O CONFORTO DE UMA ILUSÃO



A adolescência talvez seja o período mais difícil do ser humano, em tempos de globalização. O trabalho semi-escravo em países como o Brasil e a China; os conflitos em El Salvador, no Oriente Médio e em outros lugares do globo; as gangues de rua nos EUA e Europa; a miséria em países como a Bolívia, vários da África e parte do Brasil, Índia e outros; a falta de oportunidade para a maioria dos jovens neste mundo neo-liberal.
A adolescência é uma fase caprichosa... Parece que o mundo se descortina em milhões de oportunidades e um certo mito da imortalidade parece ser comum nesta época. Nada pode desanimar o jovem... Nada pode fazê-lo desistir de seus ideais... Nada pode demovê-lo de seus objetivos... Não existe a doença, o cansaço, o desestímulo... O impulso da vida é fluente... A luta de Eros contra Tanatos parece apontar para um só vencedor... Pelo menos era assim, até a alguns anos atrás.
Atualmente, o jovem percebe que está fora de um sistema para o qual não foi preparado para estar, mas que parece ser o único possível de ser vivido e desfrutado... Um jeans de marca – que a propaganda diz, a toda hora, ser “da hora” custa – provavelmente – seu “minguado” salário de três ou quatro meses... Aquele tênis importado, objeto de desejo geral da “galera” pode custar mais – talvez cinco ou seis salários “suados”... É claro que tais contas só fazem aqueles que ainda tem o privilégio de estarem empregados... Há toda uma “nação” de jovens que não desfruta deste privilégio... Não desfruta de um salário todo mês, ainda que “minguado”... Não desfruta do vale-transporte... Não desfruta do vale-refeição... Não desfruta da companhia dos “empregados”... Para estes, nem sequer fazer comparações dos produtos anunciados com a pequenez dos salários é possível... E, pior de tudo, é a sensação de que – talvez – tenha feito algo de errado por não desfrutar deste mundo de emprego e salário típico da modernidade: será que é porque ele é negro? Será que é porque nunca trabalhou? Será que é porque é feio? Enfim, o que fez para merecer tal castigo?
O jovem talvez não saiba que nada fez. Talvez não saiba que não tem culpa. Talvez não saiba que as gerações anteriores talvez não tenham preparado adequadamente o mundo para recebê-lo... Mas, embora não saiba de tudo isso, o adolescente sente que seu espaço está comprometido... Sente que suas oportunidades estão ameaçadas, sente que a vida – que poderia ser a escultura – passo a passo - de um sonho, na verdade vai se consolidando num pesadelo sem fim. O trabalho honesto lhe impõe a depressão do baixo salário e da falta da oportunidade; as necessidades domésticas impõem que parte de sua renda seja para pagar dívidas de seus pais ou, ainda, para garantir-lhes a sobrevivência; as opções, o tráfico de drogas e/ou outros crimes, apesar da atração do lucro fácil mostram a face sombria, todos os dias, na vizinhança.
E, então, a fase que deveria ser desfrutada como uma doce ilusão da vida, que serviria para dar o impulso inicial da existência, torna-se a fase do desconforto, da desilusão da falta de opções. O adolescente – muitas vezes – já em conflito com as leis, submetido aos rigores de medidas sócio-educativas, vai perdendo as referências que já foram caras às gerações passadas: a família, a convivência branda com os parentes e amigos, as práticas escolares. Perde os parâmetros numa sociedade competitiva, sem tempo para os não competitivos, sem tempo para os não adaptados... Então, sem opção, resolve agredir esta própria sociedade que não lhes enxerga: pede, se não é atendido, exige... Se, ainda assim, não é atendido agride... Se for preciso, mata... Tal qual um justiceiro mítico, se arvora no direito de exigir o que se lhe nega... Reúne-se em grupo... Canta as suas mazelas e declama ameaças... Faz arrastões... Mostra ao mundo que precisa ser visto. Aprende a guerrear logo cedo.
Infelizmente, boa parte dos adolescentes do mundo vive existências desconfortáveis, carentes e ameaçadas... Não podem desfrutar do conforto de uma ilusão tão própria desta fase da vida. Não podem desfrutar de algo que parecia ser comum há poucos anos atrás.
A infância e a adolescência merecem uma atenção especial, no Brasil e no mundo. O conforto desta ilusão está em ter condições mínimas de suprir necessidades, em ter carinho, amor e atenção adequados e uma educação que possa garantir a capacidade de escolher os caminhos da vida adulta. A vida humana – por si só, cheia de mazelas e numa senda própria que, ao seu fim, preconiza o encontro com a dissolução – não pode ter tal etapa substituída.
Ou permitimos que os nossos jovens sonhem também ou teremos, cada vez mais, pesadelos como conseqüência dos nossos erros ou omissões.
Autor: Herbert Gonçalves Espuny


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