Microempresas e empresas de pequeno porte – tratamento jurídico diferenciado – histórico da legislação – princípios da igualdade



A lei complementar 123/2006 estabelece o estatuto da microempresa (ME) e da empresa de pequeno porte (EPP). Para esta lei considera-se empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Exclui-se, no entanto, quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
São ME aquelas que aufiram em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
São EPP aquelas que aufiram, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
Esta lei é embasada nos artigos 170, IX e 179 da Constituição Federal. Estabelecem os referidos artigos que:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”
“Art. 179 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”
O presente tema é, portanto, matéria da lei suprema de nosso país. O legislador constitucional preocupou-se em garantir benefícios a essas empresas, justamente por reconhecer sua importância no cenário nacional e sua situação de hipossuficiência.
O Brasil tem 4,6 milhões de empresas, sendo que 98% são micro e pequenas. Estas criaram 450 mil novos empregos no País em 2009, enquanto as médias e grandes demitiram 150 mil em 2009, de acordo com levantamento feito pelo jornal "Folha de S. Paulo" junto ao Ministério do Trabalho .
No entanto, pesquisas realizadas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) mostram que metade das empresas abertas a cada ano no Brasil fecha suas portas antes de completar dois anos de atividades.
O tema, no entanto, já é matéria de lei desde 1984, com o advento da lei 7.256 que já estabelecia tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, nos campos administrativo, previdenciário, trabalhista, creditício e desenvolvimento empresarial às microempresas.
Em seguida, veio a lei 8.864/1994, já sob a atuação da atual constituição e repetiu o contido no art. 179 da CF, estendendo, desta maneira, os benefícios às empresas de pequeno porte.
Em 1996, surgiu a lei 9.317, que dispôs sobre o regime tributário diferenciado para essas empresas – o SIMPLES.
Em seguida aparece a lei nº 9.841 de 1999, que dispôs, novamente sobre o tratamento diferenciado para essas empresas, alterando alguns preceitos das leis anteriores.
Em 2006 essa matéria foi reunida em uma única lei, a lei complementar 123/2006, que alterou diversas leis, inclusive a CLT, e revogou outras como as leis 9.317 e 9.841. Ressalte-se que esta matéria foi “fortalecida”, pois há hierarquia das leis complementares em relação às leis ordinárias, em caso de conflito, visto que o quorum de votação para que se aprove uma lei complementar é de maioria absoluta de votos, enquanto o da lei ordinária é de maioria simples.
Após esse breve relato histórico da legislação da microempresa e da empresa de pequeno porte no Brasil, passaremos a uma análise mais teórica do tema.
Esses benefícios concedidos são na verdade a aplicação de um dos mais conhecidos princípios constitucionais do nosso ordenamento jurídico, que é o Princípio da Igualdade ou da Isonomia. A aplicação mais correta deste princípio, oriunda do Tribunal Constitucional Federal Alemão, entende que “os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual”, ao que acrescentamos seguindo o Princípio da Igualdade Material que isso deve ocorrer na medida de suas desigualdades.
Robert Alexy defende a tese de que é necessário “encontrar um fundamento qualificado” para poder realizar uma diferenciação das arbitrariedades. Deste modo, mantém-se uma proporcionalidade entre a desigualdade e o tratamento. Afirma ainda que “se não houver uma razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual, então, o tratamento igual é obrigatório” e também o caminho contrário: “Se não houver razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento igual, então, é obrigatório um tratamento desigual”.
O fundamento que leva as empresas de pequeno porte e as microempresas a terem esse tratamento favorecido é justamente a sua condição de hipossuficiencia em relação às empresas de maior porte, principalmente pela carência de profissionais especializados como contadores, advogados, entre outros.
A presente lei complementar em comento trata da aplicação deste princípio às pessoas jurídicas, no caso as empresas. Ingo Wolfgang Sarlet defende, quanto a aplicação dos princípios constitucionais às pessoas jurídicas, a tese que:
“a orientação majoritária, inclusive por parte do STF, prevalecendo a regra geral de que, em havendo compatibilidade entre o direito fundamental e a natureza e os fins da pessoa jurídica, em princípio reconhecida a proteção constitucional, o que, por outro lado, não impede que o legislador estabeleça determinadas distinções ou limitações, sujeitas, contudo, ao necessário, controle de constitucionalidade”.
Deste modo, claro está na economia atual que as EPP e as ME são bem mais vulneráveis do que as grandes e médias empresas. Desta feita, a LC 123/2006, na realidade, cria condições econômicas para que tais empresas possam desenvolver sua atividade na economia de mercado, de modo a reduzir os altos índices de “mortalidade” dessas empresas.
Atualmente o estatuto é mais aplicado no que diz respeito às obrigações tributárias e administrativas, mas entendemos que deve ser feita uma interpretação extensiva da sua aplicação, trazendo sua eficácia às relações trabalhistas, contratuais e demais ramos com o propósito de dar plana eficácia ao princípio constitucional.


Gustavo Roth dos Santos é acadêmico do 6º período de Direito, na UniCuritiba
É assistente do escritório Tedeschi & Padilha Advogados Associados, especializado em assessoria e consultoria empresarial preventiva e corretiva
E-mail: [email protected]
Autor: Tedeschi & Padilha Advogados Associados


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