A Ordem Feudal Na Europa Ocidental



Ao tentar explicar como se dava a organização e funcionamento da ordem feudal na Europa ocidental, gostaria de estabelecer algumas referências ao período medieval, para que a partir dele, possamos definir como se dá essa ordem.
A palavra feudalismo surgiu, diante da necessidade dos teóricos marxistas, em analisar a evolução social e econômica na organização das forças produtivas bem como as alterações que se deram nas estruturas políticas.
O feudalismo se apresentou como uma conseqüência direta da desagregação do poder real e da decadência do sistema monárquico, que não mais conseguia conter os ataques externos, fragmentando cada vez mais a cadeia de comando dos estados, dando com isso mais autonomia aos lideres locais e assim aumentando as unidades autônomas dentro de cada reino.
Segundo Duby, “A função primeira da realeza passou rápida e irreversivelmente para as mãos dos príncipes locais. Estes assumiram os direitos reais que tinham que neles tinham sido delegados e incorporaram-nos no patrimônio de uma dinastia cujas fundações iam sendo lançadas como parte do mesmo processo. Depois, a maior parte dos grandes principados foi-se, por sua vez, desintegrado, tal como os reinos. Os senhores da média linhagem, primeiro os condes de depois, por volta do ano 1000, os comandantes das fortalezas obtiveram sua independência dos príncipes.”
Seguindo a forma como o poder foi se subdividindo, no trecho descrito por duby vemos claramente que a autonomia passava para potentados cada vez menores.
Duby também fala que a estabilização, da era feudal, só se deu quando diminuíram as guerras de pilhagens sazonais que eram bem comuns entre quase todos os homens livres, contra inimigos de outras tribos. Com o aparecimento da adoção de um novo tipo de guerra e com a criação de um novo tipo de paz.
Ao fim do Sec. IX e inicio do Sec. X surge uma nova ideologia designada de “Paz de Deus”, onde consistia a idéia de que Deus tinha delegado aos reis a função de manter a paz e a justiça entre os homens, porém os mesmo, já não mais, davam conta desta função, então Deus tirou-os esse poder tomando de volta e investindo novamente nas mãos dos príncipes e bispos locais. Estes passaram a realizar concílios que decidiam os princípios de ordem moral e espiritual. Procurando assim diminuir a violência e estabelecer uma regra de conduta para todos que usavam armas. A partir desta nova ideologia começou a aparecer pela primeira vez uma moral coerente de guerra.
Com todas as regras estabelecidas pelos concílios de paz, os homens da guerra agora tinham que encontrar outras motivações para extravasar seu espírito bélico. Foi ai que surgiu o espírito da cruzada influenciada pela ideologia de paz guia-nos para a guerra no exterior. Também em duby na sua obra, Guerreiros e Camponeses. Os Primórdios do Crescimento Econômico Europeu - Séc. VII-XII encontramos uma referência a esta idéia, redigida da seguinte forma “Contra os inimigos de Deus, “os infiéis”, não só era permitido como até francamente salutar pegar em armas. Os homens da guerra eram assim convidados a praticar suas atividades fora da cristandade.”
Outro fato importante a ser enfatizado é que a instituição do senhorio tinha a função de proteger e condenar a pilhagem e a violência, que em compensação, legitimava a exploração senhorial, na qual, efetivamente dava uma maior solidez nas relações econômicas do período.
Novas ideologias se estabeleciam, o poder real estava cada vez mais fragmentado, dentro das instituições senhoriais e existia um crescente poder do clero, fortalecidos pelos concílios de paz. Neste momento alguns teóricos da época começam a explanar, com uma maior relevância, a teoria das três ordens.
As três ordens consistem na idéia, de que, desde o principio, Deus tinha distribuído tarefas especificas a cada homem, que foram distribuídas da seguinte forma. Os que tinham a função de orar pela salvação de todos, os guerreiros no qual deviam lutar e proteger o povo, já a terceira ordem cabia alimentar com seu trabalho os religiosos e os homens da guerra.
“Uns dedicam-se particularmente ao serviço de Deus; outros garantem pelas armas a defesa do Estado; outros ainda a alimentá-lo e a mantê-lo pelos exercícios da paz. São estas as três ordens ou estados gerais da França: o Clero, a Nobreza e o Terceiro Estado”.
Esta é uma das afirmações com que abre o Tratado das Ordens e Simples Dignidades de Charles Loyseau.
Também citado pelo mesmo, na obra - As três ordens ou o imaginário do feudalismo – de Georges Duby temos a seguinte frase: “A classe mais elevada voltada para o céu, as duas outras viradas para a terra, mas todas elas empenhadas em manter o Estado (desta vez com maiúscula), procurando à ordem média a segurança, a inferior alimentando as restantes. Três funções, pois, complementares. Solidariedade triangular. Triângulo: uma base, um vértice e, sobretudo, essa ternaridade que, misteriosamente, procura o sentido do equilíbrio.”
Se atentarmos para esta ultima citação acima veremos claramente, a distribuição da escala de poder, onde o clero ocupava seu ápice, os senhores da guerra estavam logo abaixo e o terceiro estado, que constituía a maior parte da população, estava na base da pirâmide.
Dando continuidade a uma tentativa de definição, de como, funcionava a ordem feudal, não podíamos deixar de falar do sistema senhorial ou domínios senhoriais, que se caracterizava não só pela hierarquia esquemática das três ordens, mais também pela instituição do senhorialismo. Que dentro dela possui uma estrutura própria e bem característica.
Os Senhorios ou Domínios Senhoriais eram uma das características principais do Sistema Feudal que vigorou na Europa durante grande parte da Idade Média e com especial destaque durante os séculos X e XI. Consistiam em domínios pertencentes a um senhor, a quem o rei, além de terras, concedia autoridade efetiva sobre todos os habitantes dessas terras, nomeadamente a autoridade para fazer justiça, cobrarem impostos e organizar a defesa militar.
A nobreza era tal como o clero queria a riqueza e também tinham funções militares e de defesa da cristandade. Os nobres formavam uma aristocracia que eram cavaleiros que combatiam na guerra em auxilio do rei e em troca recebiam títulos e doações de bens.
O domínio senhorial era composto por duas partes, à reserva que era a terra explorada pelo senhor através dos servos e camponeses e os mansos eram parcelas da propriedade que o senhor concedia aos camponeses livres (ou vilãos) para estes explorarem. Em troca, os camponeses davam ao senhor uma parte da produção sob a forma de rendas e trabalhavam gratuitamente (2 a 3 dias por semana) na Reserva (a estes trabalhos gratuitos era dada a designação de corvéias).
Outra relação importante a ser citada, é o poder do bannum, que consistia num poder geral de comandar, coagir e punir os homens livres.
Este direito significa que os maiores proprietários fundiários dispunham, a partir daí, de poder sobre todos os homens das suas terras, reforçando assim os seus direitos sobre os camponeses. Poderes militares, poderes judiciais, mas também poderes econômicos. A sua aplicação viria a ser muito ampla onde todos os homens (dependentes) iam ter de aceitar novos serviços, novos tributos, ou suportar a reentrada em vigor de antigos impostos caídos em desuso. È em nome do direito de bannum que as fontes de lucro para o senhor da antiga villa se vão multiplicar, a cerca do ano mil.
Neste sistema que nos referimos, outra característica importante é a questão da linhagem. Com o amadurecimento deste regime se tornava uma tendência manter os domínios das terras nas mãos da mesma família, com isso criou-se uma série de regras que visavam a manutenção desta linhagem. Como, para cada família existia uma linha de descendência masculina, onde o primogênito ocupava posição primordial. Aos outros, a instituição eclesiástica, se mostrava uma saída muito interessante, pois estes asseguravam uma posição de alto nível no clero superior ou em mosteiros.
Segundo duby “nas camadas altas da sociedade, as ligações de familia começavam a ser ordenadas dentro de um quadro rígido, destinado a assegurar a unidade de herança”.
Podemos também encontrar referências a importância destas linhagens no livro, A Sociedade Feudal, de Marc Bloch, onde ele menciona a importância das relações de parentesco e inclusive cita o fato dela não ser apenas consangüíneas.
“Em toda a Europa feudal, portanto, existem grupos consangüíneos. Os termos que servem para designá-los são bastante variáveis: em França, mais vulgarmente, parentesco ou linhagem. Em contrapartida, os laços criados desse modo são extremamente estáveis. Uma expressão é característica disso; em França, para referir os próximos, diz-se normalmente e apenas os amigos e na Alemanha Freunde: os seus amigos, enumera um documento da Ilha de França, do século XI, ou seja, a sua mãe, os seus irmãos, as suas irmãs e os seus outros parentes por sangue ou por aliança. Só por uma preocupação de exatidão bastante rara é que por vezes se especifica: amigos carnais.”
A classe senhorial no decorrer de sua historia, mostrou um aspecto bastante marcante, que era as distinções de classe no interior da nobreza, pois dentro dela encontramos uma divisão, aparentemente ligada a diferença da furtuna que cada um possuía. Encontramos esta referencia novamente em Marc Bloch, A Sociedade Feudal – pag 386. “Apesar das características comuns da vocação militar e do género de vida, o grupo dos nobres de fato, e depois, de direito, esteve sempre muito longe de constituir uma sociedade de iguais. Profundas diferenças de fortuna, de poder e, conseqüentemente, de prestígio estabeleciam entre eles uma verdadeira hierarquia, mais ou menos habilmente expressa. primeiro pela opinião e, mais tarde, pelo direito consuetudinário ou pela lei.”
Resumidamente podemos dizer que a distribuição da autoridade banal criou uma divisão econômica dentro da classe senhorial.
Podemos numa simplificação dizer que no topo dessa hierarquia senhorial estão os componentes do alto clero (bispos, abades) e os homens da guerra (príncipes territoriais, condes, barões e comandantes de castelos).
Temos, na parte mais baixa, dessa hierarquia dos nobres, por assim dizer, um conjunto de outros senhores, que trecho da obra de duby outras vezes citadas neste texto diz: “Do outro lado existiam muitos outros senhores - simples cavaleiros, cônegos que detinham como prebendas (uma parte dos rendimentos de uma catedral), monges encarregados de uma paróquia rural – bem como os representantes dos magnatas. Também estes tinham níveis de vida variáveis, mais tinham em como o controle direto no cotidiano de uma propriedade compacta, cujo o tamanho Não ultrapassava a sua capacidade de organização.”
A ordem feudal se dá num universo muito amplo e bastante complexo, onde suas divisões podem se delinear numa mudança de ideologia surgida no fim do Sec. IX e inicio do Sec. X, com a concepção da “Paz de Deus” e posteriormente com o estabelecimento das “Três Ordens” na divisão estrutural do período, bem como “o Sistema Senhorial”, que estabeleciam as relações de poder dentro destas classes.
Autor: Volnei Neto


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