Fotos da nossa Memória - memória de nossas histórias



Nasci, neta de fotógrafo, minha mãe foi fotógrafa até começar a dar aulas de pintura e desenho, e um tio e uma tia também se dedicaram a fotografia.
Me lembro que na infância nossa brincadeira preferida era pegar um papel que vinha enrolado nos filmes e fazer uma espada longa e firme que empunhávamos até “ a morte” ou até que ela se despedaçasse. Usávamos também as sobras de negativos que meu avô ou minha tia jogavam fora e transformávamos em móveis em miniatura ou em vidro de janela das nossas casas de boneca.
Desde pequenos tínhamos um ritual familiar que eram as fotos de família e normalmente era por ocasião de nossos aniversários que podíamos aproveitar para reunir vários familiares e documentar a ocasião.
Quantas lembranças boas temos da infância olhando as nossas fotos em preto e branco que o tempo e a boa revelação feitas por eles ajudou a conservar.
Há uns dias atrás lendo um livro de Étienne Souriau, um filósofo Frânces, que fez um estudo sobre a correspondência das Artes editado em 1969, época em que eu contava com oito anos, me fez voltar uns anos ao passado e relembrar alguns comentários da minha tia, fotógrafa, que se chamava Irene.
Uma das coisas que lembrei é de quando ela falava que se eu queria guardar a nossa historia deveria tirar fotos em preto e branco, pois são mais resistentes ao tempo do que as coloridas. As coloridas dizia ela, não vão resistir por muito mais do que uns dez anos. Por isso em homenagem a ela, que faleceu no fim do ano passado, escaneei algumas destas fotos que ela tirou e nas quais aparecem junto comigo meu avó José (que nesta época já estava cego) minha avó Manoela e minha filha mais velha a Alline (na época com cerca de dois meses de vida) e enviei para os meus colegas da pós para que eles pudessem perceber o seu ponto de vista. Enquanto lia um trecho do livro de Souriau que falava sobre o “ponto de vista” pensei no ponto de vista "dela", ao tirar estas fotos e, como ele fala que os diversos pontos de vista organizam de certo modo melodicamente os espetáculos e transforma o observador em testemunha. E ainda, “a testemunha não é apenas um olho que vê, é um homem que anda e um coração que se comove”. Pude perceber através de seu comentário a maneira como minha tia via a vida e valorizava a nossa memória afetiva.

Me conscientizei também das raízes (e razões) que me levaram a gostar tanto de fotografia já que o meu avó (que estava nas fotos) montou a primeira loja de fotografia de Três Rios (RJ), em minha cidade natal, e por muitos anos atuou sozinho registrando historias, eventos e lembranças de famílias inteiras. Muitas delas ele foi acompanhando de geração em geração até ele parar de trabalhar e passar direção da "Foto José" como era chamada, para a tia Irene e o tio Ebert. Minha mãe contou muitas historias sobre o quartinho de revelação que tinha uma luz vermelha e uma cortina com um pano preto à entrada para evitar que entrasse luz e que sempre povoou nosso imaginário já que quando éramos pequenos lá era um lugar proibido de entrar. De certa forma não era sem razão, já que os produtos químicos utilizados na revelação eram muito tóxicos e poderiam também ser perigoso manipulá-lo além dos negativos serem inflamáveis.
Acontece que a tia Irene assumiu a "Foto José" durante anos, assim como sua filha (Fernanda) o faz agora também junto com sua neta (Olívia). Tenho certeza de que elas também terão muitas historias para contar e recordar...
Conforme fui lendo e enquanto lembrava e me emocionava com a leitura fui escrevendo num papel alguma coisa sobre ela:

A arte sobrevive ao autor
a foto sobrevive ao fotógrafo,
mas o espírito, este não morre,
continua criando sempre...

A maioria das fotos que tenho
momentos de alegria em família
tiveram como autora minha tia,
que de outro ponto tudo via.

O que será feito de tantas histórias?
O que faremos com nossas memórias?
Fotos de fatos de outrora,
marcas que vamos deixar...

Queria dividir o "seu" olhar,
pois ao olhar suas fotos
mergulhei no seu ponto de vista
entendi assim sua forma de criar.

Não tenho a pretensão de escrever utilizando as normas descritas no livro em questão, mas valeu o desabafo, lavou a alma. Justificou-se a sua existência como disse Souriau, "A existência, mesmo a mais humilde, não seria plena, não seria absoluta, se não trouxesse consigo sua justificação."


Referência Bibliográfica:
SOURIAU, Étienne, A Correspondência das Artes, Elementos da Estética Comparada, Tradução de Maria Cecília Queiroz de Moraes Pinto e Maria Helena Ribeiro da Cunha, São Paulo : Cultrix : Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.
Autor: Rose Mary Pinto Valverde de Carvalho


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