A Educação Para O Trabalho



INTRODUÇÃO

Antes de aprofundar em fundamentações teóricas proponho registrar alguns de meus pontos de vista em relação à questão da educação para o trabalho. Entendo por educação para o trabalho, toda a formação educacional de cunho profissionalizante, proposto por estabelecimentos públicos ou particulares de ensino e que seja direcionado ao público jovem ou adulto, nos turnos matutino, vespertino e noturno, em níveis de primeiro e segundo grau, cujo objetivo principal é oferecer formação e qualificação profissional, visando atender as exigências do  mercado de trabalho, garantindo ao estudante jovem, alguns epm idade adulta, a sua cidadania, diferencial competitivo no mercado de trabalho e, por conseqüência, bons empregos e bons salários.

O estabelecimento de ensino, disposto a oferecer tal tipo de educação, por certo, tem que estar munido de instalações físicas adequadas para esse fim, professores capacitados, laboratórios, oficinas e, o que é mais importante, algum processo de encaminhamento dos alunos ao mercado de trabalho, ora como estagiários (aprendizes), ora como profissionais (técnicos), no sentido de atender a esse tipo de demanda.

Entretanto, na prática, as coisas não funcionam desta maneira. Elucidarei melhor essa questão mais adiante, nas citações de obras que tratam de pesquisas específicas sobre o ensino médio, profissional e noturno. As escolas que se dedicam a oferecer educação para o trabalho em sua grande maioria não atingem seus objetivos. Com raras exceções, alguns estabelecimentos conseguem esse intento e são considerados referências. É o caso das escolas técnicas federais e as escolas do sistema SENAI/SENAC. Mas, sendo tão raros os casos de sucesso, o que ensinam as demais escolas? O que aprendem seus alunos? Sob que perspectiva eles aprendem? Cabe ressaltar, também, que as escolas que conseguem obter sucesso, na formação profissional de seus alunos, na realidade, produzem mão de obra para o mercado de trabalho. Trabalho, muitas das vezes, mecanicista e especializado, destinado a um modo de produção, onde prevalece a dominação do capital sobre o trabalho.  A quem interessa, então, formar sujeitos críticos e pensantes? Qual a contribuição da teoria da atividade neste contexto? Desenvolver uma reflexão, a partir destas indagações é o que proponho com este artigo, estruturado a partir da pesquisa teórica sobre as dicotomias que envolvem o ensino médio profissional, a alternativa do ensino noturno na formação educacional do trabalhador, a teoria da atividade e a transformação pela ação e suas implicações práticas na educação para o trabalho.

DICOTOMIAS DO ENSINO MÉDIO PROFISSIONAL

Torna-se conveniente antes de buscar explicação nos fundamentos teóricos da teoria da atividade e tornar possível a reflexão pretendida, fazer um breve percurso histórico apoiado no estudo feito por Acacia Kuenzer (2001), que trata da ambiguidade do ensino médio em seu propósito de promover a continuidade dos estudos e, ao mesmo tempo, preparar o aluno para o mercado de trabalho. A dualidade estrutural se desenvolve a partir dos anos 40, com a reforma CAPANEMA, e as leis complementares que criaram os cursos colegiais destinados a preparar os estudantes para o ingresso nos cursos de nível superior. O desenvolvimento dos setores produtivos da economia, principalmente na indústria, faz surgir, a partir de 1942, o sistema SENAI/SENAC e, no mesmo período, a transformação das escolas de aprendizes artífices em Escolas Técnicas Federais. Esses acontecimentos acabam por promover a divisão social do trabalho organizado: Os que tinham formação de nível médio e os que possuíam formação superior.

A partir de 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional, torna-se possível pela primeira vez articular sobre ensino secundário de segundo ciclo e profissional, para fins de acesso ao ensino superior, sem, contudo, alterar a essência do princípio educativo tradicional em função das necessidades definidas pela divisão social do trabalho.

Em 1971, no governo militar, com a LDB, a equivalência entre os ensinos, secundário e propedêutico é substituída. Surge a obrigatoriedade de habilitação profissional para aqueles que cursassem o segundo grau. Reforça-se aí a necessidade de preparação da força de trabalho, qualificando-a para atender as demandas promovidas pelo milagre econômico vivido pelo país. Cabe lembrar, que nesse período, há grande crescimento da organização estudantil, tanto no nível secundário, como de nível superior, e que foi contida pela política ditatorial da época.

Um ponto que merece reflexão está relacionado ao parecer 76/75 que trata do equívoco existente na lei 5692/71, segundo o relator daquele parecer. O equívoco está relacionado ao entendimento de que toda escola de segundo grau deveria se transformar em escola técnica, ao passo que no entendimento do relator, o ensino é que deveria ser profissionalizante. Segundo Kuenzer, o que o parecer 76/75, faz, é na verdade, revitalizar a dualidade.

Para melhor compreensão do percurso histórico das políticas educacionais para o ensino médio, Kuenzer (2001) detalha algumas passagens e registros documentais.

ENSINO TÉCNICO PARA UM MUNDO GLOBALIZADO

Prosseguindo na reflexão sobre as dicotomias do ensino médio, Martins (2000), busca explicitar as relações dicotômicas entre formação educacional e formação profissional. Seguindo os ensinamentos de Gramsci, o autor faz um estudo do processo de ensino - aprendizagem, e estabelece a existência de uma cisão entre o saber e o fazer, onde quem sabe são aqueles que coordenam as ações dentro de um sistema de produção e, quem faz, limita-se a executar tarefas pré - determinadas.

Essa cisão, a que se refere o autor, remete-nos, a meu ver, ao modelo mecanicista presente nas teorias clássicas da administração e que ainda vigoram nas empresas, cuja ênfase maior, está no aumento da produção. Os modelos de produção, cada vez mais automatizados, sistematizados e padronizados, quando não tiram do operário de seu trabalho, substituindo sua força produtiva pelas máquinas, exigem desse, maior especialização e qualificação para ocupar novos postos de trabalho dentro de um modelo tecnológico, mais avançado.

Persiste assim, a figura daquele que apenas executa uma pequena parte de um trabalho, sem conhecer o seu todo, mantendo-se o operador dessas máquinas, distante do processo de organização e preparação do trabalho.

O ENSINO NOTURNO COMO ALTERNATIVA, DE EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO.

Se por um lado, o ensino médio profissionalizante tem a função de preparar mão de obra para atender as necessidades do mercado, por outro lado há de se considerar a existência de uma outra faceta para essa dicotomia: O ensino noturno. Para alguns, o ensino noturno é uma alternativa que possibilita o acesso à educação das pessoas que necessitam trabalhar para custear seus próprios estudos.  Para outros, uma ilusão, pois o ensino noturno não oferece as condições adequadas para um bom aprendizado.

Carvalho, (2001) apresenta o resultado de uma análise a respeito das implicações que envolvem a realidade dos estudantes que têm de trabalhar durante o dia e estudar à noite. Muitos destes estudantes, menores de idade, que nos relatos das entrevistas realizadas pela autora, revelam as dificuldades em relação ao aprendizado, ao cansaço, à prorrogação da jornada, a relação com os professores e os amigos da escola e a crença num futuro melhor, fruto da busca pelo saber.

Em sua abordagem, a autora não leva em conta nenhuma prática pedagógica ou técnica didática, ou até mesmo providências de natureza administrativa que possam melhorar o desempenho dos cursos noturnos. O que se coloca em questão é a relação trabalho diurno - escolarização noturna. Em que pese o fato de, em certos momentos, sua abordagem ser carregada de ideais sociológicos ao considerar a escola reprodutora do sistema produtivo, no modo de produção capitalista, cabe ressaltar que, observa-se, no dia a dia das escolas noturnas, a partir dos depoimentos apresentados, uma diversidade de sensações, onde a escola noturna ora aparece como vilã que nada ensina, ora como espaço de socialização, em que permite ao trabalhador estudante a prática do convívio social, ora como extensão do local de trabalho, pois há uma espécie de prorrogação de jornada.

A TEORIA DA ATIVIDADE E A TRANSFORMAÇÃO PELA AÇÃO

A teoria da atividade iniciou-se a partir dos trabalhos de Vygotsky e têm como princípio a ação de um sujeito mediada por uma "ferramenta", e destinada a um objetivo. Angel Pino, (1991) esclarece que além de Vygotsky, Luria e Leontiev, seus colaboradores, contribuiram para a expansão da Neuropsicologia e Neurolinguistica, cabendo a Leontiev a proposição da teoria da atividade.  A relação histórica entre o sujeito e o seu objetivo, de maneira recíproca, é que determina o resultado final da ação, ou seja, a ação está condicionada ao modo como uma atividade é realizada e como ela se desenvolve e evolui, de maneira permanente.

Rego (1995), ao interpretar alguns aspectos da vida e obra de Vygotsky, salienta que  A autora prossegue, argumentando sobre a necessidade existente entre os homens de se promover um intercâmbio, no processo de produção de uma atividade (trabalho), que se dá através da comunicação. É a linguagem, o veículo de comunicação e apropriação do conhecimento.

"é através do trabalho...que o homem atua sobre a natureza. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material...é pela produção que se desvenda o caráter social e histórico do homem...O homem é um ser social e histórico e é a satisfação de suas necessidades que o leva a trabalhar e transformar a natureza, estabelecer relações com seus semelhantes, produzir conhecimentos, constituir a sociedade e fazer a história".

Ainda segundo a autora, é através da linguagem que ocorre a mediação entre o homem e o ambiente, sendo o sujeito do conhecimento, constantemente estimulado pelo mundo externo que internaliza esse conhecimento construido ao longo da história e que, para Vygotsky, está na atividade prática, nas interações estabelecidas entre o homem e a natureza fazendo com que as funções psíquicas nasçam e se desenvolvam.

Para Davidov apud Rego (1995), é a escola quem deve ser capaz de desenvolver capacidade intelectual nos alunos, permitindo que estes possam assimilar os conhecimentos acumulados, não se restringindo à transmissão de conteúdos, ensinando-os a pensar e a apropriar-se de conhecimento elaborado, para praticá-lo ao longo da vida.

Entretanto, para Vygotsky, a construção do conhecimento implica em uma ação partilhada, exigindo uma cooperação e troca de informações mútuas, com conseqüente ampliação das capacidades individuais.  As conclusões de Vygotsky aparecem ao estudar as funções psicológicas superiores, que consistem no modo tipicamente humano de funcionamento da capacidade mental do indivíduo e que se desenvolve ao longo da vida do sujeito, a partir de sua interação com a natureza e o meio sócio - cultural. 

Para Karl Marx apud Rego (1995):

... o desenvolvimento de habilidades e funções específicas do homem, assim como a origem da sociedade humana, são resultados do surgimento do trabalho. É através do trabalho que o homem, ao mesmo tempo que transforma a natureza, se transforma...as relações dos homens entre si são mediadas pelo trabalho.

Salienta a autora que, na análise de Vygotsky, os seres humanos, diferentemente dos animais, produzem os instrumentos necessários à realização do trabalho, sendo capazes, também, de conservá-los para uso posterior, preservar e transmitir sua função aos membros de seu grupo, aperfeiçoar instrumentos e criarem novos.

O artigo de Angel Pino "O social e o cultural na obra de Vygotsky", esclarece o ponto de vista de Marx e Engel sobre as teses de Feuerbach, que contrapõe a idéia de que é o homem quem produz as circunstâncias para o seu aperfeiçoamento e melhoria das condições de sua existência.

Seguindo adiante, a partir da abordagem sobre a teoria da atividade formulada por Vygotsky, Luria e Leontiev, esta, têm sua difusão nos Estados Unidos e na Finlândia, cuja aplicação se deu na área da engenharia. A idéia de atividade voltada para um objetivo tem como motivo transformar objetivo em resultado. Uma atividade pode ser realizada por diversas ações e tendo como base diversos motivos. Os diversos motivos da atividade dão à ação, um sentido pessoal diferente para cada ator no contexto da atividade a ser realizada. A ação se reduz a uma operação, na medida em que vai sendo executada durante muito tempo. A dinâmica ação - operação é característica do desenvolvimento humano.

O fato das atividades não serem estáticas, proporcionam constante transformação e desenvolvimento, em todos os níveis, inclusive em nível dos trabalhadores, que têm que se adaptarem aos novos modelos de ação. 

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DA T. A. NA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO.

Este estudo buscou identificar os propósitos do formato de ensino médio profissional com vistas à formação e qualificação para o trabalho, a alternativa de acesso à educação através do ensino noturno e o conhecimento de algumas das premissas da teoria da atividade, para em seguida, identificar suas implicações práticas em um modelo de educação para o trabalho.

A educação para o trabalho, nos moldes da atual legislação, traz no seu bojo a dualidade, representada na necessidade de promover a continuidade nos estudos e, ao mesmo tempo, preparar mão de obra para atender as necessidades do mercado que, a todo o momento, se atualiza, em função das mudanças geradas pelos modos de produção, avanços tecnológicos, alta competitividade e globalização.

O ensino noturno apresenta-se como alternativa real, na busca de melhores oportunidades, por aqueles que já estão no mercado de trabalho, ou para aqueles, que desejosos de conseguir uma colocação profissional, escolhem o período da noite para prosseguir nos seus estudos.

Sem, necessariamente, oferecer um ensino de grande qualidade, se comparado ao ensino diurno, escola, professores e alunos, tentam desenvolver o seu papel com o objetivo de ajudar o país, no seu processo de desenvolvimento.

A teoria da atividade, a partir da perspectiva histórico - cultural vigotskiana e suas atualizações, enaltecem a importância do aprendizado através da ação e das interações com o meio sócio - cultural, possibilitando o desenvolvimento das pessoas e da própria atividade.

O trabalho, sob o ponto de vista da teoria da atividade constitui-se em transformar objetivo em resultado, através da ação. Em função disso, o trabalho é modificado, atualizado e desenvolvido visando à satisfação das necessidades dos indivíduos em sociedade.

Em seu propósito também, a teoria da atividade estabelece que a memória, a imaginação, o pensamento e a emoção são formas distintas de atividade, e que o pensar e o fazer não se situam em pólos opostos.

Identificar nas práticas pedagógicas das escolas destinadas a formação para o trabalho, os pressupostos da teoria da atividade, exigiria a meu ver, uma pesquisa específica para esse fim. No entanto, vejo a partir desse estudo, que a teoria da atividade tem suas implicações no modelo de educação para o trabalho, na medida em que as escolas formam seus técnicos em suas habilitações específicas e coloca-os à disposição do mercado de trabalho. É no trabalho que ela se manifesta. Na atividade profissional. No motivo, voltado para o resultado. Cabe a cada qual, buscar seu diferencial competitivo e abocanhar as oportunidades oferecidas, ciente de que necessita estar sempre atualizado.

CONCLUSÃO

Ao iniciar o presente trabalho, abri espaço para registrar alguns de meus pontos de vista a respeito da educação para o trabalho. O propósito foi de registrar algumas percepções que tenho, considerando a experiência obtida no ensino médio, profissionalizante e noturno, além de verificar até que ponto estas percepções estavam afinadas com as pesquisas publicadas sobre o assunto.

Ao ler as obras de Acacia Kuenzer, Marcos Francisco Martins e Célia Pezzolo de Carvalho constatei que muitas de minhas percepções condiziam com os fatos apresentados pelos autores, a partir das pesquisas realizadas. Necessitaria então, verificar as implicações da teoria da atividade nos modelos vigentes de educação para o trabalho.

Estruturei a pesquisa, apresentando as abordagens dos autores e em seguida, recorri ao levantamento bibliográfico sobre Vygotsky, realizado por Teresa Cristina Rego, apoiado em textos de Angel Pino e Maria Cristina Zamberlan. A partir das informações contidas nas abordagens procurei construir minhas conclusões, refletindo sobre as implicações da teoria da atividade para o modelo de educação para o trabalho.

Como resultado dessa reflexão, observei que a teoria da atividade está relacionada, na verdade, com o trabalho real. O trabalho direcionado para o resultado ou, melhor dizendo, o objetivo voltado para o resultado, cujas ações se modificam a partir das interações entre sujeito, objetivo, artefatos de mediação, ou ferramentas e o resultado pretendido. É no trabalho real, que a teoria da atividade se manifesta e não nas práticas pedagógicas. Como adverte Rego (1995), acreditamos ser infrutífera e inadequada a tentativa de aplicação imediata dos postulados vygotskyanos à prática pedagógica ou mesmo da escolha de seu referencial como o único possível.

Quanto ao modelo de educação para o trabalho, algumas indagações ainda persistem principalmente em relação à dualidade presente nesse modelo educacional. No entanto, enquanto há dúvidas, há espaço para reflexão. É através da ação reflexiva, que se produz o conhecimento.

ABSTRACT: The purpose of the present article, besides looking to  deepen in the discipline " The didacticism and the education for thinking in the cultural historical theory", that it composes the program of the mastership course in Sciences of the Education, of the Catholic University of Goiás, it presents a reflection, about the practical implications of the theory of the activity, in the context of the education for the work, considering the current models of professional education, in the medium teaching. 

Word-key: teaching; learning; education for the work.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carvalho, Célian Pezzolo de. Ensino noturno: realidade e ilusão. São Paulo: Cortez, 2001.

Martins, Marcos Francisco. Ensino técnico e globalização: cidadania ou submissão?

Campinas: Autores Associados, 2000.

Kuenzer, Acácia Zeneida. Ensino médio e profissional: as políticas do estado neoliberal. São Paulo: Cortez, 2001.

Rego, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspetiva histórico - cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

Severino, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2000.

Sirgado, Angel Pino. Cadernos CEDES - Pensamento e linguagem: Estudos na perspectiva da psicologia soviética. São Paulo: Papirus, 1991.

Zamberlan, Maria Cristina. A teoria da atividade: agir para transformar algo. (internet). 2001.

Autor: Orlando Rodrigues


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