Limpeza social urbana não é uma boa solução



Uma das marcas da atual prefeitura do Recife vem sendo o disciplinamento urbano forçado. Pelo menos dois casos são exemplares nesse primeiro ano do governo de João da Costa: o ordenamento comercial da praia, decretado pelo antecessor João Paulo sem ser negociado com os ambulantes e quiosqueiros, e a remoção dos estabelecimentos de trabalho informal no entorno da Escola Eleanor Roosevelt, no bairro do Ipsep – esta a mando do Ministério Público, diga-se de passagem. Ao contrário de muita gente, não aplaudo essa iniciativa, por causas sociais. Fico pensativo, porque há muito mais pontos a serem considerados do que se deseja pensar.

Grande parte da população, ávida por uma reforma urbana da cidade, vem apoiando a providência, que, no entanto, se torna muito problemática se observada do ponto de vista social. Falou-se bastante que os botecos hoje derrubados atrapalhavam a escola e “convidavam” os estudantes à bebedeira e ao tabagismo e que as barracas da praia de Boa Viagem funcionavam anômica e caoticamente.

Certamente é agradável ver uma cidade limpa, livre do comércio desordenado, os bares ilegais removidos e a prefeitura promovendo a ordem em tão pouco tempo. Mas deve-se ter consciência de que, considerando que pessoas viviam do negócio que foi destruído pelos funcionários municipais e não foram incluídas devidamente em políticas consistentes de qualificação e inserção socioeconômica, o problema é muito mais complexo do que se quer pensar.

Sempre devemos nos munir de precaução e prudência quando discutimos sobre como solucionar a questão do forte comércio informal irregular recifense. Derrubar as barracas “e pronto” é uma providência sedutora, já que uma cidade cheia de barracas comerciais é esteticamente feia e urbanisticamente desorganizada e tornaria-se mais limpa sem elas. Mas deixa de ser respeitável quando enxergamos que pessoas que não têm renda alternativa serão expulsas e provavelmente não conseguirão ajustar sua vida com um novo trabalho tão fácil e rapidamente, mergulhando num estado de miséria.

Barracas irregulares não são a patologia social “per se”, mas sim um sintoma bastante agressivo de um complexo de problemas interrelacionados: a desigualdade social, a falta de uma educação qualificada na vida dos ambulantes, a desqualificação empregatícia dos mesmos, a falta de políticas de inclusão socioeconômica, a carência de ofertas de emprego etc. Também pesa a histórica ausência de política municipal de disciplinamento urbano, que, casada com o complexo problemático citado, permitiu a proliferação de estabelecimentos desprovidos de respaldo legal.

Não defendo que as barracas permaneçam eternamente em lugares indevidos, mas preconizo que é melhor e mais ético que, antes de removê-las, a prefeitura cadastre seus donos em programas de inclusão socioeconômica, previamente anunciados a eles. Isso no prazo mais curto. A médio e longo prazo, deveriam ser implantadas políticas estruturais de maior magnitude, algo que requererá firmeza de vários governos consecutivos.

Ordenar a cidade não é uma tarefa fácil e sua realização não pode ser separada da questão social. Derrubar barracas e expulsar seus donos sem que seja dado posterior amparo socioeconômico e empregatício caracterizará limpeza social, algo sempre antiético. Não adianta o Recife se tornar uma cidade bem-organizada se há uma política de exclusão social por trás de tal ordem – se isso acontecesse, seria uma vergonhosa feiura moral e social anulando a beleza estética.
Autor: Robson Fernando


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