Quando o assunto é o negro



Quando o assunto é o negro

A presença do negro no contexto histórico mundial e, sobretudo, brasileiro é marcada por intensa exclusão, exploração e marginalização. Assim sendo, o povo negro sofreu e sofre inenarráveis danos sociais, por causa da atuação de grupos sociais que se auto consideravam onipotentes e superiores. Desta forma, o poder em suas múltiplas instâncias: econômicos, militares e ideológicos, foram utilizados em detrimento dos segmentos ditos “inferiores”, isto é, os negros como instrumento, a fim de, de adquirir/agregar bens em prol de uma elite branca que enxergava o Brasil como um lugar das grandes oportunidades.
De fato, os primeiros portugueses não vieram para o Brasil com finalidade de aqui habitar, mas sim com a intenção de explorar os recursos naturais de sua recém conquista terra. O escrivão Pero vaz de Caminha indica os objetivos fundamentais da colonização portuguesa:
“Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro”; a agricultura- “Águas são muitas; infinitas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”; E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”.
A carta de Pero Vaz Caminha demonstra o interesse dos Portugueses para com o Brasil. No sentido, de fazer América, isto é, acumular recursos e retornar para a Europa. Por esse motivo, a força física dos negros fora aproveitada como instrumento de trabalho através de um regime social de sujeição do homem e utilização de sua força para fins econômicos, como propriedade privada, no qual para muitos o termino deste regime escravista fora, em 13 de maio de1888, com assinação da lei áurea pela Princesa Isabel. Será mesmo?
Após serem retirados a força de seus locais de origem, os negros eram embarcados nos Navios Negreiros ou Tumbeiros. Estas embarcações recebiam este nome, porque inúmeros negros morriam dentro delas, devido às péssimas condições de viagem, servindo assim, como verdadeiras tumbas ou túmulos. De acordo, com registros da época – 15% dos negros embarcados nos navios morriam na travessia transoceânica. Nos porões dos navios abarrotados de negros, a umidade e falta de luz contribuía para a propagação de várias enfermidades. A alimentação era extremamente horrível e escassa, via de regra, composta de carne seca podre e biscoito duro. Os negros, portanto, não viajam para o Brasil a cruzeiro, mas sim por que eram obrigados pelos seus senhores.
Ao chegar à América, o escravo africano se deparava com um mundo que em tudo lhe era estranho e hostil. Com as relações familiares desfeitas antes do embarque para terras desconhecidas, marido, mulher, pais e filhos eram separados e vendidos e em muitas vezes, seguindo destinos diferentes, nada restava de sua comunidade de origem. Assim sendo, mal desembarcavam dos navios, os negros eram conduzidos ao trabalho: plantio da cana-de-açúcar, mineração e outros trabalhos manuais foram o mais comum. Já as negras, cabia fazer todo o serviço doméstico, atender às necessidades das esposas e filhos do senhor, além de satisfazer sexualmente seus donos brancos. E em troca de cerca de 20 horas de intenso trabalho, os negros recebiam comida, roupas rústicas e uma senzala para dormir.
De fato, Escravidão não rima com solidariedade e nem com inclusão. As conseqüências desta política contaminaram negativamente as relações raciais e sociais em todo Brasil e, até hoje estamos colhendo seus malefícios. Por exemplo: a Unicamp fez uma pesquisa em 1988, no centenário da escravidão, com 100 engenheiros negros e 100 engenheiros brancos empregados. O resultado: os engenheiros brancos ganham em média 28% a mais do que os engenheiros negros. A Educafro, assumindo a reflexão destes sete atos oficiais, está aprofundando com alunos, professores e coordenadores esta triste realidade e, nos desafiando a encontrar caminhos para enfrentarmos o problema, envolvendo toda sociedade, buscando pistas de soluções eficazes e eficientes.
1º ATO OFICIAL: IMPLANTAÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL
Através da Bula Dum Diversas, de 16 de junho de 1452 , o papa Nicolau diria ao Rei de Portugal, Afonso V: “... nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades... E REDUZIR SUAS PESSOAS À PERPÉTUA ESCRAVIDÃO, E APROPRIAR E CONVERTER EM SEU USO E PROVEITO E DE SEUS SUCESSORES, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes...”(1) Em 8 de janeiro de 1554 estes poderes foram estendidos aos reis da Espanha.
Apoiados nesse documento, os reis de Portugal e Espanha promoveram uma DEVASTAÇÃO do continente africano, matando e escravizando milhões de habitantes. A África era o único continente do mundo que dominava a tecnologia do ferro e com esta invasão e massacre promovido pelos povos europeus e em seguida a sua exploração colonizadora, o continente africano ficou com as mãos e os pés amarrados e dessa forma permanece até hoje.
O poder colonial usou a Igreja para impor seus interesses escravistas. Cada ser humano, até hoje, tem uma postura política e o poder faz uso desta postura conforme seus interesses. Outras posições da Igreja contra a escravidão e a favor da população negra, não foram seguidas pelo poder colonial. Exemplo: O Papa Urbano VIII, no ano de 1639, no breve “ Comissum Vobis ” afirmava que deveria ser automaticamente expulso da Igreja o católico que escravizasse alguém. Esta ordem Papal não interessava ao PODER COLONIAL e fecharam seus ouvidos para esta determinação.
O papa Leão XIII, em sua Encíclica “In Plurímis ”, dirigida aos bispos brasileiros em 05 de maio de 1888, transmite-nos a frieza, crueldade e o tamanho do massacre promovido pelos exploradores: “Do testemunho destes últimos resulta, mesmo que o número dos Africanos assim vendidos cada ano, à maneira dos rebanhos de animais, não se eleva a menos de 400.000 (quatrocentos mil) dos quais cerca da metade, após serem cobertos de pancadas ao longo de um áspero caminho, sucumbem miseravelmente, de tal sorte que os viajantes que percorrem aquelas regiões podem quão triste é dizê-lo, reconhecer o caminho que os destroços de ossadas marcaram.”(2)
Este relato de massacre (“cerca de metade, após serem cobertos de pancadas ao longo de um áspero caminho, sucumbem miseravelmente”) que nos é transmitido neste documento papal deve falar fundo em nossa consciência histórica de defensores da justiça do Reino de Deus. Todo cristão que tem senso de justiça deve reler estes 506 anos de colonização a partir das vítimas desta catástrofe colonizadora!
2º ATO OFICIAL: LEI COMPLEMENTAR À CONSTITUIÇÃO DE 1824
“... pela legislação do império os negros não podiam freqüentar escolas, pois eram considerados doentes de moléstias contagiosas .”(3). Os poderosos do Brasil sabiam que o acesso ao saber sempre foi uma alavanca de ascensão social, econômica e política de um povo. Com este decreto, os racistas do Brasil encurralaram a população negra nos porões da sociedade. Juridicamente este decreto agiu até 1889, com a proclamação da República. Na prática a intenção do decreto funciona até hoje. Por exemplo: por que as escolas das periferias não têm, por parte do governo, o mesmo tratamento qualitativo que as escolas das cidades? Como é que uma pessoa afrodescendente favelada terá motivação para estudar numa escola de péssima qualidade?
3º ATO OFICIAL: LEI DE TERRAS DE 1850, N.º 601
Quase todo o litoral brasileiro estava povoado por QUILOMBOS. Os quilombos eram formados por negros que, através de diferentes formas, conquistavam a liberdade. Aceitavam brancos pobres e índios que quisessem somar aquele projeto. Lá eles viviam uma forma alternativa de organização social, tendo tudo em comum. As sobras de produção eram vendidas aos brancos das vilas. O sistema, percebendo o crescimento do poder econômico do negro e que os brancos do interior estavam perdendo a valiosa mão-de-obra para sua produção, decretam a LEI DA TERRA: “... a partir desta nova lei as terras só poderiam ser obtidas através de compra. Assim, com a dificuldade de obtenção de terras que seriam vendidas por preço muito alto, o trabalhador livre teria que permanecer nas fazendas, substituindo os escravos ”. (4)
A partir daí o exército brasileiro passa ter como tarefa, destruir os quilombos, as plantações e levar os negros de volta as fazendas dos brancos. O exército se ocupou nesta tarefa até 25 de outubro de 1887 quando um setor solidário ao povo negro cria uma crise interna no exército e comunica ao Império que não mais admitirá que o este seja usado para perseguir os negros que derramaram seu sangue defendendo o Brasil na guerra do Paraguai.(5). A lei de terras não foi usada contra os imigrantes europeus. Segundo a coleção “Biblioteca do Exército”, considerável parcela de imigrantes recebeu de graça grandes pedaços de terras, sementes e dinheiro.(6) Isto veio provar que a lei de terras tinha um objetivo definido: tirar do negro a possibilidade de crescimento econômico através do trabalho em terras próprias e embranquecer o país com a maciça entrada de europeus.(7)
4º ATO OFICIAL: GUERRA DO PARAGUAI (1864-1870)
Foi um dos instrumentos usados pelo poder para reduzir a população negra do Brasil. Foi difundido que todos os negros que fossem lutar na guerra, ao retornar receberiam a liberdade e os já livres receberiam terra. Além do mais, quando chegava à convocação para o filho do fazendeiro, ele o escondia e no lugar do filho enviava de cinco a dez negros. Antes da guerra do Paraguai, a população negra do Brasil era de 2.500.000 pessoas (45% do total da população brasileira). Depois da guerra, a população negra do Brasil se reduz para 1.500.000 pessoas (15% do total da população brasileira).
Durante a guerra o exército brasileiro colocou o nosso povo negro na frente de combate e foi grande o número dos mortos. Os poucos negros que sobraram vivos eram os que sabiam manejar as armas do exército e Caxias escreve para o Imperador demonstrando temor sobre este fato: ““... À sombra dessa guerra, nada pode livrar-nos de que aquela imensa escravatura do Brasil dê o grito de sua divina e humanamente legítima liberdade, e tenha lugar uma guerra interna como no Haiti, de negros contra brancos, que sempre tem ameaçado o Brasil e desaparece dele a escassíssima e diminuta parte branca que há! (8)
5 º ATO OFICIAL: LEI DO VENTRE LIVRE (1871)
Esta lei até hoje é ensinada nas escolas como uma lei boa: “Toda criança que nascesse a partir daquela data nasceria livre”. Na prática, esta lei separava as crianças de seus pais, desestruturando a família negra. O governo abriu uma casa para acolher estas crianças. De cada 100 crianças que lá entravam 80 morriam antes de completar um ano de idade. O objetivo desta lei foi tirar a obrigação dos senhores de fazendas de criarem nossas crianças negras, pois já com 12 anos de idade as crianças saíam para os QUILOMBOS à procura da liberdade negada nas senzalas. Com esta lei surgiram os primeiros menores abandonados do Brasil. Em quase todas as igrejas do Brasil os padres tocaram os sinos aplaudindo a assinatura desta lei.
6º ATO OFICIAL: LEI DO SEXAGENÁRIO (1885)
Também é ensinada nas escolas como sendo um prêmio do “coração bom” do senhor para o escravo que muito trabalhou. “Todo escravo que atingisse os 60 anos de idade ficaria automaticamente livre”. Na verdade esta lei foi à forma mais eficiente encontrada pelos opressores para jogar na rua os velhos doentes e impossibilitados de continuar gerando riquezas para os senhores de fazendas, surgindo assim os primeiros mendigos nas ruas do Brasil.
7º ATO OFICIAL: DECRETO 528 DAS IMIGRAÇÕES EUROPÉIAS (1890) - (11)
Com a subida ao poder do partido Republicano, a industrialização do país passou a ser ponto chave. A indústria precisava fundamentalmente de duas coisas: matéria prima e mão de obra. Matéria prima no Brasil não era problema. Quanto à mão de obra, o povo negro estava aí, disponível! A mão de obra passou a ser problema quando o governo descobriu que se o negro ocupasse as vagas nas indústrias, iria surgir uma classe média negra poderosa e colocaria em risco o processo de embranquecimento do país. A solução encontrada foi decretar, no dia 28 de junho de 1890 a reabertura do país às imigrações européias e definir que negros e asiáticos só poderiam entrar no país com autorização do congresso. (12) Esta nova remessa de europeus vai ocupar os trabalhos nas nascentes indústrias paulistas e assim os europeus pobres são usados mais uma vez para marginalizar o povo negro.
Em síntese, percebemos ao longo de todo processo histórico brasileiro que o negro, vem sendo vítima de violência, escravidão e, sobretudo de marginalização. Assim sendo, é possível compreender melhor, o “por que” da existência de um grande contingente de negros pobres em nosso país. Toda essa pobreza criada por uma suposta elite, visa atender unicamente aos seus propósitos, pois enquanto a maioria é conduzida à perda, outros são especializados para ganhar. Afinal, para elite a desigualdade social é encarada como algo natural e trivial. Se todos virarem doutores que limpará as nossas latrinas? Este pensamente defendido pelos os liberais, assegura a disparidade social, visando desta forma, atender os interesses dos estratos privilegiados da sociedade. Cabe salientar, que esta ideologia é tão terrível que até os segmentos carentes acabam por assumi-la como dogmas em suas vidas. “Sou pobre e por isso vou morrer pobre, não adianta fazer mais nada para tentar mudar esta realidade. É assim e pronto”, embora, a proposta de cotas para negros e carentes nas universidades públicas torna-se relevante como políticas afirmativas, a fim de amenizar e superar as desigualdades vividas pelos os segmentos não-priviligiados, porém por si só não resolve toda a problemática enfrentadas pelos negros, visto que possibilita apenas o negro adentrar na universidade, mas não oferece efetivamente condições para que eles prossigam os estudos nas universidades. Portanto, é importante que seja proporcionada condições: pedagógicas e econômicas, para que estes grupos menos favorecidos possam estudar tranquilamente. No entanto, não é isto que ocorre na prática. Na verdade, há um número bastante significativo de negros que ingressam no ensino superior, porém não consegue terminar à faculdade.
Uma outra questão a ser amplamente discutida, é o que é ser negro no Brasil? No Brasil todos têm um pouco de negro correndo nas veias. Em algumas pessoas mais e outras menos, mas no geral todos têm uma ancestralidade negra, sobretudo, quando se é para obter um beneficio. Nestas condições todos auto declaram NEGROS, porém em outras condições poucos brigam por sua ancestralidade negra, porque ser negro envolve ser suspeito havendo crime ou não; ser parado na blitz policial cotidianamente; ter sua imagem associada à carência e ainda ser vítima de piadas de cunho preconceituoso e racista. Pense nisso!
Autor: wagner oliveira


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