Da "Ragioneria" à Contabilidade - Um tributo à Escola Italiana



O historiador e escritor escocês Thomas Carlyle imortalizou a frase “nenhum grande homem vive em vão. A história do mundo não é senão a biografia dos grandes homens”. De modo semelhante, a história das Ciências Contábeis está intimamente ligada aos feitos e contribuições de personalidades que se destacaram como vitais para o fortalecimento da Contabilidade.
Incontáveis horas seriam necessárias para ler este artigo se me propusesse a enumerar aqui todos os notáveis estudiosos que se destacaram no universo acadêmico e científico da contabilidade. Contento-me, deste modo, a restringir este texto a uma singela homenagem aos nossos pioneiros italianos, responsáveis pela consolidação das ciências contábeis.
De modo semelhante a Brás Cubas (personagem literário de Machado de Assis), irei iniciar a história pelo seu fim. Embora deveras grandes autores ainda sofram influência da Escola Italiana e muito ainda tenhamos a aprender com as obras destes, a mesma começou a perder espaço nas academias de contabilidade a partir do início do século XX, mais precisamente por volta de 1920, quando se intensificou a ascensão econômica dos Estados Unidos da América. Fato este dado principalmente pelo empobrecimento dos países europeus durante o final da Primeira Guerra Mundial. No Brasil, já na década de 1970 já se percebiam fortes influências da Escola Norte – Americana nas academias e na legislação (a lei 6.404/76, no tangente à contabilidade, é um exemplo).
A disseminação da Escola Americana serviu para consertar algumas falhas dos trabalhos de alguns escritores Italianos, em especial no que tange a fatores como, de acordo com a maioria dos autores atuais, a “extrema prolixidade” de seus trabalhos, a queda da qualidade no ensino das instituições e a falta da devida atenção à auditoria. O fato, entretanto, é que são inegáveis, até mesmo para o mais “fanaticamente americano” dos estudiosos contábeis, a importância das obras italianas para a construção da história científica da contabilidade.
A migração, nos primeiros anos do século XX, de muitos italianos ao Brasil trouxe consigo um grande salto no desenvolvimento do modo de se pensar e trabalhar o ensino comercial, o qual era, e por vezes parece-me que ainda o é, subestimado por uma sociedade mais preocupada com títulos de nobreza e posições aristocráticas do que com a educação em si.
Foi nesta época que alguns dos maiores professores de Ciências Contábeis do período passaram a adotar as metodologias italianas em seus cursos. Sem esgotar o assunto, destacam-se alguns nomes como os de Francisco D´Auria, Horácio Berlinck, Francisco Hermann Júnior, Milton Improta e Antenor da Silva Negrine.
Após demonstrada, ainda que brevemente, algumas influências da Escola Italiana no Brasil, proponho que voltemos para o princípio e passemos a seguir uma ordem de estudo um pouco mais cronológica.
Por princípio, refiro-me ao “gênesis” de todo o conhecimento científico contábil: A publicação na cidade de Veneza, em 10 de novembro de 1494, da célebre obra de Luca Pacioli “Summa de Arithmetica, Geometria proportioni et propornalitá”, a primeira obra da qual se tem notícia a registrar o método das partidas dobradas. O Monge Franciscano Luca Bartolomeo de Pacioli, o qual fora educado pelo matemático Dominico Bragadino e foi o primeiro professor de matemática da Universidade de Perugia, é considerado o pai da contabilidade moderna por ter sido pioneiro ao publicar em um livro o método das partidas dobradas, ressalta-se, no entanto, que existem registros da utilização deste muito antes da publicação da obra de Pacioli (o comerciante Benedetto Cotrugli, por exemplo, realizou em 1458 um manuscrito de 160 páginas que continha o método publicado em “Summa”).
Como primeiro expositor do método das partidas dobradas, Pacioli foi o grande iniciador da primeira escola de pensamento contábil, o Contismo. Para os adeptos desta corrente, a principal preocupação da Contabilidade seria com o processo de escrituração e com as técnicas de registro através das contas.
A Escola Contista permaneceu soberana até a segunda metade do século XIX, período em que surge no cenário contábil a Escola Personista, passando a dar personalidade às contas de modo a melhor expor as relações de direitos e obrigações.
Dentre os primeiros idealizadores desta teoria destaca-se Francesco Marchi (1822/1871), autor de I Cinquecontisti, livro no qual afirmava que deveriam haver em uma entidade econômica a interação entre pelo menos quatro grupos de pessoas: O Proprietário, O Administrador, Os Agentes Consignatários e os Correspondentes.
O maior contribuidor para o fortalecimento da teoria personalista, no entanto, fora Giuseppe Cerboni (1827/1917), produzindo trabalhos mais científicos e fundamentando a teoria em axiomas.
A Escola Personalista tornou-se importante para a história da Contabilidade por ter sido nela a primeira vez em que a ciência contábil passou a ser abordada pelo seu aspecto informacional no processo de gestão das entidades.
Por volta de 1915, surge no cenário contábil o Neocontismo, escola que reforçou o objeto de estudo da contabilidade como o patrimônio ou, melhor dizendo, a riqueza patrimonial. Para os neocontistas, a principal função da contabilidade era a de registrar e classificar as contas e não a de demonstrar os aspectos econômicos e gerenciais oriundos destas.
As teorias neocontistas baseavam-se na equação fundamental da contabilidade (ATIVO – PASSIVO = PATRIMÔNIO LÍQUIDO) para explicar a dinâmica do balanço, evidenciada pelos fatos permutativos e modificativos. Dentre as contribuições da Escola Neocontista, destacam-se a divisão do Ativo, Passivo e Patrimônio Líquido no Balanço Patrimonial, assim como a apresentação de regras para a sua exposição (pelo grau de liquidez ou disponibilidade no Ativo e de exigibilidade no Passivo).
A próxima corrente de pensamento que predominou na Escola Italiana foi a do Controlismo, defendida por, dentre outros célebres autores, Fábio Besta, o qual entendia que a contabilidade deveria estabelecer um ponto de partida para tornar possível a análise dos resultados da gestão, evidenciar os fatos ocorridos e, por fim, demonstrar os resultados para aprovação ou rejeição dos gestores.
Seguindo na linha do tempo histórica da contabilidade, nos deparamos com a Escola Aziendalista, a qual possui como principal representante Guino Zappa, expositor da importância do estudo Contábil para a manutenção da vida das Aziendas, como se nota em obras tais quais La determinazione del reddito nelle imprese. I valori di conti in relazione alla formazione dei balanci.
Por volta de 1926, ganha destaque, na Itália e no resto do mundo, a Escola Patrimonialista, considerada por muitos autores como a principal corrente doutrinária da Escola Italiana de Contabilidade. Define o patrimônio como o objeto da Contabilidade, sendo este a grandeza real que se transforma com a evolução das atividades econômicas.
O Patrimonialismo surgiu, em quase sua totalidade, através dos esforços e pesquisas do Professor da cidade de Bolonha, natural de Rimini, Vicenzo Masi. As suas obras destacam-se por apresentar um valor científico único, utilizando de fundamentos teóricos absorvidos pelo autor através de estudos das obras de, dentre outros, Villa, Besta e Rossi.
No Brasil, um dos principais defensores da corrente patrimonialista foi o ilustre prof. Francisco D’áuria, o qual chegou até mesmo a explanar sobre tal no VI Congresso Internacional de Contabilidade, em 1929.
As sementes plantadas pelos autores patrimonialistas ainda dão frutos de inigualável importância para contabilidade. O maior exemplo é, sem dúvidas, a criação da doutrina científica neopatrimonialista pelo Prof. Antônio Lopes de Sá, a qual se consolida como, atualmente, a mais moderna corrente científica da contabilidade.
Como se percebe, a Escola Italiana e, obviamente, os estudiosos que através de muito esforço a construíram, são de inegável estima para a evolução doutrinária e científica da Contabilidade. Este artigo teve por finalidade ressaltar o trabalho destas mentes brilhantes que construíram a base sobre a qual exercemos nossas atividades profissionais, homenageando estes nossos célebres colegas que imortalizaram suas obras nas páginas da história do pensamento contábil.
Autor: André Charone Tavares Lopes


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