Clusterização Como Nova Trajetória Do Capitalismo Industrial No Brasil



1.Introdução

Ao examinar uma das principais causas que deram origem às concentrações industrias da Inglaterra, Marshall (1982:234) argumentava que os terrenos situados nos centros das grandes cidades tinham preços elevados devido à utilidade que possuíam para fins comerciais, sendo mais vantajoso para os industriais instalarem suas fábricas nos lugares um pouco mais afastados, onde os terrenos podiam ser comprados por um preço menor. Tal propriedade levaria as indústrias maiores a se situarem nos subúrbios das grandes cidades, ou em seus "distritos industriais" (como Marshall mesmo denominava[1]), mas nunca nos centros mais valorizados. Em conseqüência disso, "acabam por surgir nas proximidades desse local, atividades subsidiárias que fornecem à indústria principal instrumentos e matérias-primas, organizam seu comércio e, por muitos meios, lhe proporcionam economia de material." (MARSHALL, 1982:234).

A partir dessas constatações, Marshall (1982:229) conclui que as duas principais fontes de eficiência das empresas localizadas nesses distritos industriais deviam-se às "economias internas" e "economias externas". As primeiras "dependem dos recursos das empresas que a ela se dedicam individualmente, das suas organizações e eficiência de suas administrações", enquanto que as segundas "dependem do desenvolvimento geral da indústria." (MARSHALL, 1982:229).

Em outras palavras, as "economias internas" caracterizam-se pela diminuição do custo médio da produção de um bem, decorrente do aumento das quantidades produzidas na firma e da redução da ociosidade das máquinas e equipamentos disponíveis. De outra face, as "economias externas" correspondem aos ganhos adquiridos pela empresa no mercado, independentemente de sua ação, haja vista as vantagens oriundas das inter-relações empresariais e da existência de fatores obtidos gratuitamente na economia (infra-estrutura, mão-de-obra já treinada, recursos naturais, informações, etc.). Tais conceitos encontram-se bastante arraigados no pensamento de Marshall (1982:267), conforme se depreende do seguinte trecho:

O argumento geral deste livro mostra que o aumento do volume agregado de produção de qualquer coisa, geralmente, aumenta o tamanho da firma e, portanto, suas economias internas, bem como as economias externas a que a firma tenha acesso: isso permite que a firma fabrique seus produtos a um custo de trabalho menos proporcional e com menos sacrifício do que anteriormente. (MARSHALL, 1982:267).

Ressalte-se, porém, que a importância das economias externas cresciamcada vez mais em relação às internas, em todos os campos da ciência e dos negócios, o que representava relevante benefício para o pequeno empresário, posto que este último passava a dispor, agora, de uma gama de conhecimentos através de jornais, publicações profissionais e técnicas de todo o gênero, anteriormente inacessíveis.

Percebe-se, pois, que o conceito de "economias externas" torna-se assaz importante no que tange aos benefícios obtidos pelas pequenas empresas, já que a proximidade geográfica entre as firmas especializadas ajuda a assegurar um clima propício à produção em larga escala, não apenas reduzindo os custos de transporte e de outras transações, mas também proporcionando e agilizando a comunicação entre os produtores.

Decerto, não se pretende com isso afirmar que a empresa de pequeno porte seja sempre mais eficaz que a grande firma, mas uma vez reunidas as condições acima mencionadas, elas podem atingir níveis de eficácia iguais ou mesmo superioresaos de uma grande empresa que produz bens semelhantes. Demais disso, o pequeno empresário tem vantagens que lhes são próprias, porque:

O olho do patrão está em toda a parte; seus contramestres e operários não se esquivam às obrigações, a responsabilidade não se divide, não há um vaivém de ordens mal compreendidas de um departamento para outro. Economiza muita contabilidade e quase todo o incômodo sistema papelório necessário a uma grande firma. (MARSHALL, 1982:243).

Dessa maneira, o pequeno empresário, para ter êxito, concentra sua atenção no sentido de alcançar resultados de alta qualidade, enquanto que o dirigente de uma grande empresa além de despender seu tempo para solucionar problemas relacionados à produção, também estuda os grandes movimentos do mercado, acompanha os acontecimentos correntes no país e no exterior e procura melhorar as relações internas e externas de sua empresa. São estas, portanto, as principais razões que Marshall (1982) aduz para justificar o maior dinamismo das pequenas empresas em determinados setores da indústria.

Em suma, pode-se afirmar que os "distritos industriais ingleses" eram constituídos por concentrações de grandes, médias e pequenas empresas inter-relacionadas em microrregiões geográficas, produzindo bens em larga escala tanto para o mercado interno como para o mercado externo (principalmente), utilizando máquinas e mão-de-obra especializadas, cujas firmas tinham suas produtividades aumentadas não só pelas "economias internas", mas, sobretudo, pelas "economias externas", conforme já se frisou precedentemente.

2Distritos Industriais Italianos

Na década de 70 (séc. XX), a região de Emilia Romagna (que inclui as cidades de Friuli-Veneza-Giulia, Vêneto, Trentino-Alto Adige e Toscana), aoSul da Itália, tradicionalmente pobre, ficara conhecida internacionalmente devido ao extraordinário desenvolvimento atingido por seus distritos industriais, e também pela política pública regional inovadora em relação às pequenas e médias empresas.A alta taxa de exportação, os elevados salários, o pleno emprego e o alto nível de vida resultante de um sistema produtivo baseado em PME's, tem gerado numerosos estudos sobre o chamado "Modelo Emiliano".

Sem dúvida, esse modelo não se baseia apenas num sistema produtivo de pequenas e médias empresas, mas também numa singular combinação entre um governo progressista, integração social e de êxito empresarial. É a partir daí que surge o elementoinovador, enriquecedor do sucesso obtido pela região. Segundo BECATTINI (1999:46),"O sucesso de pequenas empresas vinha, ainda, contradizer as convicções solidamente estabelecidas dos economistas de todas as matizes ideológicas, ou quase, para os quais as chances das pequenas empresas eram estruturalmente modestas e declinariam com o tempo".

Tanto isso é verdade que, ao verificar o rápido crescimento econômico obtido pela região de Emilia-Romagna, onde havia considerável concentração de pequenas empresas,BECATTINI (1992:32) logo retomou o conceito de"economias externas" marshallianas (dos distritos industriais ingleses, do século XIX) para adaptá-lo ao caso italiano (no século XX , anos 70), isto é:

O distrito industrial é uma entidade socioterritorial caracterizada pela presença ativa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico. (BECATTINI, 1992:32).

Ou, mais precisamente:

"Podemos descrever um distrito industrial como um grande complexo produtivo, onde a coordenação das diferentes fases e o controle de regularidade de seu funcionamento não dependem de regras preestabelecidas e de mecanismos hierárquicos (como é o caso na grande empresa privada ou nas grandes empresas públicas do tipo soviético), mas, ao contrário, são submetidos, ao mesmo tempo ao jogo automático do mercado e a um sistema de sanções sociais aplicado pela comunidade ." (BECATTINI, 1999:49).

A partir de então, vários estudos se sucederam sobre esse tema, todos eles identificando mais e mais fatores para explicar o fenômeno ocorrido no sudeste italiano, que foi batizado, por BAGNASCO (1999), de "Terceira Itália", como forma de indicar o desdobramento do tradicional dualismo italiano entre o Norte desenvolvido (Primeira Itália)e o Sul atrasado (segunda Itália) .

Mister se faz ressaltar, nessa área de pesquisa, a contribuição pioneira dos norte-americanos PIORE (1984) e SABEL (1984), os quais introduziram, inclusive, o conceito de "especialização flexível" na nova literatura da geografia econômica, conceito esse que se contrapunha ao antigo paradigma de "produção fordista", o qual se baseava nas características de uniformidade e repetitividade próprias da produção em massa realizadas na grande empresa.

Em outras palavras, na "produção fordista", a análise de mercado, o processo decisório, os lucros e os investimentos de capitais estão concentrados num único escritório regional, ou na grande empresa, onde os trabalhadores simplesmente executam as tarefas que lhes são conferidas, de acordo com as funções para as quais foram designados, além de não participarem da formação do capital e nem de eventual parcela de lucro. Aqui, o tipo ideal de organização é a grande empresa, cujas forças principais estão, por um lado, na obtenção de suas economias de escala e, por outro, na sua hierarquia administrativa vertical, dividida em funções distintas entre os departamentos de direção, organização e métodos, gestão de produção e vendas.

Diversamente disso, no modelo de "produção flexível", a análise de mercado, o projeto do produto, o processo decisório, os lucros e investimentos são subdivididos entre um grande número de operadores e, sobretudo, entre empresários que, de um lado, voltam sua produção para o exterior, e, de outro lado,empresários que assumem o papel de produzir bens e serviços procurados no mercado interno. Nesse caso, a eficiência da empresa não se resume ao seu tamanho, mas na sua capacidade para adaptar-se à volatilidade dos mercados, além buscar uma maior vinculação horizontal entre as funções de direção, organização administração produção e comercialização. A produção se dá mediante forte cooperação e parceira entre os agentes sócio-econômicos.

Em suma, no modelo de "especialização flexível", as pequenas empresa independentes, articuladas entre si, atuam cooperativamente, adquirindo grande flexibilidade produtiva, tornando-se extremamente ágeis e dinâmicas no atendimento de seus consumidores, mantendo-se, ainda, fortemente competitivas em termos de custos e preços.

Por fim, note-se que a grande diferença dos distritos industriais ingleses para os italianos reside no fato de que, no primeiro caso, o desempenho das PMEs tinha como âncoras principais as economias internas e externas (notadamente esta última), enquanto que no segundo caso o crescimento das PMEs não se devia apenas às "economias externas", mas também ao fator "cooperação" interempresarial (dentre outros de cunho sócio-cultural, como a confiança, religião, etnia, etc.), o que possibilitava a integração entre economia e sociedade, cujas condições ambientais favoreciam a proliferação de sinergias positivas e o surgimento de novas figuras empresariais, ou seja, trabalhadores promovendo ações empreendedorasa partir de ligações horizontais com outros trabalhadores, conforme se verá com maior clareza a seguir, com os conceitos de clusters ou aglomerados empresariais.

3.Clusters ou aglomerados empresariais

De forma geral, as contribuições teóricas sobre a questão das PMEs têm gerado variadas terminologias para caracterizar as concentrações de pequenas e médias empresas em microrregiões espaciais. Para dirimir as dúvidas que pairam acerca dos diversos enfoques e formas de analisar os agrupamentos de PMEs, SCHMITZ (1997) salienta que MARSHALL (1982) não fornece uma definição precisa sobre os distritos industriais, "mas seus exemplos deixam claro que quis dizer um cluster, com uma divisão do trabalho profunda entre as firmas." (SCHMITZ, 1997:172).

Conseqüentemente, muitos autores utilizam a expressão "distrito industrial" para se referir a um cluster ou aglomerado empresarial, sendo que "uma vantagem de usar o termo "cluster" é que ele se refere apenas a uma concentração setorial e geográfica de firmas." (SCHMITZ, 1997:172).

Há, contudo, uma diferença bastante sutil entre as expressões clusters e distritos industriais, para a qual o próprio SCHMITZ (1997:173) chama atenção:

No que se segue, os termos "distrito industrial" e "cluster" são, algumas vezes intersubstituíveis, mas vale a pena recordar que, embora um distrito industrial seja sempre um cluster, o inverso nem sempre é verdadeiro".

O que SCHMITZ (1997) quer dizer, com isso, é que desde Marshall (1982) os analistas costumavam usar a expressão distrito industrial para se referir a uma profunda divisão do trabalho (especialização) ocorrida entre as empresas. Porém, na análise contemporânea, o termo distrito industrial, além da divisão do trabalho (especialização), implica também em cooperação. Já o termo cluster refere-se apenas a uma concentração setorial e geográfica de firmas, isto é, num cluster existe a divisão do trabalho (especialização), podendo haver ou não o fator cooperação, mas não obrigatoriamente.

Eis, portanto, a primeira idéia sobre cluster (ou aglomerados), expressão esta utilizada no início da década de 1970, para caracterizar não somente os distritos industriais italianos, mas todos aqueles existentes na Europa e em outros continentes, como por exemplo: Vale do Silício, na Califórnia; Vilarejos do Cholet, Vale do Rio Arve ,Oyonnax e Thiersna, na França; Baden-Württemberg, na Alemanha, Vale dos Sinos, no Brasil (RS), etc.

Feitas essas primeiras observações, infere-se que "um cluster é uma aglomeração de tamanho considerável de firmas numa área especialmente delimitada com claro perfil de especialização e na qual o comércio e a especialização interfirmas é substancial." (Altenburg e Meyer-Satamer apud SUZIGAN, 1999:04). Como se disse antes, além dessa especialização pode também haver o fator "cooperação" num cluster, caso em que as relações empresariais acontecem de forma interarticulada, por meio da "ação conjunta" dos agentes econômicos e sociais, existindo intensa competição entre as empresas locais ao mesmo tempo em que as firmas colaboram umas com as outras, formando um ambiente inovador onde se desenvolvem sinergias positivas através da confiança recíproca, aprendizado mútuo e inovação coletiva. Os elementos chaves dos "clusters" são, portanto, a"proximidade geográfica das firmas" e a "ação conjunta dos agentes sócio-econômicos" (cooperação, aprendizado mútuo e inovações coletivas).

Na esteira desse raciocínio, SCHMITZ (1997:172) destacou a importânciatanto das "economiasexternas"comoda " ação conjunta dasempresas",comoforma de elucidar o êxito alcançado pelas PME's pertencentes a um distrito industrial:"Tal ação pode ser de dois tipos: firmas individuais cooperando (por exemplo, compartilhando equipamentos ou desenvolvendo um novo produto), ou grupos de firmas reunindo forças em associações empresariais, consórcios de produtores e assemelhados" .

A conjugação desses dois fatores (economias externas e ação conjunta) levou SCHMITZ (1997) a acrescentar um novo e valioso conceito na moderna literatura dos clusters, isto é, o conceito de "eficiência coletiva" a qual é definida como "a vantagem competitiva derivada das economias externas locais e ação conjunta." (SCHMITZ, 1997:172).

Outrossim, PORTER (1999:225) admite que muitas das vantagens competitivas dos clusters dependem das "economias externas" ou dos "extravasamentos" (efeitos colaterais entre vários tipos de empresas e setores). Destarte, "os aglomerados seriam definidos como um sistema de empresas e instituições inter-relacionadas, cujo valor como um todo é maior do que as partes." (PORTER, 1999:226), além do que desempenham um papel importante na competição e trazem implicações relevantes para as empresas, governos e outras instituições da economia no atual cenário do mundo globalizado. A esse respeito, mesmo que a globalização tenha, de certo modo, diminuído a importância dos espaços locais, os aglomerados assumem indiscutível importância para a as modernas teorias do desenvolvimento econômico. De fato, PORTER (1999:282) afirma:

Os aglomerados representam uma forma nova e complementar de compreender a economia, de promover o desenvolvimento econômico e de estabelecer as políticas governamentais. O conhecimento da situação dos aglomerados numa localidade proporciona importantes insights sobre o potencial produtivo da economia local e sobre as limitações ao seu desenvolvimento futuro. Assim, as vantagens mais duradouras na economia global serão, quase sempre, locais.

SCHMITZ (1997), porém, é mais cauteloso em suas conclusões. Verificando as mudanças ocorridas nos clusters europeus, pondera: "Parece que, na década de 90, eles não estão tento desempenho tão bom quanto nas décadas de 70 e 80." (SCHMITZ, 1997:176). Contudo, a crise, em si, não pode ser vista como mero fracasso, pois ainda resta saber se os clusters serão capazes de se reestruturarem de forma tal a retomar o caminho do crescimento. Mas, ao que tudo indica, essa reestruturação vem acontecendo da forma que menos se esperava, isto é, verticalizando-se da produção, como é o caso do setor calçadista italiano. Essa tendência é confirmada por CAMAGNI (1991) e RABELLOTI (1993) apud SCHMITZ (1997:176), os quais afirmam:"Agora, há mais hierarquia, no sentido de que as firmas que se tornaram grandes estão subcontratando as menores."

CASTELLS (1999:177), por sua vez, lembra queas empresas italianas das regiões industriais de Emilia Romagna experimentaram uma série de fusões nos anos 90, momento em que elas "ou passaram para o controle de grandes empresas, ou elas mesmas se tornaram grandes (por exemplo, a Benetton), ou então, não foram capazes de acompanhar o ritmo da concorrência quando continuaram pequenas e fragmentadas, como na região de Prato."

Examinando essa mesma trajetória, CACCIA (1999:146) também verifica que não só a Benetton tevea sua verticalização iniciada nos anos 80, mas diversas outras importantes empresas italianas como a Stefanel, Disel, Fashion Box Replay, etc., formando-se, pois, a retroalimentação do processo produtivo através de diversas idas e voltas da produção em rede.

Como se vê, em grande parte, a volta dahierarquia verticalizada tem suas origens na formação das "redes de empresas", as quaisserão discutidas no próximo item, a seguir.

4.A trajetória do Capitalismo Industrial: redes de PMEs e o exemplo do franchising

O restabelecimento da hierarquia e, de certa forma, da reorganização vertical da produção, teve início com a desregulamentação da economia nos anos 80, cuja conseqüência imediata foi a reestruturação do processo produtivo internacional. Essa reestruturação foi motivada por dois fatores principais: as "inovações tecnológicas" e as "inovações organizacionais".

A "inovação tecnológica"nada mais é do que a introdução de novos elementos de produtivos (como robôs, informatização, automação, etc.) no âmbito da firma. Acrescente-se a isso o surgimento da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), que vem permitindo o rápido desenvolvimento de ferramentas e instrumentos de pesquisa bem como estendendo o poder de redes eletrônicas como meio de pesquisa.

De outra face, a "inovação organizacional" consiste na implementação de novas formas de administração da produção e do trabalho (células ou ilhas de produção, grupos de trabalho participativos e polivalentes, etc.) e inúmeros programas de controle e desenvolvimento da qualidade (TQC, Kaizen, terceirização, just-in-time, etc.) originados, sobretudo, no Japão a partir do pós-guerra.

Assim, tanto as mudanças "tecnológicas" como as "organizacionais" constituem as bases daquilo que muitos estudiosos vêm chamando de"a terceira revolução industrial",na qual a flexibilidade e rapidez da entrega do produto, além da racionalização dos custos de produção, passaram a constituir as alavancas básicas da competitividade.

A partir da combinação desses dois fatores (tecnológicos e organizacionais)"surge uma economia em rede profundamente interdependente que se torna cada vez mais capaz de aplicar seu progresso em tecnologia, conhecimentos e administração na própria tecnologia...." (CATELLS, 1999:88). E essa nova estrutura mundial fez com que pequenas e médias empresas se unissem a empresas maiores, formando redes capazes de inovar e adaptar-se a todo instante aos mercados globais. "Nesse contexto,a cooperação não é apenas uma maneira de dividir custos e recursos, mas constitui um apólice de seguro contra alguma decisão errada sobre tecnologia." (CASTELLS, 1999:211).

Dessa reestruturação internacional da produção resultou que vários modelos e sistemas organizacionais prosperaram (por exemplo, os de Emilia Rogmana) e outros fracassaram (por exemplo, os de Prato) de acordo com a sua capacidade de adaptar-se à volatilidade dos novos mercados institucionais e às novas estruturas competitivas, formando-se um rápido processo de "destruição criadora" (substituição de antigos produtos e hábitos de consumir por novos) em grandes segmentos da economia mundial, afetando empresas, setores, regiões e países. "Esse processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver." (SCHUMPETER, 1961:106).

E não só para sobreviver ao advento da "destruição criadora" (intensificada nos anos 80), mas também para expandir sua produção, uma das soluções encontradas pelos pequenos empresários consistiu na adesão (ou mesmo criação) às "redes de empresas", dentro das quais as PME's atuam de forma bastante diferenciada dos clusters, ultrapassando inclusive as fronteiras do espaço local.

Com efeito, se, por um lado, um clusterou "um aglomerado é um agrupamento geograficamente concentrado de empresas inter-relacionadas e instituições correlatas numa determinada área vinculada por elementos comuns e complementares." (PORTER, 1999:211),por outro lado na "rede de firmas" os limites das ações interempresariais não têm uma base exclusivamente local, nem respondem apenas à dimensão territorial. Ao contrário, como esclarece CORÓ (1999) :

As relações funcionais que se desenvolvem dentro de redes de empresas específicas (cadeia de valor econômico, empresas-rede, alianças estratégicas, grupos, etc.) definem contextos de ação situados fora de uma dimensão estritamente territorial. (CORÓ, 1999:168).

 

Embora o aspecto geográfico (proximidade entre as empresas) seja um dosfatores imprescindíveis para que uma empresa de um "cluster" obtenha "vantagens competitivas", isso não quer dizer que as firmas estruturadas em forma de "redes" (dispersas em diferentes regiões) não possam obter as mesmas vantagens.Na verdade, as "redes de firmas", mesmo que não pertençam a uma mesma localidade, ainda podem obter eficiência coletiva, pois o que elas perdem em "economias externas" (devido à distância que as separam), ganham em "ações conjuntas", devido ao maior grau de cooperação que as vinculam.

Dessa forma, nos distritos industriais europeus (dos anos 70 e 80), muitas firmas se vinculavam e participavam de forma espontânea da cadeia produtiva (equipe de produtores), embora permanecessem exercendo suas funções como unidades autônomas. Outras empresas, entretanto, criavam vínculos mais fortes através de contratos comerciais, e, embora fossem igualmente autônomas, já não possuíam tanta liberdade na produção de seus bens, pois neste caso a especificação do produto (qualidade, preço, etc.)deveria obedecer ao que estivesse estipulado em contrato. Por último, formavam-se, também, diversos grupos de empresas-rede completamente vinculadas (sob a forma de franchising, cooperativas, consórcios, etc.), independentemente de pertencerem ou não a uma mesma região, ou, mais precisamente, independentemente de pertencerem ou não a um cluster. Como constataramSENGENBERG e PIKE (1999:113):

Há dados que apontam que, em relação há quinze anos atrás, as grandes empresas têm em média, mais fábricas, porém menos escala. Além disso, verificamos que há um surto de transferências, como licenciamentos e franquias, mediante as quais as grandes empresas deixam de ser proprietárias diretas dos estabelecimentos menores, mas suas receitas continuam vinculadas.

Um caso emblemático do que se disse acima é a conhecida empresa italiana "Benetton" (do setor têxtil-vestuário), que hoje"organiza os fluxos de trabalho no território, controlando e impondo os níveis de produtividade e controle da qualidade a toda sua rede de subfornecedores." (CACCIA, 1999:250). Segundo o mesmo autor, a Benetton mantém, ainda, uma gestão centralizada de logística e marketing, comercializando seus produtos através do "franchising", que é um tipo específico de estrutura de rede, cujos integrantes encontram-se vinculados entre si.

Tais vinculações são regidas por meio de contratos e, em muitos casos, tornam-se até mais consistentes do que a cooperação informal (característica dos clusters), a qual se baseia em fatores sócio-culturais como é o caso específico do fator "confiança" (interfirmas), que, por sinal, vem paulatinamente perdendo seu significado original, enfraquecendo as relações interempresariais nos mais importantes aglomerados do planeta, inclusive no Brasil.

Em virtude dessas modificações ocorridas ao longo da história dos clusters, especialmente no que se refere ao fator "confiança", não restou outro caminho para o pequeno empresário a não ser descobrir novas linhas de contato e dispositivos produtivos que mais se adaptasse ao seu negócio, além de procurar desenvolver, também, novas tendências organizacionais para o aprimoramento da cadeia de valor (isto é, formatação de produtos e de tecnologia, provisionamento, manufaturação, publicidade, comercialização, distribuição, vendas, gestão de cobrança e serviço técnico pós-venda) na qual se inseria.

Na realidade, as novas relações de produção não dependiam mais, tanto quanto antes, dos tradicionais contatos diretos e dos objetivos facilmente compartilháveis (a exemplo do que ocorria nos clusters), pois tanto a cultura como os interesses econômicos mundiais estavam em permanentestransformações. Por isso mesmo BAGNASCO (1999) revela:

Não somente a complexidade organizacional das pequenas empresas não pára de aumentar, mas também os acordos entre empresas, os sistemas de empresas cada vez mais elaborados, as partições cruzadas, os consórcios e as formas cooperativas constituem formas organizacionais apropriadas que as pequenas empresas souberam elaborar para expandirem sem, com isso, mudar de tamanho. (BAGNASCO, 1999:41).

À guisa de exemplo, uma dessas formas organizacionais que muito se desenvolveu e se adaptou ao caso das PME's (a nível mundial, desde a década de 70), foi exatamente o "franchising", senão observe-se: "...o desenvolvimento do franchising e, mais geralmente, os mecanismos de criação de empresas por empresas desenham os contornos de uma forma organizativa da produção que decididamente parece premiar a pequena dimensão." (CORÓ, 1999:151).

Dito isso, cumpre assinalar que o franchising não é, evidentemente, o único caminho viável para que o pequeno empresário possa competir com as grandes empresas. Mas, indiscutivelmente, é um dos bons caminhos para que as PME's possam se sobressair perante seus concorrentes, principalmente nas regiões onde não existem clusters, já que a rede de franquia, em seu conjunto, acaba sendo uma grande corporação formada de pequenos empreendimentos, o que proporciona a cada uma das empresas-rede vantagens para competir com as demais firmas, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte, independentemente de estarem próximas ou não umas das outras, valendo o mesmo raciocínio para as demais espécies de empresas-rede, sejam elas, associadas, cooperadas, consorciadas, licenciadas e até mesmo vinculadas.

Segundo este mesmo autor, os sistemas de redes e os distritos industriais tendem, de qualquer forma, a prevalecer no contexto turbulento e imprevisível que vem se formando na Europa desde a metade dos anos de 1970, na fase da chamada globalização.

Com o propósito de evitar distorções quanto ao entendimento sobre o que venha ser uma "franquia empresarial", é sobremodo importante enfatizar que, na presente década, distinguem-se pelo menos três tipos de organizações, a saber:

a)- a empresa integrada: organização de produção fordista (hierarquia vertical);

b)- a empresa-rede: organização intermediária entre a produção vertical fordista e a produção flexível(hierarquia vertical e horizontal ao mesmo tempo);

c)- a rede de empresas ou distrito industrial: organização de produção flexível (ampla hierarquia horizontal).

Considerando-se o que já foi exposto anteriormente, percebe-se que a "franquia empresarial" se encaixa no segundo tipo de organização, ou seja, é uma empresa-rede."Esse tipo de organização em redes é uma forma intermediária de arranjo entre a desintegração vertical por meio de sistemas de subcontratações de uma grande empresa e as redes horizontais das pequenas empresas." (CASTELLS, 1999:183). A franquia empresarial é, pois,uma rede horizontal, mas baseada em um conjunto de relações periféricas/centrais, razão pela qual é caracterizada como um tipo de "empresa-rede.

O segundo e fundamental ponto é que a expressão "franquia" também deve ser associada ao termo "PME", posto que as "empresas franqueadas" brasileiras são, predominantemente, PMEs, posto que o faturamento médio anual das empresas franqueadas brasileiras (de todos os setores) é de R$ 484.510,00, que está dentro do intervalo de faturamento bruto anual específico para as pequenas empresas, segundo a legislação tributária brasileira.

Isso apenas confirma o que também já foi discutido anteriormente neste trabalho, onde se viu a existência de uma relação direta entre "PME´s" e o "sistema de franquia" verificado por CORÓ (1999:151), ou seja: "o desenvolvimento do franchising...parece premiar a pequena dimensão.".

Portanto, quando se fala de"empresa franqueada" deve-se ter em mente que se trata de "uma PMEpertencente a um grupo de empresas-rede". Essas observações são demasiadamente importantes para evitar discussões sobre o porte das empresas franqueadas no Brasil.

Salvo em áreas particulares da atividade econômica, as pequenas empresas precisam estar conectadas com pools de recursos de outras firmas, grandes ou pequenas, para conquistar opções estratégicas. Assim, os laços e redes são de extrema importância para que as pequenas empresas sejam bem-sucedidas.". SENGENBERGER e PIKE (1999:115).

Em outras palavras, isso significa que, agindo sozinhas, as PMEs encontrarão dificuldades para enfrentar a concorrência, pois lhes faltarão as economias internas de que tanto se beneficiam as grandes empresas. Conseqüentemente, faltam-lhes, também, meios para desenvolver uma ação estratégica, que é uma das formas de se tornarem competitivas. Por isso mesmo, SCHMITZ (1997:189) destacou tanta importância para a ação conjunta das pequenas empresas, ou seja:

As economias externas são importantes para o crescimento, mas não são suficientes para superar mudanças muito grandes nos mercados de produtos ou de fatores; isso requer ação conjunta.

Embora SCHMITIZ (1997) tenha introduzido o conceito de "eficiência coletiva" para se referir aos "clusters", o aludido conceito é perfeitamente aplicável às "empresas-rede", e, por conseguinte, ao franchising (devido a sua típica estrutura). A aplicabilidade do conceito de SCHMITZ (1997) ao franchising é possível não só porque os franqueados trabalham a partir de uma mesma sede empresarial, compartilhamento os custos com aluguel, água, luz, telefone, etc., mas porque também adquirem maior rapidez nas ações a serem empreendidas por cada integrante do grupo, além de contar com uma superestrutura nacional de apoio aos franqueados, envolvendo toda a rede.

Assim sendo, o conceito de "eficiência coletiva" de SCHMITZ (1997) é, induvidosamente, aplicável ao franchising, pois as ações conjuntas das "empresas-rede" se refletem em ganhos que uma empresa isoladamente não consegue obter. Para confirmar o que se acabou de dizer,atente-se bem para a lição de GARCEZ (2000:358):

Redes de PMEs não precisam necessariamente estar posicionadas no mesmo lugar, podendo mesmo assim apresentar eficiência coletiva. As externalidades tendem a ser pequenas, mas os ganhos através da ação conjunta podem ser substanciais.

Pelo exposto, deduz-se que a ação conjunta a que se refere a autora não se restringe apenas à concentração de PMEs numa mesma localidade, mas a todos os participantes da rede de empresas dispersas em todo o território nacional.

Posto isso, vale ratificar: o franchising simboliza um formato de negócio estruturado em rede de firmas, gozando, portanto, das prerrogativas vistas acima, ainda mais porque:

O novo modelo de organização produtiva e empresarial se caracteriza por possuir maiores graus de flexibilidade organizativa e capacidade de inovação. Sua flexibilidade se baseia na existência de um tecido empresarial (ou entrelaçado de relações entre empresas) que se apóia tanto na rivalidade competitiva como na cooperação interempresarial." (ALBUQUERQUE, 1998:139).

Esse é novo paradigma da produção flexível, fundamentado na capacidade de articulação entre pequenos, médios e grandes produtores, sobre o qual se estabelecem asbases do conceito de estruturas de redes, calcadas em três fatores primordiais: a "cooperação"; o "aprendizado mútuo"; e as "inovações coletivas". Para se ter uma noção de como esses três últimos fatores atuam, verdadeiramente, entre as "empresas-rede", ou no franchising, observe-se alguns exemplos a seguir.

O "fator cooperação" exerce destacada importância nas inter-relações entre franqueados e franqueador. Nesse passo, a franquia apresenta inúmeras vantagens sobre o pequeno negócio independente, em função da força do trabalho em equipe e de vantagens compartilhadas, pois os franqueados ficam em permanente contato uns com os outros, interagindo de forma verdadeiramente produtiva, criando sinergias positivas diariamente.

No que se refere ao fator "aprendizado mútuo", ao ingressar na rede cada novo franqueado passa por um programa intensivo de treinamento antes de iniciar as atividades do seu empreendimento, que cobre todos os aspectos necessários para que o negócio seja inaugurado de forma segura, profissional e padronizada.

Nesse processo de treinamento, o franqueado passa a conhecer (através de manuais, exposições e treinamentos práticos) as mais modernas técnicas que vão garantir a alta produtividade e lucratividade de sua PME. Além disso, aprende-se, também, a contratar serviços, treinar e supervisionar funcionários de forma a obter o máximo de desempenho pelo menor custo possível. O resultado desse esforço é a maior agilidade e eficiência na prestação dos serviços.

Quanto ao fator "inovação coletiva" tenha-se presente que ao aderir à franquia, cada franqueado compromete-se a adquirir os equipamentos, materiais e produtos químicos (a serem utilizados nos serviços) de acordo com a relação dos produtos (e suas respectivas marcas) homologados no manual do franqueador.

Em suma, os franqueadores regionais e nacional estão permanentemente pesquisando o mercado em busca de novos produtos e sistemas orgnizacionais, sejaatravés de feiras e eventos nacionais e internacionais, seja através da contratação de estudos especializados do setor, seja através de quaisquer outros instrumentos e meios necessários para que a rede preserve a sua competitividade no setor de atuação.

Em razão disso, as pequenas empresas que procuram obter vantagens competitivas não podem operar seus negócios como unidades isoladas, pois "as atividades têm de ser coordenadas e concessões devem ser feitas em favor de contribuições oriundas de um negócio para o sucesso de outro." (GHEMAWAT, 1998:34), sobretudo quando se sabe que o grande problema da pequena empresa não é o seu tamanho, mas o seu isolamento. Ou então:

As bases da competitividade não são mais construídas somente nos limites internos (de um agente), mas no terreno mais amplo das inter-relações, no qual a empresa interage influenciando-o suas estratégias e seu desempenho; ao mesmo tempo, o fazer parte da rede condiciona as estratégias de cada empresa." (SOUZA, 1997:210).

Resumidamente, pode-se dizer que uma das estratégias de crescimento bem utilizadas pelo franchising (ou empresas-rede) é a confiança. Mais especificamente, o argumento é o de que "os compradores passam a impor padrões cada vez mais elevados na qualidade dos produtos, na velocidade de respostas e na confiabilidade, e a questão da confiança, portanto, tornou-se mais importante." (SCHMITZ,1997:190).

5.A replicabilidade do modelo de "clusteriazação" no Brasil

A importância que o fator "confiança" representa para as relações interempresariais (antes baseada na relações sócio-culturais de parentesco, etnia, religião, etc.), vem sofrendo profunda mutação quanto ao seu fundamento original. Um tanto quanto preocupado com esse resultado, SCHMITZ (1997:190) revela que o mercado mundial corroeu a confiança tanto quanto a gerou. Os vínculos sócio-culturais foram abalados, surgindo, em seu lugar, novos laços:

Esses novos laços estão baseados em um investimento consistente nas relações entre firmas. Os parceiros de negócios não necessariamente têm de mudar – mas o fundamento da confiança sim." (SCHMITZ, 1997:190).

A despeito da pouca confiança prevalecente nas relações interfirmas dentro dos aglomerados empresariais, esse fenômeno acabou tendo maior gravidade no Brasil, pois além da inexistência da confiança, ainda se constata a falta de cooperação interfirmas, segundo se confere na leitura de alguns dos mais recentes estudos realizados pelo IPEA acerca dos Sistemas Industriais Locais brasileiros, abaixo sumariados.

Para SUZIGAN (2001:313), por exemplo, na indústria de calçados de Franca/SP, apesar de haver forte inter-relacionamento empresarial, ampla concentração de mão-de-obra qualificada, contínuos spillovers de conhecimento e uma atmosfera industrial marshalliana, há pouco aproveitamento de vantagens competitivas, devido à falta deatividades cooperativas ou ações conjuntas das empresas. Isso se deve basicamente a um forte clima de competição entre as empresas e à falta de confiança, acentuada por fracassos de tentativas anteriores de cooperar.

Por outro lado, ao examinar o arranjo produtivo moveleiro de Ubá/MG,CROCCO et al (2001:229) constata a existência um elevado índice de informalidade no setor de fabricação de móveis, o que dificulta o estabelecimento de relações cooperativas duradouras e de confiança, necessárias para o desenvolvimento produtivo de todo o cluster.

Do mesmo modo, ZAMBONI e BARBOSA (2001:491), estudando o caso de formação de um cluster em torno do ecoturismo na região de Bonito/MS, destacaram que um dos grandes desafios a ser enfrentado para o fortalecimento do turismo naquela região refere-se à incipiente capacidade associativa e de confiança entre os agentes; falta de tradição do poderes públicos locais na cooperação intermunicipal.

Já no franchising (ou qualquer outro tipo de empresa-rede) os problemas relacionados àcooperação e à confiança são bem menos preocupantes, porque, dado as características contratuais desse sistema, a falta de cooperação e de confiança podem resultar em sanções e penalidades para franqueador e franqueados, previstas não só em cláusulas contratuais, mas também na própria lei 8.955 (Franquia Empresarial), as quais variam desde aplicação de multas e indenizações (para ambas as partes) até a rescisão do contrato firmado.

Assim, diferentemente do que ocorre nos clusters, onde predomina a informalidade das relações interfirmas, na rede de franquia há um certo grau de formalidade que faz com que confiança e a cooperação prevaleçam no inter-relacionamento dos seus integrantes, já que todos defendem a mesma marca. No franchising, a confiança e a cooperação surgem, então,através de "vínculos contratuais", mais consistentes que os "vínculos sócio-culturais" reinantes nos "clusters". Afinal, os contratos comerciais não só facilitam o estabelecimento de relações com vários mercados domésticos, como ainda garantem o bom funcionamento da cadeia de valor. Desses ressaltes, tira-se a seguinte conclusão:

A importância relativa do futuro vai se refletir na natureza dos contratos, nos instrumentos utilizados para garantir o engajamento de longo prazo dos agentes, na construção e na consolidação da confiança, da credibilidade e da reputação e, particularmente, no sistema de seleção e avaliação dos fornecedores." (SOUZA, 1997:219).

Como se nota, o contrato vem sendo interpretado como uma ferramenta eficaz na busca de um maior grau de relacionamento interempresarial. A "confiança contratual" (característica das empresas-rede) é, pois,bem mais realista e duradoura que a "confiança informal" (própria dos clusters), a qual se fundamenta em fatores puramente sócio-culturais, facilmente destituíveis com o passar do tempo. No caso dos clusters do Brasil, é flagrante a inexistência tanto do fator "confiança" como da "cooperação interfirmas", conforme visto nos parágrafos anteriores. Por isso é que COCCO, GALVÃOe SILVA (1999:17) asseguram que:

Os estudos sobre a Terceira Itália, com freqüência, privilegiam aspectos socioculturais, históricos e institucionais definidores de identidades específicas às regiões dos distritos e que, naturalmente, seriam difíceis de serem transplantados para outras regiões.

Na mesma trilha de pensamento, BAGNASCO (1999: 41), conclui:

Como já observamos, a realidade italiana é específica. Ela não constitui um modelo a imitar, nem um esquema de interpretação que pudesse explicar todo o caso da expansão da pequena empresa.O modelo apresentado pode, em compensação, servir de comparação ou como espelho onde distinguir semelhanças e diferenças.

Acrescente-se a isso que, embora nas três últimas décadas do século XX tenham-se novos "distritos industriais" ou "clusters", ou "aglomerações" de PMEs em torno das grandes indústrias nacionais, multinacionais e transnacionais espalhados todos os continentes, o capital industrial internacional ainda não declinou de vez a favor dos "clusters", estandoainda por decidir se permanecerá com a tradicional forma de "produção fordista" (centralizada nas grandes empresas) ou se transitará para a moderna forma de "produção flexível" (descentralizada, com a participação de PMEs).

Os resultados alcançados desta pesquisa indicam que tal indecisão decorre do receio de que, nas sociedades "clusterizadas", as PMEs fortemente interligadas se tornem potenciais concorrentes das grandes indústrias, deixando de atuar como meras prestadoras de serviços ou complementadoras da produção destas últimas, a exemplo do que ocorreu com a conhecida empresa italiana Benetton (do setor têxtil-vestuário), a qual se transformou de pequena empresa para multinacional. Uma vez comprovada o a inviabilidade do desenvolvimento socioeconômico brasileiro por meio do processo de "clusterização", resta examinar as ações e instrumentos necessários para a promoção da competitividade sustentada das redes de PMEs (associadas, consorciadas, cooperadas, franqueadas, etc.) e a inserção das mesmas no mercado internacional.

6.Conclusão

Neste trabalho foram apresentadas e analisadas as principais causas que deram origem à eficiência das PMEs, desde os primeiros estudos realizados por MARSHALL (1890) sobre os distritos industriais ingleses (no século XIX), passando pelos distritos industriais italianos com PIORE e SABEL (1984), BECATTINI (1984), BAGNASCO (1985), PIKE (1988), SENGEBERG (1990) e outros autores italianos (na década de 70 e 80 do século XX),até se alcançar as modernas teorias dos clusters ou aglomerados empresariais com SCHMITZ (1997) e PORTER (1999), com suas respectivas teorias da "eficiência coletiva" e "vantagens competitivas".

Viu-se, ainda, que o conceito de eficiência coletiva de Schmitz (1997) não se aplica apenas às empresas pertencente a um distrito industrial (cluster ou aglomerado), mas também às empresas estruturadas sob a forma de rede, isto é, "empresas-rede", das quais o "franchising" é uma espécie.Assim, procurou-se examinar os principais aspectos das empresas-rede e do franchising, abrangendo suas vantagens e desvantagens.

A par de tudo o que se asseverou precedentemente, pode-se afirmar que quanto maiores forem as ações conjuntas interempresariais (cooperação, aprendizado mútuo einovação coletiva) maior será o grau de competitividade das PMEs franqueadasem relação às PMEs independentes".

Isso porque, as empresas-rede, a exemplo do que ocorre no franchising, não precisam estar, necessariamente,posicionadas no mesmo local e, mesmo assim, podem obter "eficiência coletiva". As economias externas são poucas, mas os ganhos decorrentes das ações conjuntas são substanciais. Conseqüentemente, nas regiões onde não existem clusters, dentro dos quais os pequenos empresários têm maiores chances de sucesso (devido à proximidade geográfica das empresas), o franchising representa relevante alternativa em busca da competitividade, independentemente do espaço geográfico que ocupem, ou melhor, independentemente de pertencerem ou não a um cluster, já que o modelo de desenvolvimento socioeconômico por meio do processo de"clusterização"é estritamente específico ao caso italiano, sendo improvável transportá-lo para outras nacionalidades como o Brasil, além do que os fatores "confiança" e "cooperação" são frágeis nas relações inter-empresariais brasileiras, sendo o "contrato" comercial um fator de maior eficácia no tecido produtivo empresarial.

Por último, impende ressaltar que as empresas-redes, a exemplo do franchising, estão longe de ser "uma panacéia capaz de eximir o empresário dos passos necessários ao êxito de qualquer negócio.". Mas quando se fala do "modelo de empresas-rede", em especial do "modelo de franchising", estes sim, estão em plena expansão no Brasil. Muitas marcas estão se consolidando, inúmeras empresas se convencem de que as empresas-rede podem ampliar sua presença no mercado nacional e internacional.

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Autor: Hélio Barbosa Hissa


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