O Direito á Saúde a Luz da Constituição Federal



“O Direito á Saúde a Luz da Constituição Federal”
Bruno Florentino de Matos

RESUMO


Todos os dias, os meios de comunicação divulgam o descaso do Poder Público com quem necessita de atendimentos básicos de saúde, evidenciando-se a incapacidade do Estado no tocante ao cumprimento de um dever constitucional e um direito social de todos os cidadãos previstos nos artigos 6º e 196 da nossa Constituição Federal.
Palavras-chave: Saúde- Constituição Federal- Direito- Judiciário- Seguridade


ABSTRACT


Every day, the media disseminate the neglect of the government who need basic health care, showing the inability of the state in regard to a constitutional duty and a social right of all citizens under Articles 6 and 196 of our Federal Constitution.
Keywords: Health-Constitution-Law-Legal-Insurance


1) Introdução


O objetivo do presente estudo versou sobre o direito à saúde como obrigação do Estado, buscando externar toda sua relevância na sociedade como um todo e no campo jurídico-constitucional.
A Constituição Brasileira de 1988 garante a todos os cidadãos o direito à saúde, por força de vários dispositivos constitucionais, onde está prescrito em vários deles, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado (art. 196).

Entretanto, o que se pode analisar, é de que após todo o tempo decorrido da promulgação da nossa Lei Maior de 1988, a saúde padece de efermidades profundas, fazendo com que o direito à saúde, enquanto direito fundamental não tenha a total efetivação conforme os ditames constitucionais.


2) O Direito à saúde constitucionalmente assegurado


O Direito á saúde do povo assegurado constitucionalmente, para proteção de cada cidadão brasileiro, de modo que este direito, qual seja a “saúde”, deve ser entendido como primordial em qualquer situação. (ACHOCHE, 2009)

Se não bastassem tais proteções, temos ainda o artigo 6º de nossa Carta Magna, que reza ser a saúde um direito social inerente a todo cidadão brasileiro, sendo certo que se caracterizam, pois, conforme bem preceituado por Alexandre de Moraes:

(...) como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social (...).

Por derradeiro, tratando-se de normas constitucionais protetivas e efetivadoras do direito à saúde, imprescindível fazer referência ao Título VIII, da Constituição Federal de 1988, intitulado Da Ordem Social, o qual, em seu capítulo II, Seção II, trata de forma específica da Saúde. (ACHOCHE, 2009)

Referida seção inicia-se com o art. 196, o qual dispõe:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação. (ACHOCHE, 2009)

Depreende-se, pois, de tal preceito, a enorme proteção que é atribuída a referido direito, bem como sua enorme abrangência, de modo que se mostra absolutamente pertinente sua efetivação. (ACHOCHE, 2009)

Em uma seqüência lógica o artigo 197 dita ser a saúde serviço de relevância pública, e o artigo 198, inciso II, versa que as ações e serviços públicos de saúde devem ter atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. (ACHOCHE, 2009)

Demonstra-se, assim, a absoluta imposição constitucional de o Estado garantir a todos – e, portanto, a qualquer um indiscriminadamente – o acesso a tudo que se encontra relacionado à Saúde, de modo a não poder abster-se de forma alguma a cumprir tal mister que lhe fora constitucionalmente imposto. (ACHOCHE, 2009)
Ademais, deve-se ter em mente que conforme impõe o art. 5º, §1º, da nossa Magna Carta, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, de modo que se tem afastada qualquer aplicação reducionista de tal direito fundamental. (ACHOCHE, 2009)

Certo é, por conseguinte, que os direitos fundamentais devem ser entendidos enquanto direitos individuais, razão pela qual a saúde, vista, de acordo com o já ressaltado, como um direito fundamental, deve ser efetivada a cada cidadão, independentemente de qualquer coisa. (ACHOCHE, 2009)

Insta ressaltar, oportunamente, que não entender assim é restringir a efetividade dos direitos fundamentais, o que não se pode admitir no paradigma de um Estado Democrático de Direito, no qual as normas constitucionais devem irradiar os seus efeitos jurídicos por todo o ordenamento jurídico. (ACHOCHE, 2009)

Desta forma, cumpre citar os dizeres de Fabrício Veiga Costa, para quem "a interpretação extensiva, que leva em consideração a sistematicidade constitucional, deve ser a marca dos direitos fundamentais."


3) O Direito fundamental á saúde na constituição


Como análise preliminar do presente estudo, é mister delinearmos precipuamente um conceito de saúde, haja vista que esta discussão perdurou por vários séculos. (HUMENHUK, 2009)

O primeiro conceito de saúde, provavelmente foi externado pelos pensadores da Grécia Antiga, através do qual já dizia o brocardo "Mens Sana In Corpore Sano", que pode-se dizer que foi um marco da definição de saúde. Entretanto, o termo "saúde" designa pensamentos diversos, pois de um lado "o entendimento de que a saúde relacionava-se como o meio ambiente e as condições de vida dos homens; do outro lado, o conceito de saúde como ausência de doenças." (HUMENHUK, 2009)

A partir do século XX com surgimento da Organização Mundial as Saúde (OMS) em 1946, a saúde foi definida como o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou agravos, bem como, reconhecida como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, seja qual sua condição social ou econômica e sua crença religiosa ou política. Diante disto, pode-se dizer que a saúde é uma incessante busca pelo equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e vários componentes." (HUMENHUK, 2009)

Contudo, a conceituação de saúde dada pela OMS sofreu várias críticas, haja vista que as verbas públicas podem correr o risco de não serem suficientes para e efetivação de um completo bem-estar físico, mental e social. Assim, preconiza Kraunt acerca do conceito de saúde externado pela OMS, " la aplicación de este concepto reconoce límites culturales, sociales y económicos." (HUMENHUK, 2009)

A saúde também é uma construção através de procedimentos, delineados por "um proceso dinámico, es um fenómeno holístico, po lo tantono puedem darse definiciones estáticas, permanentes." É inequívoco então dizer que a definição de saúde está vinculada diretamente a sua promoção e qualidade de vida. Isto posto, é coerente descrever a definição de Bolzan de Moraes: (HUMENHUK, 2009)

O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios. (HUMENHUK, 2009)

Logo, a partir da definição de saúde, poder-se-á externar a afirmativa de que a saúde correlacionada com o direito designa um direito social, ou seja, o direito à saúde. Assim, o direito à saúde está presente em diversos artigos de nossa Carta Constitucional de 1988 a saber: arts. 5 º, 6 º, 7 º, 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225, 227 e 230. (HUMENHUK, 2009)

A moderna doutrina jurídica desperta na sua mais pura hermenêutica, bem como, nas legislações atuais, que o direito à saúde está interligado com vários outros direitos como por exemplo: direito ao saneamento, direito à moradia, direito à educação, direito ao bem-estar social, direito da seguridade social, direito à assistência social, direito de acesso aos serviços médicos e direito à saúde física e psíquica. (HUMENHUK, 2009)

Então, existem vários direitos afins com o direito a saúde, pois na legislação infraconstitucional, a Lei n º 8.080/90, que trata do assunto, no seu art. 3 º, caput, já faz menção que a saúde possui características determinantes correlacionadas como a educação, a moradia, o trabalho, o saneamento básico, a renda, o meio ambiente, o transporte, o lazer e o acesso a serviços essenciais. (HUMENHUK, 2009)

A saúde está relacionada com a educação, posto que, se o indivíduo recebe uma correta educação evitará muitos problemas devido a informação e entendimento no assunto. Isto posto, a saúde também é correlata com o trabalho, uma vez que o trabalho possui uma função também primordial na vida dos seres humanos e diante deste aspecto a saúde é pressuposto para o cidadão realizar suas tarefas, bem como a segurança na questão das doenças e acidentes no trabalho. (HUMENHUK, 2009)

Por se externar uma Carta eminentemente social, nossa Constituição Federal de 1988, no seu art. 6 º, reconhece a saúde como um direito social. Partindo deste pressuposto, o direito à saúde "passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de garantia/efetividade da saúde, pena de ineficácia de tal direito." (HUMENHUK, 2009)

Os direito sociais localizam-se no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna de 1988. O Título II da nossa Constituição Federal elenca os direitos e garantias fundamentais. Nesta sistemática, "se os direitos sociais estão insculpidos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e garantias fundamentais, é óbvio que os direitos sociais (como a saúde) são direitos fundamentais do homem e que possuem os mesmos atributos e garantia destes direitos." Deste modo, é inegável que o tratamento constitucional aos direitos sociais possui assento no Título II, entre os direitos fundamentais.


4) O PROBLEMA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL.


4.1) Mazelas e Descasos


Existem várias garantias no que tange ao direito à saúde, contudo, se estas garantias fossem hipoteticamente efetivadas, o problema da efetivação do direito à saúde estaria sanado. (HUMENHUK, 2009)

Dentre uma série de outros casos, ocorre um flagrante desrespeito à nossa Carta Magna de 1988, especialmente ao art. 196, devido a sua não aplicação. Ora, se o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, externado como um direito social, público e subjetivo, qual o porque da violação deste direito constitucionalmente garantido e inerente a todo cidadão. (HUMENHUK, 2009)

O fato é de que o Estado deve atuar positivamente na consecução de políticas que visem a efetivação do direito à saúde, no entanto, há uma gama de barreiras burocráticas, econômicas e políticas que emperram a efetiva aplicação do direito à saúde. (HUMENHUK, 2009)

Através de alguns dados do relatório "A Saúde no Brasil", ao qual foi divulgado na publicação quadrienal "La Salud en Las Americas", edição de 1998, preparado pela Organização Pan-Americana de Saúde / Organização Mundial de Saúde, compondo o capítulo "Brasil", é possível constatar uma série e mazelas e descasos da não efetivação do direito à saúde no Brasil. (HUMENHUK, 2009)

É notório que os recursos destinados a saúde são insuficientes para a sua demanda, e, além disso, o governo faz a opção de reajustar as contas públicas em detrimento aos gastos sociais. (HUMENHUK, 2009)

Conforme o Relatório "A Saúde no Brasil", poder-se-á destacar alguns números que nos mostram o descaso:

Os gastos públicos com saúde no período 1980-1990, em relação ao PIB, atingiram o valor máximo de 3,3% em 1989. Essa participação reduziu-se fortemente nos anos seguintes, voltando a aumentar em 1994 e atingindo 2,7% em 1995. Acrescentando-se os gastos privados das pessoas físicas – estimados em 34% dos gastos totais com saúde, em 1995, corresponderiam a cerca de 4,1% do PIB. Esse valor pode estar subestimado, pois a forte redução dos gastos públicos com saúde, ocorrida entre 1990 e 1993, certamente conduziu a um aumento dos gastos direitos das pessoas com o pagamento de serviços privados. O gasto federal com atividades promovidas pelo Ministério da Saúde representaram, em 1996, cerca de 10,4% da arrecadação da União, valor inferior ao atingido em 1989, calculado em 19%.(HUMENHUK, 2009)

Assim, o descaso com a saúde é explicitamente notado, visto que a aplicação de recursos públicos na área da saúde não evolui desde 1989, pois "o Brasil, ainda hoje, é o país que menos investe em saúde: apenas 4% do seu Produto Interno Bruto/PIB, contra a média de 13% verificada nos demais países da região." (HUMENHUK, 2009)

Conforme alguns dados da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE – 2000), a grande maioria da população brasileira ainda depende do SUS. Pois 115 milhões de pessoas, cerca de 75 % da população, enquanto 48,5 milhões de pessoas, cerca de 25 % da população é atendido pela medicina privada.

As internações em hospitais públicos feitas pelo SUS,é uma realidade que condiz com o que o Governo Federal gasta, em torno de R$ 4,50 (quatro reais e cinqüenta centavos) por internação, desde 1995, designando a antepenúltima pior do mundo. (HUMENHUK, 2009)

Desde o início da epidemia de cólera em 1991, até 1994 se acumularam no país cerca de 150 mil casos, com 1.700 óbitos. Cerca de 6 mil óbitos registrados anualmente no país são atribuídos à tuberculose. Em 1995 foram notificados 91.013 casos de tuberculose (...) o que significa a incidência de 29 casos por 100 mil habitantes. (HUMENHUK, 2009)

Isto revela que mesmo existindo vacinas e meios de controle, doenças e epidemias ainda proliferam no país, rebaixando ainda mais o nível de qualidade de vida e de saúde no Brasil. (HUMENHUK, 2009)

A poluição do meio ambiente, contaminando alimentos e pessoas, bem como a poluição atmosférica também contribuem para o baixo desempenho da saúde no Brasil, haja vista o descaso com o controle de emissão de monóxido de carbono (94 % são provenientes das descargas de veículos automotores). (HUMENHUK, 2009)

Não obstante a isto, o não esclarecimento por parte da população, devido as mazelas no sistema de educação, com a falta de informação, também ajudam para este desempenho regular da saúde brasileira. Um bom exemplo, é a AIDS, pois muitas pessoas morrem e se contaminam por falta de informação adequada sobre o assunto, uma vez que os maiores índices de contaminação se dá nos cidadãos de baixa escolaridade. Diante disto, há que se Ter uma prestação sanitária efetiva nos centros educacionais, como escolas e Universidades. (HUMENHUK, 2009)

Outra questão, é a da subnutrição e da fome no Brasil, especialmente na região Nordeste, que revela um elevado índice de mortalidade infantil. Pois "a possibilidade de uma criança não ultrapassar o primeiro ano de vida é quatro vezes maior no Piauí do que em São Paulo." (HUMENHUK, 2009)

Poderíamos, aqui, ainda citar os mais variados índices de descasos com a saúde, como mortalidade infantil, poluição do meio ambiente, efetuação errada na coleta de lixo, falta de leitos hospitalares, falta de disponibilidade de remédios, baixo grau de recursos financeiros no investimento na área sanitária, o atendimento público da saúde, que mais parece um favor do que um direito do ser humano, tudo o que gera para a não efetivação da saúde como um direito e consequentemente para má qualidade de vida e da dignidade humana. (HUMENHUK, 2009)

Não obstante o direito à saúde ser previsto constitucionalmente, os números mostram o descaso, e diante disto, nossos governantes e o Estado não resolvem o problema da saúde, que é, portanto, na explanação magistral do prof. Schwartz, "muito mais do que direito de todos. É principalmente, a solução de todos."


4.2. Alternativas para efetivação do direito à saúde


A questão primeira é novamente a interpretação do art. 196 da Constituição Federal, que revela que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas. (HUMENHUK, 2009)

As políticas sociais e econômicas exprimem a primeira forma de efetivação da saúde, visto que se as políticas impostas pelo Estado na área da saúde fossem suficientes para efetivação e conseqüente aplicação da prestação sanitária, desnecessário seria outras organizações, atividades como função de reparar a inércia estatal para com a saúde. (HUMENHUK, 2009)

Conforme o relatório "A Saúde no Brasil", a CPMF foi uma forma que o governo achou de tentar sanar o problema da efetivação da saúde. Isto posto:

Desde janeiro de 1997, está sendo arrecadada a Contribuição Provisória sobre Movimentação financeira – CPMF, destinada ao atendimento de necessidades urgentes no setor. Com essa contribuição se espera arrecadar cerca de 4,8 bilhões de dólares, que elevarão o orçamento federal da saúde em aproximadamente 30 %.

No entanto, diante dos vários números apresentados à saúde brasileira, é quase que óbvio que o dinheiro não está sendo destinado à saúde ou sendo insuficiente. (HUMENHUK, 2009)

Outra questão a ser analisada é de que como já preconizava Konrad Hesse, falta "vontade de Constituição", vontade política de fazer valer os ditames constitucionais. Assim, ou se realiza o direito à saúde, designando todo o Estado Democrático de direito para com o cidadão, ou se desrespeita a dignidade humana, a Constituição e a vida. (HUMENHUK, 2009)

Como a hermenêutica Constitucional externa o direito à saúde como um direito social, eivado de garantias pela Constituição, é mister que o Estado tenha uma efetiva atuação na consecução da saúde, exprimindo a justiça social também na prestação sanitária. (HUMENHUK, 2009)


5) A efetivação do direito à saúde e o cumprimento das decisões judiciais


Demonstra-se extremamente frágil a situação do direito à saúde na esfera judicial, notadamente, no que se refere ao cumprimento de decisões do Poder Judicário pelo próprio Poder Público, uma vez que, por determinadas vezes, tornam-se inócuas várias das possibilidades coercitivas que são aferíveis aos magistrados. (ACHOCHE, 2009)

Dentre as possibilidades que se mostram por inúmeras vezes ineficazes, encontram-se, verbia grata, o tão-só pagamento de multa, em especial, quanto aludida multa sequer é diária; ou, ainda, a exclusiva antecipação de tutela no cumprimento da obrigação. (ACHOCHE, 2009)

Entretanto, faz-se mister que os magistrados se imbuam de sua característica principal em um processo constitucional, qual seja, a de não se aterem exclusivamente ao contido nas regras, até porque os princípios possuem aplicabilidade até mais abrangente, sendo certo, por conseguinte que devem ser amplamente aplicados, dada a força normativa da qual são possuidores. (ACHOCHE, 2009)

Corroborando o dito alhures, interessante conferir o entendimento esposado por Janaína Cassol Machado, no que tange à função do juiz em um Estado Democrático de Direito, nestas palavras: (ACHOCHE, 2009)

Todo o juiz é um juiz constitucional e por força dessa investidura é guardião da aplicabilidade direta e imediata do direito fundamental à saúde e das promessas democráticas plasmadas no texto constitucional, não sendo factível questionar-se a legitimidade ou competência do juiz para dirimir as questões atinentes à saúde(...)

Nada obstante, impõe-se cautela ao Poder Judiciário, uma vez que não pode ele, sob a prerrogativa de efetivação do direito à saúde, invadir competência do Poder Executivo ou do Legislativo, porquanto, se assim fosse, configurar-se-ia, ao arrepio do artigo 2º, da Constituição Federal de 1988, uma afronta direta ao famoso sistema dos freios e contrapesos, o que jamais se poderia admitir em um Estado Democrático de Direito. (ACHOCHE, 2009)

Contudo, insta ressaltar que há quem entenda, como Janaína Cassol Machado, que:

(...) cabe ao juiz promover a integração da norma constitucional ao caso concreto (teoria da concretização da constituição) e não se há de falar em ofensa à função precípua do Poder Legislativo, pois o magistrado de primeiro grau, que está próximo da demanda judicial, estará apenas suprindo omissões dos Poderes Legislativo e Executivo no tocante ao cumprimento e à concretização do direito à saúde.

A intervenção do Poder Judiciário na atividade administrativa (= executiva) do Poder Executivo e Legislativo não é indevida, pois não se vislumbra ofensa ao artigo 2º da Constituição, nem a ocorrência da substituição do Estado-administração pelo Poder Judiciário, pois "ao afirmar que os Poderes da União são independentes e harmônicos, o texto constitucional consagrou, respectivamente, as teorias da separação dos poderes e dos freios e contrapesos".

Sendo assim, imprescindível que o Estado-juiz aja de todas as formas para garantir e efetivar a tutela ao direito fundamental da saúde, utilizando-se para isso, de toda a força a ele atribuída pela Constituição da República. (ACHOCHE, 2009)

De tal sorte, cumpre ao magistrado utilizar-se do artigo 461, do Código de Processo Civil, o qual versa sobre a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, para que assim possa assegurar a efetividade do seu julgado, principalmente, no que pertine ao cumprimento das decisões pelo próprio Poder Público. (ACHOCHE, 2009)

Insta citar, oportunamente, as palavras do ilustre processualista Antônio Cláudio da Costa Machado, a respeito de referido artigo: (ACHOCHE, 2009)

O artigo 461 sob comentário – alterado em sua redação pela reforma do processo civil de 1994 – consagra a disciplina da tutela jurisdicional específica das obrigações de fazer e de não-fazer, bem como da inespecífica em suas várias formas de expressão. Por tutela específica entenda-se a tutela direta, aquela que busca proporcionar ao credor o mesmo resultado prático que ele obteria caso tivesse havido o resultado prático de tal adimplemento; inespecífica, ou indireta, é aquela que ou elimina as conseqüências da violação ou compensa pecuniariamente o credor em razão dela. (ACHOCHE, 2009)

Ademais, importantíssimo que o magistrado esteja atento ao disposto no art. 461, §5º, do CPC, o qual preceitua: (ACHOCHE, 2009)

Art. 461. § 5º - Para efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas, coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessária com o exercício com requisição de força policial.

Ora, claro está o fato de que o rol de procedimentos que visam ao cumprimento do julgado atinente à tutela da saúde, contidos no retrocitado artigo é exemplificativo, de modo a servir de parâmetro para a possibilidade de o julgador não ficar adstrito à imposição de multas diárias, podendo, por outro lado, requerer inclusive o bloqueio de verbas públicas, conforme se verifica em diversas decisões do Egrégio STJ [14], bem como, nos dizeres de Carlos Gomes Brandão: (ACHOCHE, 2009)

(...) seria ideal que o magistrado, com fundamento no § 5º, do art. 461 do CPC, já estabelecesse outros meios de tornar efetiva a decisão judicial. Assim, poderia estabelecer que a aquisição fosse realizada em regime de urgência e com dispensa de licitação e aplicar multa pessoal ao agente público responsável pelo cumprimento da ordem (no caso em tela o Secretário de Estado de Saúde). Também poderia autorizar a o remanejamento de verbas de outras fontes orçamentárias menos importantes ou sugerir a suplementação de verbas, se o orçamento da saúde não fosse suficiente para a aquisição. Se ainda assim a decisão não fosse cumprida no prazo estipulado, que fosse determinado o depósito de numerário a disposição do juízo, o qual poderia liberar o necessário para o tratamento inicial enquanto o Estado adotasse as providências necessárias. Finalmente, se as providências exemplificadas acima não se mostrassem efetivas, haveria a possibilidade de determinação da prisão por descumprimento de ordem judicial ou o seqüestro de dinheiro, existente em contas bancárias do Ente Público, em quantia suficiente para a aquisição do medicamento.

Destarte, verifica-se a imensa gama de opções que possui o magistrado para fazer valer o direito fundamental à saúde, notadamente, no que tange ao cumprimento das decisões judiciais pelo Poder Público, de modo que se viabilizam diversas hipóteses em que poderá ele, Poder Judiciário, desincumbir-se de seu mister de garantidor e efetivador de aludido direito fundamental. (ACHOCHE, 2009)

6) Conclusão


Constata-se que a Constituição da República de 1988 traz em seu bojo diversos artigos que asseguram a tutela ao direito à saúde, encontrando-se nela inclusive uma seção exlcusiva ao aludido direito.

Deve-se destacar que o retrocitado direito foi erigido a direito fundamental através do artigo 6º da mesma CR/88, de modo que ele deve ser implementado pelo Estado a todos os cidadãos, uma vez que possui aplicabilidade imediata, consoante se infere do § 1º, do seu artigo 5º, sendo certo, ainda, que ele merece uma interpretação extensiva de modo a viabilizá-lo em todos os seus aspectos. (ACHOCHE, 2009)

Não pode assim o Poder Público eximir-se de seu mister constitucional, sob a cômoda alegação de falta de verbas orçamentárias, utilizando-se do princípio da reserva do possível, sob pena de tal atitude caracterizar inconstitucionalidade, ainda que por omissão.

Ademais, não se pode mais utilizar do discurso de que os direitos sociais, notadamente os de saúde, sejam de caráter programático, porquanto pautamo-nos por uma Constituição Dirigente, a qual tem por função impor aos poderes estatais seu cumprimento.

Neste aspecto, insta ressaltar que acaso não seja o referido direito implementado pelos Poderes Executivo e Legislativo, caberá ao Poder Judiciário fazê-lo caso seja provocado, sem que isso implique no ferimento do princípio da harmonia dos Poderes, vez que o texto constitucional garantiu expressamente em seu artigo 2º, o princípio dos freios e contrapesos, de modo que tal atitude não demonstra uma intervenção de um Poder em outro, mas sim um fortalecimento da democracia, através da implementação de um direito constitucionalmente assegurado. (ACHOCHE, 2009)

Por derradeiro, para que o Poder Judiciário possa implementar tais direitos, faz-se mister utilizar-se de meios processuais adequados, dentre os quais podemos destacar a multa pelo não cumprimento de suas decisões ou pelo seu cumprimento tardio, bem como o bloqueio de verbas públicas, de modo a assim assegurar de forma contundente a Supremacia da Constituição. (ACHOCHE, 2009)


7) Bibliografia


ACHOCHE, Munif Saliba. A garantia constitucionalmente assegurada do direito à saúde e o cumprimento das decisões judiciais . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2102, 3 abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2009.

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2009.

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MACHADO, Janaína Cassol. A concretização do direito à saúde sob o viés do fornecimento de medicamentos não inclusos na Relação Nacional de Medicamentos Especiais – RENAME. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rio Grande do Sul. Disponível em:. Acesso em: 30 jun 2008.

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Autor: Bruno Florentino de Matos


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