Mercado de dívida privada vive boom no país



Folha de S. Paulo
Dinheiro – pág. B1
16/1/2006

O mercado de dívidas privadas no Brasil nunca esteve tão aquecido como no ano passado. Se nenhum imprevisto derrubar a economia neste ano, o bom desempenho deve continuar. Velhos e novos instrumentos, como as debêntures e os fundos de recebíveis, captam volumes recordes de recursos e sinalizam para um processo de sofisticação do mercado financeiro brasileiro que pode, inclusive, ajudar na queda das taxas de juros pagas pelas empresas para financiar suas operações.

Conforme dados da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o órgão regulador do mercado de capitais, ou o xerife do setor, como gostam de chamá-la os investidores e operadores, as ofertas primárias de debêntures registrados no órgão chegaram a R$ 41,5 bilhões no ano passado, contra meros R$ 9,6 bilhões no ano anterior – alta de mais de 300%.

Os registros de ofertas primárias de FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), que só foram regulamentados no final de 2001, saltaram de R$ 1,5 bilhão em 2003 para R$ 5,1 bilhões em 2004. No ano passado, as ofertas registradas alcançaram o montante de R$ 8,3 bilhões. Para este ano, a estimativa da Integral Trust, empresa que faz a estruturação de FIDCs, é que o setor movimente R% 12 bilhões.

É um volume ainda restrito. Ele só chega a representar, segundo estimativa informal de analistas de mercado, pouco menos de 10% do total de financiamento privado no mercado brasileiro – incluindo crédito e mercado de capitais, mas sem considerar o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas, ressaltam analistas, há menos de dois anos a proporção estava mais perto de 1% do que os atuais 10%. Ninguém estima valores ou proporções exatas porque, dizem, ainda não há banco de dados de agregue as estatísticas do setor.

“É um instrumento novo [Os FIDCs] que as empresas ainda estão conhecendo. À medida que investidores e tomadores de recursos passarem a conhecer melhor, a procura tende a aumentar, tanto que quem quer captar recursos [por meio dos fundos] quanto para quem quer investir”, diz Francisco Turra, da Integral.

Operação mais acessível
O crescimento dos fundos de recebíveis anima mais operadores e analistas do que o das debêntures. Primeiro, lembram, porque parte importante do crescimento de captação por debêntures é explicada por emissões de empresas de leasing ligadas aos bancos. Ou seja, os agentes financeiros estão apenas financiando operações de leasing que já financiaram, mas agora recorrendo às debêntures para fazê-lo. Segundo, porque a avaliação é a de que os FIDCs são acessíveis para um número mais de companhias.

O FIDC é um fundo formado principalmente por recebíveis de uma ou várias empresas. Imagine que um conjunto de médias empresas de um setor, por exemplo, tenha contratos de fornecimento com uma grande empresa, como a Petrobras. As empresas têm uma receita futura, dado que prestarão os serviços ou entregarão os produtos para o cliente. Elas podem transformar essa receita futura em dinheiro no presente para financiar suas operações, vendendo o direito de recebê-la para o fundo de recebíveis.

Os investidores não costumam comprar debêntures de empresas que não são muito bem avaliadas pelas agências de classificação de risco. No caso do FIDC, o risco atrelado à operação é o de o cliente da empresa não cumprir a obrigação de pagá-la no futuro. Se a empresa tem como clientes empresas grandes e bem avaliadas, o risco de calote é muito baixo.

“É um instrumento de engenharia financeira que ajuda a pulverizar5 risco”, diz Alfredo Moraes, presidente da Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro). “Os fundos [de recebíveis] são ideais para empresas que não têm rating ótimos, mas que possuem uma boa carteira de clientes”, completa Fernando de Marsillac Fontes, da Petra Corretora.

Ritmo de expansão
Esse ritmo de crescimento das debêntures e dos FIDCs não deve continuar tão forte. Mesmo porque o movimento já causa reação dos bancos, que não querem perder clientes nas suas operações tradicionais de crédito. A tendência é que as instituições financeiras reajam tentando reduzir taxas, adequando o custo das operações de crédito.

Esse processo, diz Fontes, já começou. “Algumas empresas já deixaram de fazer operações que estavam sendo estudadas quando receberam ofertas com custos atrativos dos bancos.” A “concorrência” entre instrumentos, diz o analista, não deve ser vista como conflito. Os tipos de operação – crédito tradicional, emissão de papéis ou entrada em um fundo de recebíveis – complementam-se e cada uma é apropriada a um tipo e porte de empresa.

Mas, mais que “roubar” recursos de outros instrumentos de financiamento, os fundos de recebíveis ajudaram a expandir o mercado de dívida privada, ainda anêmico no Brasil. “Quem hoje está habilitado a emitir uma debênture já estava há três anos. Essa ampliação do mercado de dívida ocorre também por conta desse novo tipo de operação que os FIDCs permitem”, avalia o sócio-diretor da RiskOffice Consultoria Marcelo Rabbat*.

Como exigem certo grau de organização e de abertura das empresas, há quem avalie que a generalização dos fundos também ajude a preparar companhias brasileiras para abrirem o capital, listando ações em Bolsa. Ou seja, a experiência com FIDCs pode ajudar a vitaminar o mercado de capitais também de forma indireta.

Mas há quem lembre que há riscos que podem abortar esse ciclo de expansão. “Se o investimento não responder, se os empresários não acreditarem que ele é sustentado, voltamos ao velho problema do gargalo de oferta”, diz Moraes.

*Marcelo Rabbat é diretor da PR&A, empresa especializada em Risco de Crédito, Risco de Mercado e Consultoria de Investimento.
Autor: Assessoria de Imprensa Web


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