A FAMÍLIA SOB A PERSPECTIVA JURÍDICA



1. Do direito de Família


1.1. Da instituição da família


É inegável que a multiplicidade e variedade de fatores não permitem fixar um modelo familiar uniforme, sendo mister compreender a família de acordo com os movimentos que constituem as relações sociais ao longo do tempo. A história da família é longa, não linear, feita de rupturas sucessivas, deixando sem dúvida a variabilidade histórica da feição da família, adaptando-se às necessidades sociais prementes de cada tempo.

Entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no decorrer dos tempos. Sendo uma entidade orgânica, a família deve ser examinada, primordialmente, sob o ponto de vista exclusivamente sociológico, antes de o ser como fenômeno jurídico.

Conforme descrição feita por Friedrich Engels, em sua obra sobre a origem da família, editada no século XIX, no estado primitivo das civilizações, o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo. Disso decorria que sempre a mãe era conhecida, mas se desconhecia o pai, o que permite afirmar que a família teve de inicio um caráter matriarcal, porque a criança ficava sempre junto à mãe, que a alimentava e a educava. Posteriormente, na vida primitiva, as guerras, a carência de mulheres e talvez uma inclinação natural levaram os homens a buscar relações com mulheres de outras tribos, antes mesmo das que pertenciam ao seu próprio grupo. Nesse contexto, no curso da história, o homem marcha para relações individuais, com caráter de exclusividade, embora algumas civilizações mantivessem simultaneamente situações de poligamia, como ocorre até o presente momento. Desse modo, atinge-se a organização atual de inspiração monogâmica. (ENGELS apud VENOSA Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, p.17)

A monogamia desempenhou um papel de impulso social em beneficio da prole, dando origem ao exercício do poder paterno. A família monogâmica converte-se, portanto, em um fator econômico de produção, pois esta se restringe quase exclusivamente aos interiores dos lares, nos quais existem pequenas oficinas. Essa situação vai-se reverter somente com a Revolução Industrial, que faz surgir um novo modelo de família. Com a industrialização, a família perde sua característica de unidade de produção. Perdendo seu papel econômico, sua função relevante transfere-se ao âmbito espiritual, fazendo-se da família a instituição na qual se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros. (BOSSERT, Zannoni apud VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, p. 18).

Em Roma, o poder exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos é quase absoluto. A família, como grupo, torna-se essencial para a perpetuação do culto familiar. No direito romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo entre os membros da família. Durante esse período da antiguidade, família era um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que invocava os mesmos antepassados.

Com o cristianismo, as uniões livres passaram a ser condenadas e o casamento foi instituído como sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre os nubentes, cercando-a de solenidades perante a autoridade religiosa. Desaparecida a família pagã, a cristã guardou esse caráter de unidade de culto, que na verdade nunca desapareceu por completo, apesar de o casamento ser tratado na história mais recente apenas sob o prisma jurídico e não mais ligado à religião oficial do Estado.




1.2. Conceito de Família

A conceituação de família oferece enorme complexidade, estabelecendo um paradoxo para sua compreensão, assim como já foi exposto. O Código Civil não a define. Não bastasse ainda a indefinição desse conceito, como todo fenômeno social, no tempo e no espaço, a extensão dessa compreensão difere-nos diversos ramos do Direito e infindas abordagens, como a obra de Rodrigo da Cunha Pereira, que trata do tema do Direito de família sob a visão da psicanálise. (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica, 3ª edição, revista, atualizada e ampliada.)

Como regra geral, porém, o Direito Civil moderno apresenta uma definição mais restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco.

Num conceito amplo, podemos definir família como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.

Apresentei esses conceitos apenas para efeito de compreensão, pois, como afirmei acima, a conceituação de família depende de vários fatores que podem variar de acordo com o desenvolvimento das concepções da sociedade.



1.3. Direito de família no Brasil e sua previsão constitucional


Apesar de a legislação ordinária ser extensa, as maiores mudanças ocorridas com a família e sua importância social se deram com a vigência da Magna Carta de 1988, que prevê, em seu artigo 226, caput, o seguinte: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Pela leitura do texto legal trazido à baila, verifica-se que a busca pela proteção da família passou a ser o ponto fundamental para a organização da sociedade brasileira e de suas instituições. A intervenção estatal escancarou-se para demonstrar, de uma vez por todas, que a função do antigo pater familiae romano deveria agora ser exercida pelo Estado.

A constituição federal de 1988, além de proteger a família, buscou também proteger a criança e o adolescente, proteção posteriormente fundada pelo Estatuto da criança e do adolescente, portanto, obtiveram grande proteção constitucional, sendo que, mesmo estando dentro da família, podem ser retirados do atual pátrio poder, passando aos cuidados do Estado, caso existam indícios de maus tratos, violência etc. na disputa de forças entre todos os dispositivos legais que asseguram o poder do pai e da família diante do novo texto constitucional, este ultimo deve sempre prevalecer.

A referida disputa de forças entre as leis ordinárias e o novo texto constitucional já foi objeto de discussão jurisprudencial, tendo prevalecido, no Supremo Tribunal Federal, a indicação de revogação dos dispositivos infraconstitucionais que estejam incompatíveis com as disposições contidas nos artigos 226 a 230 da CF/88. A família e o direito de família devem, pois, sempre ser ensinados e estudados pelo ponto de vista constitucional, antes de qualquer dispositivo legal.

É certo que o corte doutrinário nos obriga a não incluir nesse rol as famílias monoparentais (certamente uma modalidade de família), bem como as famílias baseadas na chamada “união livre” (nesse caso ainda há controvérsia doutrinaria e jurisprudencial), uma vez que o estudo de tais modalidades não é o objetivo proposto.

O novo código Civil Brasileiro, que esteve em trâmite por mais de 25 anos no Congresso Nacional, buscou trazer inovações ao Direito de família que, em grande parte, já estavam dispostas na Constituição Federal de 1988. Dessa forma, o novo texto da lei Civil tem o condão de adaptar o não se tornaram plenamente reais e aplicáveis, uma vez que permanece a disputa de forças entre o texto atual do código Civil e as criações constituições.

Os códigos elaborados a partir do século XIX dedicaram normas sobre a família. Naquela época, a sociedade era eminentemente rural e patriarcal, guardando traços profundos da família da Antiguidade. A mulher se dedicava aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia os mesmos direitos do homem. O marido era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal.

O Estado, pela forte influência religiosa e moral da época, absorve da igreja a regulamentação da família e do casamento, instituindo a indissolubilidade do vinculo do casamento, incapacidade relativa da mulher, bem como a distinção legal de filiação legitima e ilegítima.

Somente a partir da metade do século XX, paulatinamente, o legislador foi vencendo barreiras e resistência, atribuindo direitos aos filhos ilegítimos e tomado a mulher plenamente capaz, até o ponto culminante que representou a constituição de 1988, que não mais distingue a origem da filiação, equiparando os direitos dos filhos, e estabelecendo a igualdade de direitos entre homem e mulher na direção da sociedade conjugal. (VENOSA, Silvio Salvo. Op. Cit., p.28)

A CF/88 consagra a proteção à família no art.226, compreendendo a família fundada no casamento, a da união de fato, a família natural e a família adotiva.

Nesse contexto, uma importante modificação que pontua o presente estudo, foi a extinção da distinção entre filiação legitima e ilegítima, equiparando, para todos os efeitos legais, os direitos dos filhos.



1.4. Da filiação


Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, p.308).

Sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que tem como sujeitos os pais com relação aos filhos.

O código Civil de 1916 centrava suas normas e dava ênfase à família legitima, isto é, aquela derivada do casamento, de reconhecido sacramento. Elaborado em época histórica de valores essencialmente patriarcais e individualistas do inicio do século passado, que marginalizou a família não provinda de casamento e simplesmente ignorou os direitos dos filhos que não fossem oriundos de relações não matrimoniais, fechando os olhos a uma situação social que sempre existiu.

Somente a partir de meados do século XX, nossa legislação, acompanhando uma tendência universal, foi sendo alterada para, timidamente a principio, introduzir direitos familiares e sucessórios aos filhos provindos de relações extra matrimoniais.

Por fim, a CF/88 vedou qualquer tipo de discriminação relativa à filiação. Desse modo, a terminologia do código, filiação legitima, ilegítima e adotiva, de vital importância para o conhecimento do fenômeno, passa a ter conotação e compreensão didática e textual e não mais essencialmente jurídica.

Com o avanço da ciência e da tecnologia genética, a regulamentação jurídica da filiação conclamou uma nova reflexão sobre o assunto. A filiação, que no código de 1916 era baseada em presunções legais que somente poderiam ser contestadas em face de algumas hipóteses previstas em lei, passa a ter nova regulamentação. Exemplo disso está prescrito no art. 1.601 do atual Código Civil, que confere a possibilidade do marido contestar a paternidade dos filhos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Desse modo, caem por terra os antigos pressupostos do direito anterior, que se arraigava a princípios sociais e culturais hoje totalmente superados.

Podemos concluir, pois, que a filiação é a relação existente entre o filho e seus pais, independente da condição de concepção. Por outro lado, a relação dos pais com o filho chama-se paternidade (para o pai) e maternidade (para a mãe).
Autor: simone almeida silva neves


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