Os argumentos de Marcelo Leite e a frieza vivisseccionista da comunidade científica



Aqui não falo necessariamente da opinião particular do jornalista Marcelo Leite sobre a vivissecção, embora nela eu me inspire neste artigo. Falo sim do caráter estagnado da mentalidade predominante na comunidade científica sobre o tema, a qual se reflete na abordagem dele da notícia dos saguis fosforecentes do Japão e nas suas respostas aos comentaristas que se posicionaram a favor dos animais explorados pela vivisseção.

Leite demonstra claramente que a própria comunidade científica, cuja maioria é dogmaticamente adepta de uma antropocêntrica e discriminatória concepção de bioética, é ela própria uma enorme barreira para a eticização das ciências biomédicas e desconfiguração da vivissecção como fundamento da pesquisa dessas disciplinas. Antropocentrismo cartesiano, especismo e falta de compaixão e empatia para com as vítimas das experimentações estão fixos na mentalidade dessa gente como se fossem convicções religiosas.

Analisando a abordagem do assunto por Leite, percebemos a forma como os vivisseccionistas enxergam a vida animal não-humana e a exploração da mesma: com muita naturalidade, anunciam que criaram bichos que não nasceram para viver, mas sim estritamente para servir de instrumento ingrediente de experiência. Para essas pessoas, é redutível a zero o fato de que esses seres têm sentimentos, desejos e um valor intrínseco como seres vivos sencientes. Apenas seus corpos e seu funcionamento orgânico importam.

Diz o autor no texto em resposta aos defensores da dignidade animal: “Partilho da opinião de alguns especialistas em bioética de que macacos merecem mais proteção contra excessos em experimentação científica do que animais menos aparentados com seres humanos, como roedores.” Supõe nesse dizer que os seres vivos, quanto mais assemelhados aos humanos, mais dignos são de respeito. Um óbvio antropocentrismo que, como explicado abaixo, é justificativa fundamental para muitas desgraças cometidas por mãos humanas.

Ele fala muito ainda que ser cartesiano seria algo bom, opinião também muito compartilhada no meio científico. Não tenho muito conhecimento teórico sobre René Descartes, mas sabe-se que o pensamento dele era antropocêntrico ao extremo – detalhe de certa forma influenciado pelo dogma cristão de sermos “imagem e semelhança” da divindade – e enxergava a vida animal não-humana como desprovida de sentimentos, como meramente autômata.

O antropocentrismo que o pensador francês tanto pregou compara-se ao etnocentrismo xenofóbico em se tratando de declarar a inferioridade dos “outros”, desprezar o seu valor intrínseco, negar a alteridade e a empatia e, por consequência, em estimular a exploração e matança deles. Observando isso e a história humana, percebemos como esses dois pensamentos foram e são os brasões de tantos crimes cometidos contra o meio ambiente, a vida animal não-humana e a própria humanidade.

Por fim, vimos o jornalista reiterar a suposta indispensabilidade da vivissecção e chamar de “sentimentaloide” a esperança de que a vivissecção se torne obsoleta e seja banida da ciência, um comportamento que podemos interpretar como externalização da muito má vontade da comunidade científica em, respectivamente, reconhecer os Direitos Animais e desenvolver métodos de pesquisa livres de crueldade.

A argumentação de Marcelo Leite, mais do que apenas uma fria opinião pessoal, é o reflexo do maior obstáculo atual para a experimentação animal ser deixada de lado: a preguiça filosófica e a acomodação que impedem uma mudança de valores por parte dos cientistas da biomedicina, do velho cartesianismo frígido ao respeito e valorização da vida animal não-humana.
Autor: Robson Fernando


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