A proposta do Português com Inclusão de Gênero



Depois de cerca de mil anos de dominância do gênero masculino na língua portuguesa, os países lusófonos estão vendo ser montada uma ortografia significantemente reformada. Idealizado provavelmente por Thomas M. Simons – e certamente proposto e divulgado por ele –, está nascendo o Português com Inclusão de Gênero (PCIG), uma escrita lusófona reformada que pretende limitar ou eliminar a hegemonia masculina na determinação do plural de substantivos variáveis em sexo e tornar o português mais próximo do igualitário.

Com o PCIG, não será mais escrito, por exemplo, “os professores” ou “uns alunos”, mas sim “@s professoræs” e “uns/umas alun@s”. Quando usada sem distinção de gênero, “o senhor” se tornará “@ senhor/a”. Parece esquisito ou radical demais para a população que, não estando acostumada em utilizar esses caracteres “invasores”, continua escrevendo “os fulanos” para conjuntos de pessoas de todos os sexos, mas é relevante para o estabelecimento de uma linguagem mais igualitária e, consequentemente, uma sociedade idem nas relações de gênero nos países lusófonos.

Até hoje o português se refere a conjuntos de homens e mulheres juntos (sic) que compartilham certo atributo pelo plural masculino – ex.: os donos da casa, os trabalhadores, os integrantes da banda. Mesmo no singular, quando se refere a alguém que pode ser um macho ou uma fêmea, é usado um artigo e substantivo masculinos – ex.: o professor, o artista, o escritor, o gato.

A forma mais extrema, infelizmente muitíssimo comum, desse patriarcalismo linguístico é a utilização de “o homem” como sinônimo de “o ser humano” ou de “o indivíduo” – estes dois termos indistintos de gênero – e, em inúmeras obras literárias de todas as épocas, “os homens” como sendo o mesmo que “as pessoas”.

O singular e o plural femininos – ex.: a trabalhadora, as professoras – só são usados quando se refere realmente à mulher com esse atributo e a conjuntos com 100% de mulheres. Mesmo quando há referência, por exemplo, a mil cantoras e um cantor, fala-se e escreve-se “mil e um cantores”.

Ele pode representar tanto ele como ela. Eles encabeçam tanto eles como elas, por mais numerosas que as fêmeas sejam em comparação aos machos. Ela termina só representando ela mesma. Elas, apenas elas mesmas.

Essa disposição linguística de priorizar o masculino como gênero dominante e central e tornar o feminino meramente recessivo e periférico legitima nos países de língua portuguesa o regime social machista-patriarcalista que já dura milênios na maioria das sociedades humanas, confirma o homem como o ator social dominante e a mulher como atriz social relegada à periferia e sempre submetida à supremacia masculina. O idioma torna-se o espelho da sociedade que o utiliza.

Para pelo menos minimizar a legitimação que o vernáculo lusitano, brasileiro, angolano e de vários outros países tem dado a essa relação histórica de dominação por homens contra mulheres, foi sugerida a adoção do PCIG, que este artigo se preocupa em ajudar a divulgar.

O “mainframe” da igualitariedade desse “novo” português são três caracteres: a arroba minúscula, a ligadura “æ” e a barra. Estas serão utilizadas por questão de economia e rapidez: não será preciso escrever sempre “os alunos e as alunas...”, “os professores e as professoras...”, “os meninos bonitos e as meninas bonitas...”, “uns artistas e umas artistas...” etc., já que os caracteres do PCIG permitirão uma escrita inclusiva e muito mais rápida.

Assim serão utilizados os caracteres da igualdade:

a) Arroba minúscula: tornará inclusivas palavras que, no singular e no plural, costumam utilizar a versão masculina para se referirem a pessoas de qualquer sexo em certas ocasiões. Substitui a letra determinante de gênero “o” em palavras terminadas com -o e -os. Como tem uma forma que parece lembrar um misto de “o” e “a”, a arroba foi o caractere escolhido a ser a nova letra igualitária.

Exemplos de palavras de gênero determinado por “o”:
Singular: quanto, aluno, dono, discípulo, bonito, garoto, adulto, ministro, parceiro, feio, compreensivo, ativo, cachorro, gato, macaco.
Plural: quantos, alunos, donos, discípulos, bonitos, garotos, adultos, ministros, parceiros, feios, compreensivos, ativos, cachorros, gatos, macacos.

Essas palavras, pela proposição do PCIG, irão se tornar, quando se referirem a machos e fêmeas ao mesmo tempo:
Singular: quant@, alun@, don@, discípul@, bonit@, garot@, adult@, ministr@, parceir@, fei@, compreensiv@, ativ@, cachorr@, gat@, macac@.
Plural: quant@s, alun@s, don@s, discípul@s, bonit@s, garot@s, adult@s, ministr@s, parceir@s, fei@s, compreensiv@s, ativ@s, cachorr@s, gat@s, macac@s.

Quando referentes apenas a homens, meninos e animais machos, continuarão terminando em -o e -os.

Substantivos e adjetivos que não variam em gênero mas são precedidos de artigos que mudam passarão a vir acompanhados dos novos artigos com arroba. Exemplos:

o artista - @ artista; os artistas - @s artistas
o especialista - @ especialista; os especialistas - @s especialistas
o budista - @ budista; os budistas - @s budistas
o contente - @ contente; os contentes - @s contentes
o forte - @ forte; os fortes - @s fortes
o intelectual - @ intelectual; os intelectuais - @s intelectuais

Embora seja proposta a arroba minúscula, ela ainda não existe nos teclados dos países lusófonos e hoje é impossível de ser utilizada na digitação de textos sem formatação, como em alguns sites publicadores de artigos, serviços de envio de mensagem e aplicativos muito simples de escrita. Em softwares de escrita que permitem formatação de tamanho de texto, deve ser utilizada com a redução do tamanho de fonte da arroba ao de uma letra minúscula ou com o recurso do macro que permite a arroba minúscula. Já na escrita manual, pode ser utilizada sem dificuldades.

No começo de frases, será utilizada a arroba maiúscula mesmo, como em: “@s alun@s ativ@s formaram-se hoje.”

b) Ligadura “æ”: tomada de “empréstimo” do latim medieval, transformará palavras que, mesmo quando referentes a ambos os gêneros, terminam em -es.

Exemplos: cantores, autores, professores, senhores, possuidores, condutores, tutores.

Convertidas ao PCIG, essas palavras, quando se referindo a pessoas de ambos os sexos, tornam-se: cantoræs, autoræs, professoræs, senhoræs, possuidoræs, condutoræs, tutoræs.

Palavras em plural referentes apenas a pessoas ou bichos do sexo masculino permanecerão terminando em -es.

Outras aplicações da ligadura:
- O pronome pessoal “ele” será convertido para “elæ” quando referido a ambos os gêneros; “eles” se tornará “elæs”
- Os pronomes demonstrativos masculinos serão convertidos na mesma situação: estæ, essæ, estæs, essæs, aquelæ, aquelæs

c) Barra (/): entra onde a arroba e a ligadura não entram. Tem várias utilizações, tais como:

1. Palavras cuja forma masculina é utilizada também para se referir a uma pessoa genérica sem gênero indeterminado, como:
cantor, autor, professor, senhor, tutor
Transformará em:
cantor/a, autor/a, professor/a, senhor/a, tutor/a
Fará “parceria” com a arroba em frases como:
“Quando @ professor/a quer ganhar reconhecimento, deve ser muito dedicad@ nas suas aulas.”

2. Unificará os artigos “um” e “uma” – tornando-se um/a – quando houver a utilização deles numa palavra referente a ambos os sexos:
Ex.: Um/a cantor/a muito famos@ morrerá este ano.

3. Unificará os artigos “uns” e “umas” em situação similar:
Ex.: Uns/umas professoræs entraram em greve ontem.

4. Transformará palavras terminadas com -ão, -ãos e -ães que se refiram a ambos os gêneros (quando as palavras femininas terminam em -ã e –ãs):
Exemplos de palavras masculinas no singular, em utilização para o homem e a mulher: irmão, cristão, cidadão, alemão
Palavras modificadas no singular: irmã/o, cristã/o, cidadã/o, alemã/o
No plural: irmã/o/s, cristã/o/s, cidadã/o/s, alemã/e/s

5. Transformará palavras cujo plural masculino termina em -ão e –ões (feminino -ona e -onas) utilizadas em uso não exclusivamente masculino:
Exemplos no singular: mandão, paspalhão, meninão
Exemplos no plural: mandões, paspalhões, meninões
Palavras modificadas no singular: mandão/ona, paspalhão/ona, meninão/ona
No plural: mandões/onas; paspalhões/onas; meninões/onas

6. Unificará palavras que se distinguem em gênero mais acentuadamente.
Exemplo:
“Os atores de novela costumam ser bonitos.” torna-se “@s atores/atrizes de novela costumam ser bonit@s.”
“O cão é o melhor amigo das pessoas.” torna-se “@ cão/cadela é @ melhor amig@ das pessoas.”

7. Unificará pronomes possessivos em situações como:
“Ele é bissexual e espera que apareça em breve seu/sua futur@ namorad@.”
“Não faço distinção de raça para meu/minha futur@ cão/cadela, desde que seu tamanho seja compatível com meu apartamento.”

***

É necessário esclarecer: por enquanto, há apenas a proposta do PCIG ortográfico, escrito. Não se sabe como será transformada a fala. Não foram propostos ainda novos fonemas ou articulações fonêmicas para acompanhar os caracteres que passarão a ser utilizados com frequência na ortografia. Sendo assim, o PCIG ainda está em construção, embora desde já deva ser divulgado pelos meios feministas como uma proposta de reforma igualitária no idioma.

O PCIG proporcionará uma revolução na escrita e provavelmente terá implicações profundas nas relações entre os gêneros. Mesmo que ele não vá sozinho abolir o machismo e a androcracia (domínio masculino sobre a sociedade, em especial sobre as mulheres), será notável que as sociedades lusófonas não serão mais tão machistas como são hoje quando passarem a utilizar a língua reformada.

Enfrentará, assim como qualquer mudança significativa, bastante estranheza e resistência por parte da população, cuja maioria irá recusar-se por muito tempo a modificar o jeito de escrever e falar. Assim foi até mesmo com a reforma ortográfica que seguiu o acordo de 1990, ela que foi bem mais simples que o PCIG.

Deparar-se com um português bastante modificado como mostrado acima gera certamente uma enorme estranheza de quem nunca sequer ouviu falar no PCIG e, ao conhecê-lo, passa a vislumbrar a possibilidade futura de utilizar um português muito diferente e com novos caracteres em quase todo canto. Mas esse sentimento é normal e será aliviado gradualmente até a sua dissipação definitiva.

Assim como soa hoje muito esquisito, o PCIG pode soar também uma proposta radical demais, até extremista, numa realidade em que até mesmo o abandono da palavra “homem” como sinônimo de indivíduo ou ser humano é julgado como algo “radical” ou “revolucionário”. Sendo assim, deve-se introduzir, quando pronto, o novo português inclusivo aos poucos na sociedade, por mais rejeição que gere inicialmente.

Quando for determinado como será a versão oral do Português com Inclusão de Gênero, passando o novo português a ficar pronto para ser conhecido, proposto e adotado, a revolução linguística que o tempo reservará é praticamente certa, por mais que haja resistência contrária nos primeiros anos. Inevitáveis, embora hoje obscuras, também serão as implicações sociais na relação entre mulheres e homens, havendo um respeito muito maior do que hoje à igualdade entre os dois gêneros.

Mas é de se relevar que a sociedade hoje não está pronta para uma iniciativa massiva de inclusão de gênero desse porte. Ela ainda precisa vivenciar algumas mudanças mais notáveis em sua linguagem, como deixar de utilizar a palavra “homem” para representar o ser humano indistinto de gênero. Depois desses passos intermediários é que o PCIG, uma vez pronto, poderá ser proposto e abraçado.



Referências:
http://numpol.com/br/pdf/2I.pdf
http://numpol.com/br/pdf/2II.pdf
http://numpol.com/br/pdf/2III.pdf
Autor: Robson Fernando


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