranças saudosas – e aproveitar os prazeres fornecidos pela vida, pela natureza, pela tecnologia. Mesmo que, depois de tudo, venha um cometa “furioso” e destroce a Terra pondo fim a qualquer legado humano. O que interessa é o prazer de fazer o bem a si mesmo e aos outros. Vale também questionar: será que as vidas de pessoas como Auguste Comte, Richard Dawkins, Sigmund Freud, Steve Jobs e José Saramago realmente não têm/tinham sentido?

6. “O ateísmo é a causa dos grandes crimes contra a humanidade.”
Os religiosos costumam citar como grandes criminosos ateus Stálin, Pol Pot, Mao Tse-Tung, Milosevic e até Hitler. Em primeiro lugar, o “ateísmo de Hitler” é uma mentira que calunia contra as convicções morais dos ateus: ele não era ateu, e sim cristão adotante de elementos católicos e protestantes. Por várias vezes ele defendeu a religiosidade como aliada na construção do seu império açougueiro, conforme podemos ler em muitos livros e sites respeitáveis de história do século 20. E em segundo lugar, não existe uma “ideologia do ateísmo” que mande matar religiosos. A real ideologia dessas personalidades era o nazismo ou o comunismo. No caso do nazismo, a religião, segundo o próprio Hitler, ajudava na doutrinação do povo para aqueles ideais supremacistas lunáticos. Já o comunismo tratava as religiões como ideologias de oposição e, como qualquer corrente oposicionista era intolerada e perseguida, aconteceu a caça às religiões no território dos países dominados por esses ditadores. Os crimes dessas ditaduras não foram fruto do Ateísmo, mas sim do lunatismo ideológico político, nacionalista e racial. Convém, em seguida, ressaltar que uma grande maioria dos ateus é a favor da democracia e da liberdade religiosa e contra regimes autoritários, os quais impõem dogmas ideológicos muito parecidos com os religiosos. É virtualmente globalizada a idéia de que o despertar de verdadeiros ateus é espontâneo e não pode vir da proibição de religiões.

7. “Os ateus são fechados para experiências espirituais e sentimentos.”
Muitos religiosos insistem na falácia de condicionamento da existência de sentimentos à crença em divindades. Contra ela, é de se relevar que amor, medo, alegria, admiração prazerosa, são sentimentos que ocorrem em todos. Sentimentalidade é inerente ao humano e independe de divindades. A única “diferença” entre os sentimentos dos ateus e os dos religiosos é que os primeiros não os atribuem a deuses, espíritos ou manifestações divinas, e sim a estímulos cerebrais. Não é por essa noção de sentimentos serem estímulos cerebrais que quem a adota não pode tê-los. Lembremos também que animais não-humanos de inúmeras espécies com complexidade neurológica significativa também possuem sentimentos explicitamente expostos. Também sentem alegria, medo, tristeza, prazer, etc. e não precisam de nenhuma crença religiosa para tal.

8. “Ateus são fechados para a beleza da natureza.”
Essa falácia é “irmã” da mentira do fechamento sentimental dos ateus. Não há absolutamente nada que impeça um ateu de dizer: “O mundo e o universo são lugares extremamente belos, e quanto mais os compreendemos mais belos eles parecem.” (Richard Dawkins) Seu êxtase por coisas bonitas é igual ao de qualquer religioso. Um descrente também vê beleza e enxerga sentido natural intrínseco em elementos costumeiramente julgados como “feios” e “produtos de entidades sobrenaturais malvadas”, como ervas daninhas e vermes. E nada impede que o entendimento científico, mesmo vindo daquela Biologia do ensino médio, dê a idéia de como a dinâmica da natureza é bem-elaborada. E falando em conhecimento científico, de certa forma pode-se deduzir que há mais admiração à natureza por um ateu, que conhece mais profunda e detalhadamente fenômenos naturais, corpos espaciais e elementos biogeoecológicos, do que por crentes que se prendem a crenças religiosas que não explicam, por exemplo, as dinâmicas celulares, a astronomia galáctica e os detalhes menores dos fenômenos meteorológicos e geológicos. E por mais imperfeições que um descrente enxergue no universo, como a questão astronômica da destruição em massa contra planetas, sua admiração pelas belezas naturais mantém-se longe de ser abalada. Não há nada de errado em entrar em comunhão com um ecossistema que pode ser abatido por um tsunami ou um meteoro num futuro próximo.

9. “Ateus são arrogantes e acham que sabem tudo.”
Esse é um mito carregado de injúria vindo de pessoas que não “vão com a cara” de uma ciência que freqüentemente derruba suas “teorias” mitológicas. Um ateu geralmente tem a humildade de reconhecer que não sabe o que é tal coisa quando se depara com algo desconhecido. Por exemplo, o que ele vai responder quando alguém lhe pergunta quantos planetas há naquela galáxia localizada a 100 milhões de anos-luz da Terra, fora um natural “não sei”? Ao contrário das religiões, ateus não criam narrativas fantasiosas para acharem que conhecem aquilo que no fundo não sabem do que se trata.

10. “Ateus são dogmáticos.”
Vale questionar: qual é o dogma, aquela “verdade” tratada como absoluta e inquestionável, que existe no simples não-crer? E qual é o dogma que sustenta a rejeição de crenças injustificadas e sem comprovação válida? Reparemos bem que dogmas não são usados para analisar e refutar crenças infundadas. O engraçado é que o mesmo pessoal que chama ateus de “dogmáticos” não nota que, se rejeitar um deus e um método de cosmogonia criacionista específicos é dogma, eles estão sendo multiplamente dogmáticos ao rejeitarem tantos deuses e tantas outras narrativas de origem universal e ao aceitarem os falsos axiomas de sua religião.

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VIRAR ATEU FAZ BEM?

Dizem que religião é importante porque conforta as pessoas em momentos difíceis como a morte de um ente querido, dá incentivo para certas atividades – conforme demonstram dizeres como “Com a graça de Deus eu vou conseguir”, “Jesus vai abençoar essa prova”, “O Deus Sol vai iluminar essa minha difícil jornada”, etc. –, impede que gentes privadas de escolaridade e de noção das leis humanas cometam o mal, entre outros benefícios. Para essas pessoas com tal dependência de religião, o ateísmo é tudo de ruim, é algo que lhes roubaria a espiritualidade e não daria nenhuma “muleta psicológica” nova para compensar. Para elas, encarar uma realidade sem deuses pessoais, sem vida após a morte, é difícil demais, a conformação com essa realidade está a um nível muito além do limite de sua tão limitada zona de conforto psicológico. A própria filosofia do religioso comum não alcança a hipótese de o ente querido ter desaparecido para sempre da existência, não admite que pessoas consigam grandes proezas sem a ajuda de um deus. Por exemplo, para alguém que crê em Jesus, é impossível se tornar campeão nacional de xadrez, passar em primeiro lugar geral num vestibular muito concorrido, escrever um livro da qualidade de um best-seller, ser um general vitorioso contra exércitos agressores ou conseguir superar uma paralisia na perna sem medicação sem que haja o “Filho de Deus” símbolo de vitória o abençoando.

Já os ateus convictos conseguem ser filosoficamente emancipados o suficiente para largar a dependência do “andador” da religião e aceitar a dura realidade onde não existe nenhum deus pessoal onipresente os protegendo, onde vão morrer, acabar e deixar de existir, onde terão que contar exclusivamente com suas próprias forças e com o apoio das pessoas próximas em suas empreitadas de realização. O lado mais bacana da história é que eles invocam suas próprias forças, exercitam seu próprio poder pessoal – psicológico, social, profissional e intelectual –, para vencer na vida. Para eles, aquela vitória no vestibular não foi obra de nenhum deus, e sim veio exclusivamente graças ao bom aprendizado do vestibulando, à sua estabilidade emocional e ao apoio dos familiares e dos amigos. Aquele campeonato que tal time de futebol ganhou foi graças ao bom nível técnico apresentado pelos jogadores, ao bom entrosamento entre eles, à maestria do técnico, à inteligência dos cartolas e à força de apoio da torcida, e é uma tolice sem tamanho atribuir à graça de um deus o triunfo de um único time de futebol em detrimento de dezenas de adversários, na prática “rejeitados” pelo mesmo deus. Aquela escalada de promoções de uma pessoa ao longo de cinco anos de emprego foi graças à sua competência superior e à sua boa relação com os níveis hierárquicos superiores. Aquela cadelinha já idosa que consegue recuperar quase que sozinha o movimento das patas conseguiu essa proeza graças à sua própria obstinação, à ajuda prestada por seus tutores e às vezes graças à medicação tomada. Enfim, o que leva os batalhadores ao sucesso não é nenhum deus, mas sim suas qualidades próprias, suas virtudes e o apoio do próximo.

Outros pontos positivos são: não há nenhum demônio de quem ter medo, nenhuma lei religiosa com o nível moral da Idade do Bronze para temer, não há nenhum medo de ser julgado no além por descrer naquele deus. E também, com a emancipação já citada, é muito mais fácil evoluir ao longo da vida como pessoa de força e mérito próprios.

Todavia, não é qualquer um que consegue essa emancipação da dependência de religiões. Virar ateu só faz bem de verdade para quem tem uma instrução escolar ou autodidática decente e condições psicológicas de desplugar sua filosofia da guia religiosa dogmática sem riscos de cair em desespero pela falta dos “pais imaginários”. Seria péssimo e até trágico para um religioso fanaticamente apegado à religião se lançassem uma notícia extraordinária com a prova definitiva e irrefutável de que deuses não existem. O sujeito se mataria, já que não veria mais sentido numa vida sem eles. Se não ficou tão claro, imaginemos o exemplo de uma criança de dez anos que quer ir comprar algo na cidade grande. Se ela não sabe quais os ônibus que vão de sua comunidade para lá nem os que voltam, qual a parada de ônibus onde descer na cidade, quais as ruas mais seguras que levam à loja de destino, qual a parada que recebe os ônibus que voltarão para sua casa, etc. pode optar ou por ir com sua mãe que tudo sabe ou por perguntar às pessoas de sua vizinhança como ir sozinha para lá. Apenas se tiver uma criação que lhe deu certa independência de se guiar pelas ruas e a habilidade de consultar as pessoas transeuntes da maneira correta ela poderá ir sozinha. Caso não tenha esses conhecimentos e tente ir sozinha, irá se perder, lamentar muito, se desesperar e clamar incessantemente por sua mãe. Assim é a realidade: só quem tem o conhecimento emancipador poderá abrir mão da fé em sua antiga religião com relativa facilidade, e por outro lado quem não dispõe dele tenderá a sofrer muito e precisará voltar correndo para a velha realidade tutelada por seres superiores. Em outras palavras: virar ateu faz bem apenas para quem está preparado.

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POR QUE A MAIORIA DOS ATEUS CRITICA TANTO RELIGIÕES COMO O CRISTIANISMO

São razões fáceis de compreender, embora religiosos em geral recusem-se a entendê-las. Os ateus vêem a religião como um combustível para os mais diversos absurdos e maldades.

Algumas funções maléficas da religião apontadas são:
a) ilusão sustentada por dignitários para ajudar a controlarem a mentalidade do povo, muitas vezes servindo de legitimação divina do poder do monarca e da nobreza, como é o caso de muitos déspotas que queriam justificar sua dominação sobre seu povo;
b) combustível para muitas das maiores atrocidades da história da humanidade, como a Inquisição, os genocídios contra os ameríndios, as guerras abençoadas por meio de sacerdotes na Antiguidade, a perseguição a cientistas e intelectuais que discordavam dos dogmas da Igreja Católica, as sangrentas rixas entre sunitas e xiitas no mundo islâmico e o terrorismo internacional contemporâneo;
c) instrumento de dominação para se extrair riquezas do povo, mesmo sendo ele pobre;
d) portador de normas morais que hoje soam extremamente absurdas, como o tratamento de certos animais como inferiores e impuros, inferiorização e opressão da mulher, regulamentação da escravidão, suplementação do crime contra mulheres estupradas (casos em que, não bastasse a dor da violência sexual, a vítima ainda terá que sofrer castigos corporais pelo “crime” de ter sofrido um crime) e tantas outras desgraças sustentadas por leis arcaicas, absurdas e desumanas;
e) regente do preconceito contra homossexuais e religiosos crentes em outros deuses;
f) rocha que obstrui o avanço científico, vide as perseguições católicas a cientistas nas Idades Média e Moderna, as tentativas religiosas de censurar pesquisas com células-tronco e as investidas de bloquear o ensino do evolucionismo nas escolas com a imposição da “alternativa” criacionista;
g) ilusão cheia de fantasias que mantém as pessoas dependentes de uma muleta psicológica usada em questões filosóficas de vida e de morte e em batalhas da vida que requerem força própria da pessoa.

Existem várias razões secundárias pensadas por grupos menores de ateus, mas temos aqui razões suficientes para justificar a repulsa da maioria dos descrentes por religião, mesmo que ela seja benéfica quando praticada com lucidez. Entretanto, é de se deixar claro aqui que ateus abominam a hipótese de se fazerem guerras anti-religiosas e também regimes que pratiquem perseguição a religiões. Por mais poderoso que seja o lado maligno da religião, não são a favor de sua proibição. Liberdade de crença e descrença é o que livra o mundo de ser pelo menos três vezes mais violento do que hoje e permite aos ateus o serem sem o risco de retaliação policial.

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OPINIÃO ATEÍSTA SOBRE LIBERDADE RELIGIOSA E ABUSOS DA MESMA

Ateus são amigos fiéis da liberdade religiosa. Ainda mais porque, se não fosse a liberdade de crença e consciência, seriam perseguidos ou mesmo mortos por teocracias. Também é dominante entre a categoria a idéia de que o totalitarismo anti-religioso é uma agressão aos direitos humanos e não influi positivamente na abertura de olhos dos mais crédulos. É o caso da China dos budistas reclusos e da antiga Polônia comunista, onde o povo, como crianças que queriam ter de volta seus pais, clamava “Queremos Deus!” ao papa.

Prefere-se viver em harmonia com as crenças religiosas. A maioria esmagadora dos ateus não pratica intolerância contra crentes, apenas alguns cabeças-ocas revoltadinhos são responsáveis por proferir grosserias, xingando ou ofendendo infantilmente religiões e religiosos em vez de criticá-los racionalmente, sujando a reputação ateísta que tanto está custando para ser conquistada. As críticas à religião, embora às vezes pesadas, não representam uma vontade de que ela seja combatida à força. No máximo a fé cega e o obscurantismo é que devem ser combatidos, mas com a “arma” das palavras, dos livros, do intelecto, da educação. Só se a crença se mostrar nociva e de alta periculosidade, como é o caso de muitas seitas e igrejas que pregam explicitamente o ódio contra outras crenças, é que deve ser combatida com a lei.

Mas e quando a liberdade religiosa é extrapolada e se torna uma libertinagem? É nessas horas que aparece a polêmica: será que a religião no Brasil precisa ser regulamentada, moderada? Muitos dizem ferozes nãos a essa pergunta, mas outros defendem que a Constituição Federal, por emenda, inclua a ressalva de que uma denominação religiosa deve ser interditada caso transgrida os direitos humanos, submeta animais à crueldade ou à matança gratuita, sirva para acobertamento de crimes como estelionato e lavagem de dinheiro e pregue o racismo e/ou o ódio a outras crenças ou a minorias. O que todos defendem, com ou sem essa regulamentação, é a universalização da educação básica de qualidade no país e a dignificação do ensino das ciências humanas nas escolas. Essa sim vai dar ao povo resistência crítica a promessas de espertalhões que usam o deus cristão para conseguir poder e riquezas.

Ateus são a favor da liberdade religiosa e contra totalitarismos anti-religiosos. E o remédio para casos de libertinagem religiosa é a educação qualificada, que no entanto vai prevenir só as futuras gerações de serem iludidas por gente mal-intencionada que queira ganhar dinheiro em nome de algum deus.

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TÓPICOS COMPLEMENTARES

1. Ateus contra a tirania

A maioria dos ateus, como possuindo um conhecimento razoável de História, põe-se como inimiga das tiranias anti-religiosas, mesmo que elas se digam oficialmente ateístas. Aliás, seu desejo para os países é que se tornem Estados laicos, e não oficialmente ateus. Estados laicos são aqueles que não adotam nenhuma crença ou descrença religiosa como oficial, adotam a neutralidade total de credo, fazendo todos serem iguais perante a Lei independentemente de religião ou irreligião. Tiranias impositoras do ateísmo, como a Albânia na época da Guerra Fria, não ajudam a formar ateus conscientes. O que geram na verdade são pessoas psicológica e sentimentalmente carentes de suporte espiritual, gente com sede de religiosidade. Essa gente não aprende que deuses não existem, mas sim é simplesmente proibida de professar crença religiosa, o que são duas coisas totalmente distintas. É como se o Estado, querendo tornar uma criança independente e emancipada, matasse seus pais. Tiranias anti-religiosas como as que dominaram a Albânia e vários dos antigos países socialistas são motivos de repúdio por parte da maioria dos descrentes. Estes prezam a liberdade acima de tudo, inclusive a religiosa.

2. Pseudo-ateus

Pseudo-ateus, falsos ateus ou ateus inconvictos são pessoas que esboçam uma descrença frágil em deuses, raramente sustentada na Razão e na Lógica e geralmente movida por emoções passageiras. Não possuem convicção verdadeiramente racional de que deuses não existem. Um pseudo-ateu é aquele que se torna “ateu” porque, por exemplo, está num “inferno astral” que lhe gera uma revolta emocionada que lhe faz renegar a existência do deus em quem ele acreditava anteriormente. Pessoas assim são puxadas com muita facilidade de volta ao teísmo e à religião quando são abordadas por pregações bem elaboradas ou por momentos de reflexão em que entram em cena dilemas de pensamento sobre o sentido da vida, do universo, da beleza da natureza, etc.. São atraídas de volta pelas facilidades filosóficas e psicológicas oferecidas pela crença em um deus. Em suma, é gente que não concluiu a idéia de inexistência de deuses por vias racionais e lógicas.

Com muita razão, é atribuída aos pseudo-ateus a gigantesca maioria das blasfêmias intencionais contra religiões na internet. Um ateu movido pela Razão pensaria: em que chamar Deus, Jesus, Maria ou São Pedro de isso, de aquilo ou de não-sei-o-quê vai ajudar no esclarecimento aos cristãos de que sua fé pode estar sendo vã? Pseudo-ateus blasfemadores não contam com o respeito da maioria dos ateus, os quais tanto sofrem com sua ainda baixa reputação pública perante a maioria cristã.

Um jeito fácil de descobrir um pseudo-ateu é perguntar ao suspeito por que não acredita mais em Deus e em seguida seduzi-lo com argumentos de proselitismo religioso. Se as respostas da pessoa à pergunta forem incisivamente racionais e firmes e ela se mostrar inflexível perante pregações, é um ateu convicto, verdadeiro, propriamente dito. Por outro lado, se os motivos alegados forem mais passionais e a pessoa começar a ficar pensativa depois de um banho de persuasão religiosa, eis então o falso ateu.

3. Ateus fanáticos

Ateus fanáticos são a maior vergonha da população ateísta ao lado dos pseudo-ateus blasfemadores. São pessoas que, apesar de se mostrar bem-comportada na interação social, expõem por escrito – mais especificamente em discussões na internet, onde contam com a segurança da distância dos ofendidos – que não toleram a existência de pessoas religiosas, não aceitam que existam ateus que pensam diferente – como, por exemplo, alguém que acredite em reencarnação de existência – e se consideram superiores aos demais humanos porque se acham supostamente evoluídas à frente dos teístas. Infelizmente essa categoria tem maioria de ateus convictos. Descrentes fanáticos agem com uma forma distinta, mas não menos perversa, da blasfêmia infantil dos pseudo-ateus: lançam mão de arrogância, ofensividade e sarcasmo quando debatem com religiosos, principalmente com os que têm argumentos frágeis, ignorantes e/ou falaciosos. Não sabem ser cordiais e desrespeitam o outro lado. Freqüentemente envolvem-se em picuinhas até mesmo com outros ateus. Mas há um fato consolador sobre o fanatismo ateu em comparação com o religioso: é desproporcionalmente menor do que o extremismo religioso islamo-judaico-cristão.
Autor: Robson Fernando


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