Da atribuição de hipocrisia aos onívoros contrários a abusos contra animais



Em muitas discussões entre onívoros simpatizantes da defesa animal e vegetarianos idem, as quais envolvem os mais diferentes assuntos de crueldade contra animais, costuma haver uma acusação por parte de alguns do segundo lado de que os primeiros seriam hipócritas por terem um respeito dito parcial e seletivo pelos bichos.

Muitos acusadores costumam pensar que estão contribuindo para a melhoria da consciência dos onívoros quando promovem tais críticas não-construtivas, mas não é preciso pensar muito para se constatar que essa atitude acusatória é inadequada e compromete não só o esforço global de esclarecimento e conscientização ético-alimentar como também a própria reputação dos vegetarianos e veganos perante a sociedade.

Em fóruns de internet tematizados na defesa dos animais não-humanos, como comunidades anti-rodeio, anti-vivissecção e de Direitos Animais, e até em algumas discussões presenciais, alguns vegetarianos se deixam levar pelo impulso emocional de “apontar o dedo”, abrem mão da sensatez e da paciência e lançam-se a acusar de hipocrisia os debatedores que ainda ingerem alimentos de origem animal. Argumentam que é incoerente e não faz sentido alguém prezar pela vida e integridade de alguns animais enquanto come sem remorso a carne de outros que sofreram muito em matadouros e granjas, por isso quem comete essa contradição seria hipócrita e não teria moral para falar de amor e compaixão para com bichos.

A atitude de criticar e taxar os iniciantes na compaixão e respeito a animais de hipócritas, além de não convencer ninguém que largar o consumo de carne e outros alimentos de origem animal é um importante passo ético, deixa uma aura de chateação e descontentamento entre os onívoros e lhes passa uma péssima impressão generalizada sobre os vegetarianos, mesmo que tenha sido uma minoria deles a demonstrar um comportamento ofensivo.

Muitos onívoros, depois de lidarem com acusadores e saírem bastante chateados com a prepotência e arrogância demonstradas pelo outro lado na discussão, passam a ver o vegetarianismo ético como um comportamento venenoso por tornar as pessoas arrogantes e intolerantes e rompem com a perspectiva de adesão ao mesmo. Alguns indivíduos, dada a antipatia desenvolvida, deixam-se tomar por um reacionarismo antivegetariano e aderem a categorias sociais como os “alfacistas”, que se empenham em criticar destrutivamente, ridicularizar e desqualificar o vegetarianismo e o veganismo. Por esses motivos, a imagem dos vegetarianos sai bastante arranhada e a conscientização torna-se bem mais complicada.

No direcionamento de críticas e acusações de hipocrisia, nota-se a transgressão de diversos valores e virtudes imprescindíveis para o esforço de esclarecer a população sobre os males advindos do consumo de produtos de origem animal e conscientizá-la em favor da alimentação vegetariana de motivação ética: paciência, tolerância, ponderação, racionalidade e sabedoria.

Esse comportamento deve ser evitado a todo custo, uma vez que em nada ajuda – e sim atrapalha e retarda – na progressão dos valores daqueles que estão se interessando pela defesa dos não-humanos. Devem ser observados vários aspectos da evolução da consciência daquele que ainda come carne mas demonstra oposição clara a atividades cruéis de exploração animal.

Primeiro, deve-se entender que as primeiras manifestações de apoio à causa bioética já são um grande feito, uma importante vitória da conscientização. É muito melhor que a total alienação e despreocupação para com os animais não-humanos.

Mesmo que opor-se apenas a rodeios, vaquejadas e fur farms não seja o bastante, nunca seja tudo, já é um considerável começo, uma série de passos notáveis para quem está começando a enxergar o que há fora da "caverna de Platão". Por mais tímidos e temerosos que sejam os passos rumo à realidade, ver e encarar a luz da verdade que transcende as ilusões das sombras na gruta – ilusões como crer que o animal domesticado existe para nos servir e que os touros de rodeio corcoveiam por fúria e valentia – é uma atitude que deve ser sempre estimulada e encorajada, nunca criticada como lenta e limitada.

Como mesmo os veganos mais antigos devem saber, acostumar a vista a enxergar fora da “caverna” não é tão fácil, devido à luz ser inicialmente muito forte para olhos que viveram por tanto tempo na escuridão. Assim é com o conhecimento da realidade cruel da relação entre animais humanos e não-humanos e a assimilação de respeito e compaixão para com os segundos. Esses são processos que demandam tempo, não são tão rápidos como desejamos.

Uma pessoa pode evoluir em consciência num tempo que pode ser algumas semanas ou até vários anos, dependendo de sua predisposição à mudança de valores dogmatizados e hábitos enraizados e de sua capacidade de adaptação a costumes e gostos novos. Julgá-la negativamente só vai atrapalhar e inibir esse processo gradual e talvez induzi-la a deixar de simpatizar com a possibilidade de se tornar vegetariana.

Essa realidade demanda muita paciência por parte dos militantes veg(etari)anos. Esta é uma virtude que não pode faltar para ninguém que quer ajudar a conscientizar a população. Deve-se entender a referida demora de muitos em encarar a realidade por trás das refeições onívoras corriqueiras e adotar costumes éticos em substituição aos tradicionais. Para essas pessoas, em vez de críticas, devemos prestar-lhes assistência e fornecer mais argumentos que as ajudem a compreender melhor a questão animal e saber como podem aprimorar seu ponto de vista em relação à mesma.

Deve-se entender que aqueles que ainda comem carne mas já mostram sincera compaixão por bichos e oposição a certas atividades cruéis não são hipócritas nem desprovidos de moral para simpatizar com a defesa animal. São sim gente que está trilhando um substancial caminho de evolução ética, vivendo a transição entre a antiga mentalidade despreocupada com a situação não-humana e a vida realmente harmonizada com os Direitos Animais.

O veg(etari)ano convicto, ainda que esteja mais adiantado ou consolidado em tal processo que essas pessoas por já zelar por um universo animal maior, não deve arrogar superioridade nem rebaixá-las por incompletude, mas sim ajudá-las com orientação e esclarecimento continuado. Prestar auxílio em vez de fazer críticas e maus julgamentos será benéfico para todos – pré-vegetarianos, veg(etari)anos e animais não-humanos.
Autor: Robson Fernando


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