OS RISCOS DE PROTEÇÃO - o quê, quem e por quê?



Diante dos recentes acontecimentos, onde a inundação das sedentas e insaciáveis páginas da world wide web reproduzem em velocidade ainda incalculável as múltiplas versões e contextos econômicos e sociais do planeta Terra, é possível acreditar que, por alguma razão de ordem estritamente particular; um habitante qualquer, em seu estado mental dentro dos limites da aldeia global, totalmente blindado às influências do efeito borboleta (conforme Edward Norton Lorenz) e, portanto, dependendo naturalmente do ânimo e do ambiente em que se encontra, pode chegar ao seguinte cúmulo do contra-senso existencial: não descartar a hipótese de um inexorável desejo de aprofundamento das crises de ordem econômica para que, de fato, seja ampliada a eficiência da regulação e controle dos sistemas econômicos e financeiros pelos governos, dos governos pelas sociedades, dos contribuintes pela ética, dos cidadãos pela moral, da justiça pelo direito e dos seres humanos pela humanidade.

Embora esse desejo possa estar muito mais submerso nas águas turvas da emoção e dos valores puramente pessoais, é possível imaginar que uma provável dose de inconformidade esteja sendo irrigada através das veias pálidas e conflituosas que ligam a razão à fé. No entanto, sucessivas evidências de fraudes financeiras, informalidades corporativas e desordenamento de mercados fragilizados pelos excessivos graus de alavancagem e volatilidade, não têm sido suficientes para demover convicções anti-revolucionárias do ordenamento social. No máximo, a percepção somente tem submetido os mortais às inevitáveis preocupações com as incertezas e crises econômicas – ditas estas de ordem cíclica – e, inexplicavelmente, parecem não mobilizar as pessoas comuns mais confiantes nos escudos da Proteção Divina.

Por conta disso, os desdobramentos desses acontecimentos somente fazem emergir de forma cada vez mais acentuada, um paradoxal fenômeno típico das pessoas de bem (aquelas classificadas como pessoas comuns e que conscientemente vivem sob o jugo piramidal das elites – leia-se proteção do estado): a perplexidade e a inércia diante da sensação de aumento da propensão à perda.

No campo telúrico, há no pretexto de proteção da pessoa - esteja onde estiver esse habitante – um regime de governo atuando como procurador tácito de Deus. Na maior parte da aldeia (ou pré-aldeia, pelo fato de ainda estar parcialmente interligada), o regime lhe faculta o direto de decidir sobre quase tudo que lhe diz respeito, sempre sob a égide da liberdade “democrática” (ver teoria das elites de Robert Michels) e os limites da lei. Mesmo na forma estereotipada da base piramidal, onde a pessoa comum se transforma em agente econômico, ator social, contribuinte, consumidor, produtor, usuário, etc., as tomadas de decisão são geralmente de livre arbítrio e, portanto, por conta e risco de cada um (viva la fête de la liberté!).

Sob a ótica economicista, por exemplo, os vestígios de liberdade de escolha são relativamente expressos em coeficientes dependentes, como é o caso das inúmeras combinações das propensões marginais a consumir e a poupar da renda pessoal disponível como indicadores incontestáveis da livre iniciativa dos agentes. Para tanto, o somatório das ações individuais torna-se determinante no equilíbrio geral do sistema econômico e, por conta disso, servem de orientação aos instrumentos de política econômica do governo na correção de possíveis distorções.

Assim, o coeficiente que indica a parcela da renda que será destinada ao consumo presente ou futuro depende de outras variáveis que influenciam na renda do agente e, como fator exógeno ao seu campo de decisão, supõe que essas estejam controladas de forma igualitária pela autoridade econômica (viva la fête de la égalité!). Portanto, a liberdade regulada e controlada tacitamente pela procuração Divina advém da convicção extrema da proteção solidária, humanitária, harmônica, conveniente, (viva la fête de la fraternité!).

Naturalmente que, num fluxo circular perfeito do sistema econômico (isto é, eficientemente regulado e controlado), a atuação dos agentes econômicos em cada sentido – sempre baseados em suas próprias expectativas racionais ou adaptativas - seria moldada pelas dimensões de riscos a que estão adequadamente sujeitos na decisão de consumo presente ou futuro. Nesse caso, a hipótese inerente de perda seria perfeitamente justificada, seja na origem da renda – pelos inevitáveis desequilíbrios econômicos resultantes do somatório das ações individuais – ou na aplicação – pelas apostas mal feitas e a aceitação natural da própria incompetência.

Com isso, a circunstância de perda é legitimada pela própria liberdade de agir, pois, em sentido lato, o risco de perda pode ser o ônus de ter a possibilidade de ganhar e, na razão inversa, o ganho pode ser o bônus de aceitar o risco de perder. Assim, a grandeza da possibilidade de perder representa a dimensão invertida do ganho e, por conseguinte, quanto maior o risco de perder, maior poderá ser o ganho. Será?

Será que as ameaças de perdas repelem as pessoas comuns das oportunidades de ganhos? Será que a indiferença às oportunidades de ganhos é que diferencia as pessoas comuns das elites. Será que a sensação de perda das pessoas comuns advém do oportunismo das elites? Será que o aumento da proteção dos oportunistas não diminuiria a sensação de perda das pessoas comuns?

De qualquer forma, as possibilidades inerentes de perdas por parte dos agentes econômicos (empreendedores, apostadores, aplicadores, investidores, produtores, poupadores, consumidores, etc.) são tidas como circunstâncias perfeitamente factíveis num contexto endógeno de decisão. Por conta disso, os riscos vêm sendo sistematicamente enfrentados através da criação de mecanismos de proteção (hedge), notadamente nos aperfeiçoados instrumentos voltados para a tecnologia de gestão de ativos financeiros, sejam riscos positivos ou negativos.

Dentre estes, o de maior destaque na atualidade tem sido o uso dos denominados derivativos, cuja relação com a economia real e a escala de evolução tem surpreendido até mesmo os especialistas (1:1 em 1980; 1:3 em 2005; e 1:72 em 2008). Se, para cada unidade monetária de produto da economia real há 72 unidades monetárias de operações de cunho eminentemente financeiro derivado, o que isto de fato representa em termos racionais de regulação e controle da proteção. Será a componente exponencial de aversão ao risco um dos fatores propulsores do próprio risco? Ou seja, Quanto maior a busca por proteção significa maior incidência de risco agregado.

A busca de proteção, embora não signifique necessariamente garantia de segurança total, passou a fazer parte de tal forma dos sistemas econômico-financeiros que o aumento da propensão marginal a proteger-se tem sido acentuadamente observado nos segmentos produtivos. Isto representa que o aumento do uso de derivativos para cobertura das transações traz como pressuposto básico a garantia de preços futuros que mantenha a renda em patamares mínimos desejados.

Evidentemente que o que se espera da regulação e controle do sistema é o monitoramento adequado das exposições aos riscos dos agentes e respectivas corretoras, de modo que as compensações ocorram em limites suportáveis em termos de garantias apresentadas. Teoricamente, a busca de proteção constitui apenas num custo adicional considerado na formação do preço de venda dos bens que, se submetido ao mercado, produz apenas um efeito natural no consumo e poupança pela redução do poder de compra dos consumidores.

Além disso, a redução dos riscos das oscilações de preços permitiria maior estabilidade dos preços em geral e, consequentemente, favoreceria a conjunção positiva das expectativas de todos os agentes (produtores e consumidores). O que poderia ter então de insustentável num sistema tão confortável como o mecanismo dos derivativos que não estritamente a possível deficiência e/ou ausência em certos aspectos de regulação e controle do sistema econômico pelas autoridades?

Em suma, a democracia e a necessidade de proteção têm gerados riscos elevados às pessoas comuns e, paradoxalmente, às elites também. A preferência pela proteção das pessoas comuns recai sobre as incertezas geradas pelas complexas derivações de ativos em termos de regulação e controle de juros, câmbio, impostos, etc., ou seja, elementos da economia financeira em detrimento da economia produtiva. Por outro lado, a preferência pela proteção das elites recai sobre as incertezas geradas pelas “tentativas” de proteção das pessoas comuns pelos governos através da intervenção na economia real, muitas vezes além do grau necessário.

Acaso, haverá algum seguro contra ineficiência democrática de gestão? Por certo, pois o prêmio está sendo pago pelo aumento da propensão marginal à perda de proteção.
Autor: Carlos Antonio Lopes


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