O Tempo Segue O Caminho Dos Sonhos Em To The Lighthouse



As reflexões internas dos personagens interrompem os episódios externos em To The Lighthouse, os quais não possuem importância isolados e certamente teriam seu tempo de narração extremamente curto se não fossem essas interrupções, chamadas de ações periféricas. Elas são feitas pelo narrador, mas vale lembrar que ele não é a entidade detentora de todo conhecimento acerca das personagens. Não há nenhuma marca gramatical ou tipográfica que indique tais situações como fala ou pensamento de alguém: "ninguém sabe nada, com certeza, aqui; tudo não é senão conjectura, olhares que alguém deita sobre o outro, cujos enigmas não é capaz de solucionar" (AUERBACH, E., 1971, p.467).

Essas interrupções, por mais simples que sejam, sintetizam algumas características dos personagens e, principalmente, de Mrs. Ramsay. Entretanto não são suficientes para desvendar o enigma em relação a ela. Tal ação se consolidará a partir da confluência dos opostos no final da obra. O momento presente é compartilhado com outros tempos e esse efeito provoca a multiplicação das experiências e o agrupamento das personagens. Através do monólogo interior, a voz do narrador conduz as descrições, como já foi dito anteriormente, reveladas de forma plausível, ligando todas as cenas naturalmente.

Esse processo é semelhante aos sonhos, cujas características são: "motivo casual que desencadeia processos da consciência; reprodução natural, ou se se quiser, até naturalista dos mesmos na sua liberdade, não limitada por qualquer intenção nem por qualquer objeto determinado; ressalta o contraste entre tempo "exterior" e tempo "interior""(AUERBACH, 1971, p.472).

Em seu livro, A Interpretação dos Sonhos, Freud esclarece que o pensamento e o conteúdo dos sonhos são duas versões de um mesmo assunto. Assim, o paralelo que se pode traçar com o livro é que os fatos exteriores funcionam como o sonho e os psicológicos, como o pensamento onírico. O autor chamou de trabalho de condensação a supressão de algumas partes do pensamento onírico nos sonhos. Dessa forma, as impressões internas são mostradas, algumas vezes, de maneira embaralhada, isso porque segue o fluxo da consciência. Freud determinou meios de representabilidade nos sonhos para as idéias desconexas.

O primeiro consiste no fato de que os sonhos levam em conta a ligação que existe entre todas as partes do pensamento do sonho, combinando todo o material em uma única situação. Contextualizado em To The Lighthouse, esse é o trabalho do narrador à medida que prepara diversos eventos durante todo o livro, os quais, de início, não apresentam ligação clara, para no fim chegar a um mesmo desfecho a todos eles. Pode-se ilustrar com o desejo de Mrs. Ramsay em casar Paul com Minta e Lily com William Bankes. No decorrer da obra, Mrs. Ramsay colhe as mais simples evidências que, para ela, são grandes indícios do sucesso dos casamentos desses dois casais. Na segunda parte do livro, vê-se que seu projeto não obteve êxito, visto que o primeiro casal foi infeliz e o segundo nem chegou a ter uma relação amorosa. A olhos simples, esse fato parece sem importância alguma, mas o que o narrador quis representar era a eterna competição que Mrs. Ramsay sempre travou com a vida, querendo organizar tudo da forma como achava que era o certo.

O segundo meio de representabilidade criado por Freud é a mostragem de uma ligação lógica através da simultaneidade do tempo. No livro, ao mesmo tempo que Mr. Ramsay realiza sua expedição ao farol, Miss Briscoe termina sua pintura. Essas duas ações têm em comum o encerramento de conflitos que foram a base de toda a obra. O primeiro parágrafo do último capítulo de To The Lighthouse se inicia com a fala de Lily: "He must have reached it"; e o último parágrafo descreve a finalização de sua pintura: "Quickly, as if she were recalled by something over there, she turned to her canvas. There it was – her picture" (WOOLF, 1927, p.237).

O terceiro meio de representação indica que a proximidade de elementos também mostra ligação entre eles. A medição da meia é acompanhada pelo consolo de James por Mrs. Ramsay em relação às palavras rudes e pessimistas do pai. Não é uma mera coincidência, pois a meia é para o filho do faroleiro e, se Mrs. Ramsay ainda a tricota, é porque acredita, ou deseja crer, que a ida ao farol será viável: "If she finished it tonight, if they did go to the Lighthouse after all, it was to be given to the Lighthouse keeper for his little boy" (WOOLF, 1927, p. 7).

Em relação ao tempo na obra, vê-se que as três partes de To the Lighthouse são marcadas por diferentes formas de temporalidade: a primeira e a terceira partes focalizam as cenas de um único dia, promovendo associações que possibilitam a entrada na consciência das personagens, permitindo a visita a outros tempos e lugares. Outros tipos de tempo – da noite e do dia, das estações e dos anos e o do silêncio – atuam paralelamente, de forma não linear, longe da sensação de progressão, resvalando para o jogo cíclico. O tempo psicológico predomina sobre o cronológico pelo fato de os principais acontecimentos acontecerem na memória das personagens. É apenas na segunda parte que o tempo cronológico ganha importância, pois os fatos são narrados de maneira linear.

Como já foi exemplificado, em diversos momentos, o narrador interrompe o fluxo linear dos acontecimentos para entrar na mente das personagens. Nessas interrupções, o tempo não é determinado, pois a consciência das personagens percorre caminhos impossíveis de serem marcados: ora ela volta a um passado mais recente, ora a um mais remoto. As cenas em si são curtíssimas, as reflexões internas ocupam o maior espaço em To The Lighthouse.

Um bom exemplo deste recurso é quando Mrs. Ramsay está tricotando a meia e a mede em James, que está arredio, mas, ao mesmo tempo, muito triste ("Never did anybody look so sad" -WOOLF, 1927, p.34). Uma reflexão sobre o significado da aparência traz a tona a discussão sobre a beleza e simplicidade incomparáveis de Mrs. Ramsay. O narrador interrompe a cena entre Mrs. Ramsay e seu filho para acrescentar outro fato relativo à beleza de Mrs. Ramsay: um certo dia Mrs. Ramsay conversa com Mr. Bankes ao telefone. Ela lhe conta um fato sobre um trem e ele só pensa o quão incoerente é ter uma conversa tão banal com uma mulher espetacular como ela: "The Graces assembling seemed to have joined hands in meadows of asphodel to compose that face. Yes, he would catch the 10:30 at Euston" (WOOLF, 1927, p.35)

Essas interrupções são independentes do tempo principal (tempo em que a história realmente acontece). O essencial é a liberação das idéias fora do presente e que, desse modo, possa penetrar na profundidade da memória de cada personagem. Portanto, se tomadas isoladamente, as ocorrências externas (tais como, o desentendimento sobre o clima entre Mrs. Ramsay e Mr. Ramsay; Mrs. Ramsay tricotando a meia e a medindo em James, depois lendo o conto dos Irmãos Grimm para ele em frente a janela; Lily fazendo sua pintura no jardim; o jantar; Lily terminando sua pintura; e a viagem ao farol) não têm importância alguma em relação ao tema da obra, no caso, a vida, cujo andamento é um processo contínuo de descobertas, reflexões e interpretações sobre seres humanos e sobre si mesmo.

Para que isso pudesse ser transmitido no livro, foi empregada a técnica de montagem tempo e espaço, uma série de artifícios que, mediados pela intromissão do narrador na consciência das personagens, são usados para mostrar interligação ou associação de idéias entre as personagens. Assemelha-se a uma sucessão rápida de imagens, ou à sobreposição de uma imagem pela outra, ou ainda ao contorno de uma principal por outras imagens a ela relacionadas.

Assim, funcionam as interrupções já tratadas anteriormente. É como se houvesse uma pausa na história para esclarecer todo o histórico de alguém ou de alguma situação. Isso é feito devido ao fato da história priorizar o fluxo da consciência, e não os acontecimentos reais para que o leitor fique ciente dos acontecimentos psicológicos.

Referências:

AEURBACH, E. A meia marrom. Mimesis – a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1971.

BISHOP, E. Macmillian Modern Novelists – Virginia Woolf. Hampshire: Macmillian,1991.

CHILDS, P. Modernism. London and New York: Routledge, 2000.

FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1987 (2 vols.)

HUMPHREY, R. Stream of Consciousness in the Modern Novel. Berkeley, University of California Press, 1968.

LEVENSON, M. The Cambridge Companion to Modernism. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1999.

WOOLF, V. Modern fiction. In: The Common Reader, First Series. London: Hogarth Press, 1925.

WOOLF, V. To the Lighthouse. London: Penguin Books, 1927.


Autor: Juliana Pimenta Attie


Artigos Relacionados


Dor!

Eu Jamais Entenderei

O Salmo 23 Explicitado

Minha Mãe Como Te Amo

Pra Lhe Ter...

Nossa Literatura

Tudo Qua Há De Bom Nessa Vida...