AS QUESTÕES DE LETRAMENTO E PRECONCEITO LINGUÍSTICO NA PERSPECTIVA DOS FORMANDOS DE PEDAGOGIA DA UEG - JARAGUÁ



1 - REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo limita-se à apresentação dos principais conceitos teóricos necessários ao desenvolvimento deste trabalho. Inicia-se situando o leitor sobre a linguagem na sociedade e o que alguns teóricos falam sobre a linguagem como poder. O capítulo segue expondo a teoria de Marcos Bagno sobre o Preconceito Lingüístico e a teoria de Letramento sob a perspectiva de Soares e Tfouni. Finalizando apresentamos o ensino da língua culta e o respeito a variedade lingüística na sala de aula, como uma abordagem mais prática e coerente condizente com os novos tempos.

1.1. A LINGUAGEM NA SOCIEDADE

A opção por enveredar pela análise da forma como os pedagogos do 4º ano de Pedagogia vêem a linguagem, as divisões padrão e não-padrão da Língua Portuguesa e suas relações de poder e status social, parte da idéia de que para nós, do meio educacional, a leitura parece ser um mero mecanismo de decodificação. Apenas um meio de estudar, de chegar aos conhecimentos, e não um processo de inter-relação, de compreensão do mundo e que pode ter diferentes usos.
A linguagem é uma das capacidades mais intrigantes do ser humano. Ela tem sido objeto de estudo de diversos âmbitos da ciência. Por isso, preferimos iniciar este estudo falando sobre a linguagem porque consideramos ser de extrema importante entender a importância da linguagem para a sociedade e o que ela representa em termos de poder e prestígio social.
Os seres humanos se distinguem de todos os outros seres vivos pela capacidade de se expressar de forma elaborada. A maneira como nos comunicamos é uma simplificação da estrutura profunda do pensamento.
É sabido que a linguagem humana tem como finalidade a comunicação, a transmissão de idéias. O ser humano já nasce com a capacidade para aprender a falar. Ele já nasce com uma gramática universal, o que justifica a facilidade com que a criança consegue reconhecer as regras que definem como as formas lingüísticas se articulam, e as diferencia em diversas situações comunicativas.
Entretanto, a linguagem não tem somente a função de simplesmente comunicar. Além disso, a linguagem revela a posição que o falante ocupa na sociedade em que vive.
As relações de poder existentes entre os falantes da língua de camadas sociais mais privilegiadas e os de camada menos favorecidas têm estreita relação com os níveis de letramento adquiridos pelo indivíduo e a sua intencionalidade que escondida atrás da linguagem.
Segundo Gnerre (1998) as pessoas falam para serem ouvidas, respeitadas e para exercer influência num determinado ambiente. “O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e concentrá-la num ato lingüístico” (Bourdieu, 1977 apud Gnerre, 1998 p. 05).
Por isso, as modernas correntes da lingüística vêm sinalizando que a linguagem é muitas vezes um poderoso instrumento de ocultação da verdade, de manipulação do outro, de controle, de intimidação. A palavra não é neutra (Bagno, 1998).
Assim a linguagem não é usada somente para informar, mas, revelar a posição que o falante ocupa ou a que ele acha que ocupa na sociedade (Gnerre, 1998).

1.2. A LINGUAGEM COMO PODER

Partindo da premissa de que a palavra nunca é neutra com bem cita Bagno, entendemos que a linguagem é um instrumento, por isso sua utilização é histórica. Mikhail Bakhtin assinala: "Cada palavra remete a um ou a diversos contextos, nos quais ela viveu sua existência socialmente subentendida. Todas as palavras, todas as formas, estão povoadas de intenções." (apud Carboni e Maestri, 2005).
Vogt também traz a luz um parecer interessante. Sendo a linguagem de natureza simbólica, se constitui num jogo de representações. Estas ativadas pela atividade lingüística colocam a linguagem na cena de um espetáculo maior e mais complexo: o da história, da cultura e das máscaras sociais. Comumente as pessoas ‘colam’ essas máscaras ao rosto, isto é, desempenham papéis na sociedade, e nem sempre sabem o que significam e nem porque as usam (Vogt, 2005).
Num contexto social e cultural, o indivíduo deve saber que tipo de linguagem é adequado para uma ocasião distinta. Para Gnerre (1998), o indivíduo deverá agir de acordo com as regras estabelecidas pela sociedade, e isto dependerá das relações sociais entre o falante e o ouvinte - a idéia que o falante irá reproduzir e o que o ouvinte espera ouvir. Essa ”capacidade de previsão” – expectativa das regras sociais referentes à linguagem – é que mostra que nem todos os indivíduos que integram uma sociedade t~em o mesmo acesso a diversidade de variedades lingüísticas.

“... nem todos os integrantes de uma sociedade têm acesso a todas as variedades e muito menos aos conteúdos referenciais. Somente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a uma variedade ‘culta’ ou ‘padrão’, considerada geralmente a ‘língua’, e associada tipicamente a conteúdos de prestígio. A língua padrão é um sistema comunicativo ao alcance de uma parte reduzida de uma comunidade...” (Gnerre,1998 p.06).


Assim, numa sociedade há duas classes de pessoas, a minoria que detém e utiliza a variedade padrão, e a maioria que não tem não domina. “Uma variedade lingüística ‘vale’ o que ‘valem,’ isto é, valem como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais.” (Gnerre, 1998).
Para Dias (2002), pouco se tem discutido sobre a condição da língua enquanto produto de um processo político que implica escolhas e reelaborações diversas de grande impacto sociocultural. As línguas na expansão colonial, eram instrumentos cujo poder era reconhecido. Elas serviam para perpetuar uma cultura sobre outra, que sempre acompanharam a dominação como explica Gnerre (1998).
Bagno (1998) alerta para as formas de preconceito apresentando a linguagem como um tipo de utilização cuja intenção não é comunicar, mas manipular.
O domínio da linguagem é de suma importância para o ser humano viver em sociedade. Pessoas que não dominam a linguagem tendem a enfrentar sérios obstáculos, sendo o mais grave o estigma da exclusão. Gnerre afirma que a palavra tem grande poder, pois elas guardam em si valores e crenças que são transmitidos pelas classes dominantes.
A linguagem pode ser usada para impedir a comunicação de informações para grandes setores da população. Todos nós sabemos quanto pode ser entendida das notícias políticas de um Jornal Nacional por indivíduos de baixo nível de educação (...) a comunicação de notícias fica restrita a grupos relativamente reduzidos entre os que têm acesso aos instrumentos de tais comunicações. (Gnerre, 1998).
A apropriação da linguagem abre portas, pois, quando estudamos Paulo Freire vemos que o domínio da linguagem significa ter acesso a outros mundos, públicos e instituições, como os mundos da mídia, da burocracia, da tecnologia, que dão acesso ao poder (Carboni e Maestri, 2005).

1.3. LÍNGUA-PADRÃO E PRECONCEITO LINGÜÍSTICO

Inicialmente vamos definir preconceito e discriminação, através dos conceitos apresentados pelo Dicionário O Globo. Preconceito é um conceito antecipado e sem fundamento razoável, opinião formada sem ponderação. Discriminação é ato de distinguir, de separar.
A idéia de que o Brasil é um país de uma só língua ainda é veiculada, pela escola, pelas instituições sociais, políticas ou religiosas, enfim, pela mídia. A aceitação de um Brasil monolíngüe gera um grave problema, excluem-se os povos indígenas que possuem suas próprias línguas, os imigrantes em suas colônias, e as variedades lingüísticas conhecidas como regionalismos e outros. (Rodrigues, 2005).
O preconceito lingüístico é uma das conseqüências dos preconceitos sociais. Ele é exercido sobre as pessoas que sofrem mais estigmas na sociedade como o analfabeto, o pobre, aqueles que não têm acesso à escolarização, etc. Conforme Marcos Bagno (1998), existe no Brasil vários mitos do preconceito lingüístico que trazem prejuízos a educação. Ele enumera oito mitos que servem para consolidar a visão de que no Brasil há uma unidade lingüística e que são os próprios brasileiros que não sabem falar português corretamente. Para ele o português-padrão é a língua falada pelas pessoas que detêm o poder político e econômico e estão nas classes sociais mais privilegiadas, são uma pequena minoria na população do Brasil, país que detém o recorde mundial de pior distribuição da riqueza nacional entre as camadas sociais.
O português não-padrão é a língua da grande maioria pobre e analfabeta. Conseqüentemente, é também a língua das crianças pobres que freqüentam as escolas públicas. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais desprestigiadas e marginalizadas pela injustiça social predominante no Brasil, o português não-padrão é vítima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas (Bagno, 1998).
Os PCN’s - Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, assim como os de temas transversais, reconhecem a existência de variantes lingüísticas, que devem ser respeitadas, pois não há um modo certo ou um modo errado de falar. Encontramos nos PCN (1997, p.31-32):
“A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. (...) A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido”.

A Proposta Curricular de Ensino de Língua Portuguesa segundo Pietri coloca o problema da variação lingüística como um dos mais sérios da escola em sua relação com a linguagem. Mostra que, a depender do posicionamento assumido pelo professor em relação à linguagem, o ensino pode ser uma forma de discriminação social. Coloca ainda a necessidade, por parte da escola, na figura do professor, do respeito ao dialeto que a criança traz de sua comunidade, porém oferecendo a essa criança o dialeto padrão, que é o que garantirá a ela sucesso numa avaliação social, além do acesso à tradição cultural escrita. É esse respeito, conseguido pela sensibilização das crianças em relação às variações lingüísticas que permitirá que se desenvolva satisfatoriamente o processo comunicativo e criativo da linguagem.
Soares, em seu livro Linguagem e Escola citada por Wolf (2002), (p.78). escreve:

Um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais.

1.4 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Depois de abordarmos a linguagem na sociedade, a linguagem como poder e o preconceito lingüístico, falaremos sobre a teoria do letramento.
A palavra letramento ainda não está dicionarizada porque foi introduzida recentemente na língua portuguesa. Segundo Soares (1998), ela apareceu primeiramente no livro de Mary Kato: No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de 1986.
A palavra letramento é um tanto quanto fora do comum para muitos profissionais da educação e até para acadêmicos da área. Surgiu entre os lingüistas e estudiosos da língua portuguesa, e então passou a ter trânsito no setor educacional. O termo letramento se originou de uma versão feita da palavra da língua inglesa “literacy”, com a representação etimológica de estado, condição, ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado para ler e escrever (Soares, 1998).
Soares cita em artigo publicado no portal Anped que os teóricos brasileiros sempre aproximam alfabetização e letramento. Isto é visível, segundo ela, em Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni (1988), que aproxima alfabetização e letramento; no título: Letramento e Alfabetização (1995) que também menciona os dois conceitos; a mesma aproximação entre os dois conceitos aparece na coletânea organizada por Roxane Rojo, Alfabetização e letramento (1998), em que está também presente a proposta de uma diferenciação entre os dois fenômenos, embora não diferente da proposta de Leda Tfouni; Ângela Kleiman, na coletânea que organiza – Os significados do letramento (1995), também discute o conceito de letramento; e Letramento: um tema em três gêneros de sua autoria procura conceituar, confrontando os dois processos – alfabetização e letramento.
A história do letramento no Brasil se deu por caminhos diferentes dos que explicam a invenção do termo em outros países, como a França e os Estados Unidos. Enquanto nesses outros países a discussão do letramento se fez e se faz de forma independente em relação à discussão da alfabetização, no Brasil, a discussão do letramento surge sempre arraigada ao conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação na produção acadêmica, a uma inadequada fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento *(Soares, 2003).
Mortatti (2004) explica que o fato de uma pessoa ser alfabetizada não garante que ela seja letrada, viver numa sociedade letrada não faz dela uma pessoa letrada ou que todos tenham oportunidades iguais na cultura escrita.
À medida que o analfabetismo diminui que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... (Soares, 1998).
Paulo Freire dizia que "a leitura de mundo antecede a leitura da palavra". Há assim uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição de quem sabe ler e escrever. A pessoa que aprende a ler e escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso na prática social de leitura e de escrita é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever – analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita (Soares, 1998).
Letramento é de certa forma, o contrário de analfabetismo. Aliás, houve um momento em que as palavras letramento e alfabetismo se alternavam, para nomear o mesmo conceito. Ainda hoje há quem prefira a palavra alfabetismo à palavra letramento. Analfabetismo é definido como o estado de quem não sabe ler e escrever; seu contrário, alfabetismo é o estado de quem sabe ler e escrever. Letramento, assim, é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive: sabe ler e lê jornais, revistas, livros; sabe ler e interpretar tabelas, quadros, formulários, sua carteira de trabalho, suas contas de água, luz, telefone; sabe escrever e escreve cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade, sabe preencher um formulário, sabe redigir um ofício, um requerimento. São exemplos das práticas mais comuns e cotidianas de leitura e escrita (Soares, 1998).
O processo de letramento ocorre, então, entre crianças bem pequenas. Pode-se dizer que o processo começa bem antes de seu processo de alfabetização: a criança começa a "letrar-se" a partir do momento em que nasce numa sociedade letrada. Exposta a materiais escritos e de pessoas que usam a leitura e a escrita, crianças de estrato social mais elevado como de camadas populares, iniciam o processo de letramento, pois, a escrita está presente no contexto de ambas. Elas vão conhecendo as práticas de leitura e de escrita, vão reconhecendo o sistema de escrita, diferenciando-o de outros sistemas e descobrindo como funcionam.

1.5. O ENSINO DA LÍNGUA CULTA E O RESPEITO À VARIEDADE LINGÜÍSTICA NA SALA DE AULA

As línguas são variáveis. Nenhuma língua é falada da mesma forma em todos os lugares e nem todos os falantes da mesma língua falam do mesmo jeito.
Silva (1995) aborda as contradições no ensino de português, enfocando – principalmente por parte da escola que representa o poder dominante – o não-reconhecimento das variedades lingüísticas tanto nos níveis populares como nos níveis cultos de uso da língua, ressaltando que a questão é complexa, uma vez que o domínio e o uso da língua, desta ou daquela variedade, está intimamente ligado a questões políticas e econômicas.
Janete S. dos Santos no artigo Letramento, Variação Lingüística e Ensino de Português afirma:
O dialeto usado por muitos professores não é uma questão de má formação acadêmica. A escola no Brasil não surgiu inicialmente para as classes populares. Quem a freqüentava, em geral, era a classe dominante. Evidentemente que o próprio professor advinha dessa classe – no Brasil, os primeiros professores foram os padres jesuítas. Logo, a linguagem da escola não estava distante da linguagem de quem a freqüentava, tanto docente, quanto discente – a aristocracia da época. Era uma escola da elite para a elite. Com a gratuidade do ensino, a própria classe popular passou (e vem passando), progressivamente, a ministrar as aulas para si mesma, “enfraquecendo” assim o peso e o domínio da rigidez gramatical observada na língua culta. Rigidez não para quem está acostumado a ela, mas para os que deveriam promovê-la sem, contudo, tê-la incorporado, por não fazer parte de seu contexto de uso. Os meios de comunicação também elevaram o dialeto popular ao expor pessoas oriundas de contextos lingüísticos não cultos, as quais, de súbito, adquirem fama por diversas razões, tais como atores, cantores, artistas de diferentes gêneros, jogadores, integrantes de banda de música, modelos, políticos etc., e, como formadores de opinião, fortalecem o afrouxamento de qualquer padrão lingüístico rígido pretendido pela escola elitista (Santos, 2004).

Santos levanta uma questão premente e verdadeira. A classe de professores há tempos desprestigiada passou a ser composta por pessoas advindas de classes populares. Estudando em cursos noturnos, sem tempo de estudar, em muitos casos não se apropriaram do padrão exigido pela norma culta, diante disso, como exigir dos alunos o que não se domina?
Geralmente se ouve que só o gramático tradicional é quem sabe como se deve falar e escrever. E este se respalda nos renomados escritores do passado, preferencialmente na escrita literária, cuja linguagem, em muitos casos, traz formas arcaica e ultrapassadas. Daí o ensino da gramática normativa estando desconectado com temas do cotidiano parece ser, como bem o define Luft, 1985 (apud Santos, 2004), ‘inalcançável’ para aqueles de classe social menos favorecida, cuja realidade lingüística está muito distante do que a escola pretende, como também para aqueles de pouca leitura ou para aqueles que não possuem tais práticas.
Cagliari (apud Wolf, 2002) afirma que os modos diferentes de falar ocorrem porque as línguas se transformam ao longo do tempo, adotando características de grupos sociais diferentes. Por isso a evolução no modo de falar não degenera a língua, não são certo ou errado, mas diferentes modos. Assim, quando falamos com uma autoridade falamos de um jeito, e quando falamos com parentes e amigos adotamos outro tipo de linguagem, mais informal.
Sob esse prisma, a escola é o espaço de alargar, conhecer e adentrar novos universos, que possam dar outros significados à vida, contribuindo para que se compreenda a realidade de outras maneiras.
Marcuschi, (apud Santos, 2004) reforça que se parta sempre da oralidade para a escrita, trabalhando as diferenças e semelhanças entre as modalidades falada e escrita, visto que o fim maior do ensino da língua “é o pleno domínio e uso de ambas as modalidades nos seus diferentes níveis”.
Assim, na sala de aula é preciso favorecer ao aluno o domínio da língua culta respeitando a variedade lingüística trazida por ele, e dela partir sempre.


Capítulo III – Metodologia
Um dos eixos fundamentais de qualquer investigação, seja de que natureza for, é o metodológico. O presente trabalho tomou o caminho da metodologia qualitativa, própria de estudos etnográficos. A escolha da técnica do foco no grupo, ou grupo focal baseou-se, em primeiro lugar, na sugestão de nossa orientadora, e após uma pesquisa bibliográfica, resolvemos que esta seria a técnica ideal para o que pretendíamos, posto que nela, o pesquisador não determina hipóteses, mas apenas observa (Portela apud Giovinazzo, 2006). Por isso, utilizamos o método “Focus Group”- Foco no Grupo, ou Grupo Focal, ou ainda Grupo de Discussão (Veiga e Gondim, 2001).
A tendência da ciência social nos últimos tempos (Giovinazzo, 2006) é coletar dados qualitativos mediante “entrevistas individuais e observação participante em grupo”. O “Foco no Grupo” combina esses dois elementos de uma só vez. A técnica é apropriada em situações onde há a necessidade de pessoas contarem suas experiências, expressarem suas opiniões e sentimentos e explicarem como agem.
As vantagens apresentadas por Mattar 1993 apud Giovinazzo 2006, são: sinergismo, interação, espontaneidade, naturalidade, rapidez na coleta entre outras.
Como estamos concluindo um curso de Pedagogia e, pelo fato de nossa matriz curricular abordar assuntos que tratam de alfabetização, aquisição da linguagem e preconceito lingüístico, mas não constar o estudo da teoria de letramento e, visto ser esse um tema urgente em nossos dias, daí surgiu o nosso interesse em pesquisar como os nossos colegas (futuros pedagogos) vêem essas questões. O que os futuros educadores pensam sobre a fala comum das pessoas? Como eles lidarão com a linguagem padrão e não padrão em sala de aula. Há preconceito lingüístico?
Previsto para o dia 06 de junho de 2006 nos encontramos na universidade para a aplicação da Técnica Foco no Grupo, isto é, a coleta de dados. Foi uma conversa que poderia ser muito bem aproveitada, mas por problemas com a filmadora não pudemos aproveitar a filmagem realizada.
Marcamos nova data agora em 24 de agosto, onde optamos usar um gravador digital com o qual temos maior afinidade. O encontro foi previamente combinado com o grupo, tendo os colegas concordado em participar da conversa gravada. Nesta experiência os colegas ficaram mais à vontade visto não estarem sendo filmado.
A coleta de dados ocorreu nessa reunião tendo como sujeitos sete alunos do 4º ano de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás - Unidade de Jaraguá, ou seja, nossos próprios colegas de sala de aula que foram escolhidos pelo critério da disponibilidade.
Sendo parte da equipe da pesquisa: “Identidade em narrativas de migrantes”, sob a orientação da professora Lúcia de Freitas da UEG - Jaraguá, nós optamos por colocar para que o grupo ouvisse uma narrativa de um imigrante, apenas por alguns minutos. Assim os colegas observaram o modo do imigrante se expressar. Após esse passo, iniciamos a discussão sobre o que os colegas haviam percebido da fala do imigrante, de seu modo de falar, da linguagem utilizada, etc. Isto, sem perguntas diretas tendo somente pontos para debate entre os participantes. Nesse momento eles trocaram idéias entre si, expressando opiniões completamente espontâneas.
O foco ou o objeto de análise nessa técnica é a interação dentro do grupo. Os participantes influenciam uns aos outros pelas respostas às idéias e colocações durante a discussão, estimulados por comentários ou questões fornecidos pelo moderador (pesquisador ou outra pessoa). Os dados fundamentais produzidos por essa técnica são transcritos das discussões do grupo... (Giovinazzo, 2006).
Dos colegas que participaram da pesquisa um é do sexo masculino e o restante é do sexo feminino.
Acadêmico 1: 23 anos, professor, morador do município de Jaraguá, vive numa realidade de alunos da zona rural onde a língua não padrão é bastante acentuada. Tímido, porém possui firmeza nas opiniões. Fala com fluência e se esforça para usar a linguagem padrão.
Acadêmico 2: Mãe de 5 filhos, professora, casada, de Jaraguá, tímida, sofre com um distúrbio de fala o que não a impede de exercer liderança em pequenos grupos, na sala de aula e socialmente.
Acadêmico 3: 24 anos, solteira, empresária, natural da região, criada em um ambiente predominantemente feminino (mãe, irmã, avó), extrovertida, líder, fala com segurança, mantém a harmonia entre os colegas.
Acadêmico 4: 29 anos, casada, professora, mãe, viveu em outras regiões do país. É polêmica, demonstra não estar satisfeita por viver nessa região. Gosta da profissão que exerce e se dedica, se esforça para falar a linguagem padrão.
Acadêmico 5: 25 anos, mãe, recém-casada, advém da zona rural, professora da Educação Infantil, tem prazer pela profissão, é afável e compreensiva.
Acadêmico 6: 23 anos, casada, sem filhos por opção, tímida, porém expressa sua opinião de forma decisiva.
Acadêmico 7: 26 anos, filha única, pais extremamente protetores, já viveu em outra região, polêmica, se expressa com muita segurança. É professora dedicada e se esforça para falar a linguagem padrão.
A gravação rendeu quarenta minutos de conversa da qual retiramos os recortes para análise que vem a seguir.


Capítulo IV Análise dos Resultados
A técnica foco no grupo proporcionou à pesquisa dados que de outra forma dificilmente surgiriam. Todos os participantes estavam bem à vontade para se expressarem livremente.
Após atenta observação das falas dos sujeitos, foram encontrados vários temas que optamos por classificá-los em: linguagem adequada, regionalismo, preocupação com o futuro sucesso dos alunos, linguagem padrão, não padrão e técnica, preconceito lingüístico e corrigir ou não corrigir a fala do aluno?
Partindo do entendimento de que a linguagem revela a posição que o falante ocupa na sociedade em que vive, e que as relações de poder existentes entre os falantes da língua têm estreita relação com os níveis de letramento adquiridos pelo indivíduo, podemos observar que os acadêmicos que aparentemente possuem níveis de letramento mais elevados puderam se expressar com maior liberdade e segurança durante a aplicação da técnica.
Pesquisando os autores amplamente mencionados no capítulo teórico, podemos entender que o fator econômico é um fator decisivo na promoção do letramento. Um estudo realizado por Ribeiro, Vóvio e Moura (2006) revela como os déficits educacionais se traduzem em desigualdades quanto ao acesso a vários bens culturais.
O estudo da teoria de letramento também mostra as diferenças entre letramento e alfabetização. Neste estudo compreendemos que o fato de uma pessoa ser alfabetizada não garante que ela seja letrada, e que viver numa sociedade letrada não faz uma pessoa alcançar grandes níveis de letramento. Aliás, ainda não há na sociedade oportunidades iguais na cultura escrita.
Com isso, um novo fenômeno se confirma: já não é o bastante saber ler e escrever. As pessoas vão à escola, aprendem ler e escrever, mas não incorporam a prática da leitura e escrita, não adquirem competência para usar a leitura e a escrita, no seu dia a dia, nas práticas sociais: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, uma declaração, etc. (Soares, 1998).
Outro fator interessante é o fato de que os acadêmicos formandos em Pedagogia pela UEG - Universidade Estadual de Goiás não tiveram oportunidade de estudar a teoria de letramento, com exceção de quatro alunos que fazem parte do grupo de pesquisa da unidade universitária, pois a universidade não tem incluso em sua matriz curricular o estudo do assunto em questão.
Com isso, não possibilita aos alunos condições de, por meio do conhecimento da teoria de letramento fazerem aplicação em sua futura prática pedagógica. Tendo esse conhecimento eles poderiam proporcionar aos seus alunos apropriação efetiva de competências de leitura, de tornarem-se interventores na sua realidade. Nós entendemos que é função da universidade engajar-se e somar-se a projetos para dar suporte aos seus alunos.
Há ainda a questão de o preconceito lingüístico ser uma das conseqüências dos preconceitos sociais. Ele é exercido sobre as pessoas que sofrem mais estigmas na sociedade como o analfabeto, o pobre, aqueles que não têm acesso à escolarização, etc. Conforme Bagno (1998), existe no Brasil vários mitos do preconceito lingüístico que trazem prejuízos a educação.
Mediante os temas elencados podemos afirmar que o preconceito lingüístico surge de um intricado conjunto de conceitos com fins ideológicos por parte da sociedade detentora dos poderes econômicos e políticos, que no curso de Pedagogia em Jaraguá foram sendo reafirmados pelos resultados aqui encontrados.
É justamente nesse enfoque teórico que se insere a pesquisa cujos resultados são relatados a seguir.

4.1 - Linguagem adequada
Pode-se perceber que os acadêmicos compreendem que há uma linguagem adequada para cada situação comunicativa. A seguinte afirmação demonstra essa compreensão sobre os diferentes modos de falar de acordo com o interlocutor, com a mensagem a ser comunicada, com o ambiente e com a situação em que se encontram os falantes.
O que eu quero dizer é o seguinte: eu acho que existe diversas formas de você mostrá como deve se postá, como falá em diversos locais... (Acadêmico 4)

Eu acho que o professor deve falar numa linguagem culta, eu não posso falar como a criança fala. (Acadêmico 5)

.
Eu penso que na sala, o professor, na sala, tem que ter uma linguagem mais, mais culta, mesmo que o aluno é bem simples... (Acadêmico 5)


Num contexto social e cultural, o indivíduo deve saber que tipo de linguagem é adequado para uma ocasião distinta. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais “a linguagem é uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua história” (PCN Língua Portuguesa p. 23, 24).
Essas falas revelam que os sujeitos compreendem que a língua é um símbolo histórico e social que dá possibilidades ao ser humano de aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e as maneiras que as pessoas do seu meio social interpretam a sua própria realidade.

4.2 Regionalismo
Quanto ao regionalismo observe as falas:
Mas essa questão de ser culto ou não ser culto, isso é muito amplo, né porque existem culturas diferentes, e não culturas superiores, dentro da linguagem existem linguagens diferentes, mas não superiores... (Acadêmico 7)


Eu acho o seguinte, que respeita o regionalismo é muito importante. O que há de mais desrespeitoso em relação à linguagem dentro do Brasil é o regionalismo, as pessoas criticam. Falá com sutaque não é falá errado pro’s lingüistas né... (Acadêmico 7)


Com essas afirmações é percebível que os acadêmicos entendem que sotaques e gírias fazem parte das variedades da língua e se constituem num caldo cultural riquíssimo. O regionalismo é um fenômeno natural e universal. O PCN afirma “a Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais” (PCN Língua Portuguesa p. 31).
Os recortes também demonstram que há desrespeito e crítica quando uma pessoa tem pronúncia diferente. Isto também é percebível na seguinte fala:
A questão do “r” que nós goianos falamos com muita veemência, o pessoal da minha família de Brasília criticam e criticam como se a gente falasse, como se falar porta fosse errado. É só sutaque... (Acadêmico 7)

O próprio acadêmico revela que é alvo de preconceito lingüístico. O PCN explicita que as pessoas são identificadas socialmente pela forma como falam. “Há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas”. (PCN Língua Portuguesa p. 31).
Bagno (1998) explica que o preconceito lingüístico é uma das conseqüências dos preconceitos sociais. Ele é exercido sobre as pessoas que sofrem mais estigmas na sociedade como o analfabeto, o pobre, aqueles que não têm acesso à escolarização. Assim, entendemos que nesse tema os acadêmicos entendem que o regionalismo é fato que precisa ser encarado pelo professor de forma natural e não preconceituosa. Um dos sujeitos até tenta explicar que não se deve cobrar uma linguagem de uma pessoa que possui outra vivência outros costumes diferentes e faz uma reflexão do que é o “certo” na língua falada demonstrando que em se tratando de linguagem não existe o que é certo ou o que é errado mas o que é adequado para cada situação.
E o professor por exemplo daqui, que não consegue falar é, ... a gente acaba adquirindo uns hábitos é ... regionalísticos, e acaba sendo diferente de uma outra região. E esse professor tá ensinando por exemplo pra mim..., suponhamos... tem um professor goiano, ensinando pr’a carioca, aí eu vou cobrar, ele tem que falar o certo, o que que é o certo? (Acadêmico 4)

Nesse caso o acadêmico não deixou claro se o falar “certo” é próprio de uma região do país, o que se constituiria em equívoco e preconceito lingüístico como expressa Bagno (1998) que não existe uma única comunidade de falantes do “melhor” ou o “pior” português, a linguagem apenas identifica a classe social do falante.

4.3 Preocupação com o futuro sucesso dos alunos

Em relação à preocupação dos acadêmicos com o futuro sucesso dos alunos vemos:
Imagina um aluno seu falando trupiquei a vida intera, ou pranta a vida intera, e você respeitando, tendo todo aquele cuidado e tal, e no futuro? Será que esse aluno vai querê sê um adulto, sê um profissional que fale corretamente? A gente não pode contribui positivamente pra que ele é, amplie seu vocabulário? (Acadêmico 7)

Eu tenho que ensinar a forma certa é claro que respeitando... se eu quero que meu aluno se sobressaia lá na frente no futuro, eu tenho que ensinar a forma correta.
Nós estamos num mundo competitivo, então cabe a nós professores ensinarmos o certo. (Acadêmico 7)

Quando essa criança cresce e se torna um adulto, no mercado de trabalho ela vai continuá... tê uma dicção?... (Acadêmico 7)

Tem que ensinar... e olha você encontra um monte de advogado falando por aí, falando errado e fora da realidade da gramática da Língua Portuguesa. (Acadêmico 4)

Também contribuir, mas eu também não concordo de ridicularizar, mas eu também não concordo de ser omissa... (Acadêmico 7)

O mundo é muito seletivo... (Acadêmico 3)

Com esses recortes é possível ver que há uma sincera preocupação com o sucesso profissional dos alunos, com a vida profissional, com o futuro status social, etc. Quanto a esse assunto o PCN - Língua Portuguesa explica que o domínio da língua dá acesso à “plena participação social”. É da abertura dessa possibilidade que o indivíduo tem acesso à informação, e constrói sua visão de mundo.
... “um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingüísticos necessário para o exercício da cidadania... (PCN Língua Portuguesa p.23)

Os futuros pedagogos sabem que a escola ao ensinar proporciona ao aluno o acesso ao ensino da língua o que permite sua inserção na cultura letrada.

4.4 Linguagem padrão, não padrão e técnica

Analisando os dados colhidos vemos que não há clareza na compreensão de membros do grupo em relação à compreensão dos temas: linguagem padrão, não padrão, técnica e de diversas variedades lingüísticas.
Então eu acho que não existe isso da linguagem padrão, não tem...

Então é aí que eu tô falando que não existe uma linguagem padrão...

Conforme Bagno (1998) a norma padrão é aquela ensinada na escola e normatizada pelas gramáticas. Variedade não padrão diz respeito a quaisquer variedades lingüísticas diferentes da variedade padrão. Variação lingüística é a distância entre a fala do sujeito em relação à norma padrão. Em A Língua de Eulália (1997), Bagno explica que em diferentes regiões do país, o português é falado com sotaques e peculiaridades próprias, mas que a ortografia oficial determinada pela norma padrão é uma só valendo para todo o país.
Neste caso o colega demonstra não dominar a diferença entre a linguagem padrão e não padrão. A divergência no entendimento desse tema é clara nesse recorte:
..._ não é porque eu falo diferente que essa linguagem é a culta... porque se eu for falar a linguagem culta, tem a linguagem culta do pedagogo, do médico.... _ Ah! Mas isso é linguagem técnica... _ Que seja...

Nesta fala o colega se equivocou fazendo confusão entre linguagem técnica e culta e o outro colega o corrigiu.


4.5 Preconceito Lingüístico
Aqui colocamos as falas de duas alunas do grupo que contam a experiência de seus avós que se alfabetizaram sem a presença da escola.
Minha vó nunca foi a escola, ela aprendeu a ler em lata de margarina e de tinta, as pessoas iam em casa e ela perguntava... foi aprendendo e hoje ela tem um vocabulário muito rico, tem dicionário, pergunta pra gente... Ela não teve oportunidade de estudar morava na roça era pobre mas não se conformou, teve força de vontade...

Meu avó aprendeu a ler na Bíblia, ele foi professor na zona rural, sem nunca ter ido a escola...

Há assim uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição de quem sabe ler e escrever. A pessoa que aprende a ler e escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso na prática social de leitura e de escrita é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever – analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita (Soares, 1998).
As colegas comentam que seus avós escrevem cartas, tem hábitos regulares de leitura. Esses exemplos vêm provar que é através do letramento – dos usos sociais de leitura que as pessoas intervêm em sua realidade.
Sobre o tema preconceito lingüístico temos:
Já aconteceu de a gente ouvir um professor trocando o l pelo r, mas, descobrir depois que ele tem grande potencial, mas num primeiro momento, a primeira imagem é de rotular... uma pessoa não é só o que ela fala...

Qual a diferença de falar ‘porta’ e escrever ‘porta’. É só a forma da pronúncia do fonema “r”.

Os rótulos são formas diferentes de preconceito. Nosso entendimento é que o preconceito deve ser combatido em todas as suas formas, principalmente o lingüístico.

Aí vem a questão do preconceito, igual os meus dentes, é aberto e quando eu falava o ‘r’ e o ‘l’ não saía, na sala de aula jamais a professora me pegava pra lê, ela pegava outros alunos pra tá fazendo isso, e sempre reforçando o que? Por mais que eu tivesse nota boa, fosse melhor aluna, eu fui me recalcando, eu hoje eu continuo a mesma quietinha...

Quanto a essa questão diz o PCN:
Talvez por isso a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer usos e formas da língua oral. Quando o fez foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala errada dos alunos – por ser coincidente com a variedade lingüística de prestígio social -, com a esperança de evitar que escrevessem errado. Reforçou assim o preconceito ... (PCN Língua Portuguesa p. 48 e 49)

O PCN ainda explica: “...desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes”...
Embora não seja mais tão manifesto o preconceito lingüístico foi um assunto recorrente entre os acadêmicos.
Eu respeito a cultura, respeito a tradição, mas, não respeito falá errado. Eu não concordo.

...quando seu aluno fala pranta, de outro lado eu penso que tenho que falar certo...

“Não é papel da escola ensinar o aluno a falar; isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar.” (PCN Língua Portuguesa p.48)

4.6 Corrigir ou não corrigir?

Uma questão suscitada pelos próprios acadêmicos na pesquisa, e que rendeu um tempo considerável de discussão foi se o professor deve corrigir ou não corrigir a fala dos alunos. Observe:
Eu tenho uma colega que tava contano que um aluno dela chegou e disse : _ Tia, eu posso í mijá? _Ah! Você quer fazê xixi?Ele foi até a metade do caminho, voltô, olhô pra ela e ela: _Pode í meu filho fazê xixi! Ele foi e volto trêis vêis porque ele não entendeu o que era fazê xixi.
A língua é um sistema de signos históricos e sociais que dá ao indivíduo a condição de dar significado ao mundo e a realidade. Segundo o PCN – Língua Portuguesa “aprendê-la (a língua) é aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade...”
Nesse caso, tentar substituir uma terminologia por outra sem a devida significação não faz o menor sentido para a criança. Não basta para a escola mudar o padrão lingüístico dos estudantes com a intenção de fazê-los apropriarem-se de uma linguagem de prestígio, esta seria uma conseqüência do acesso efetivo ao saber acumulado.
É nítida a intenção de corrigir a linguagem ‘errada’ do aluno, esta intenção está presente em diversas falas:

Eu acho que respeitar a cultura não significa que você tem que deixar a criança falar errado.

É papel do professor corrigir...

...você tem que tá ... procurar corrigir de maneira mais sutil, mas, tem uma maneira correta de dizer aquilo, não pode deixa à vontade...

Por isto, segundo a orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa a escola deve ensinar o aluno a usar a linguagem oral nas variadas situações comunicativas. “Trata-se de propor situações didáticas nas quais as atividades façam sentido de fato, pois seriam descabido ‘treinar’ o uso formal da fala.”


...eu não tô de acordo de deixá fala errado, não adianta.

Como você vê um aluno seu falando errado?

Os formandos foram unânimes em afirmar que é papel da escola ensinar o “certo”, entretanto nossa opinião é que dando ao aluno acesso aos meios de aquisição de leitura, proporcionando a ele oportunidades de vivenciar situações, textos, informações, será natural que ele ir absorvendo a linguagem de prestígio.
Como afirma Bagno o preconceito lingüístico é conseqüência dos preconceitos sociais. O PCN Língua Portuguesa afirma que o preconceito estabelecido na sociedade precisa ser enfrentado pela escola “como parte do objetivo educacional mais amplos de educação para o respeito à diferença.” ... “para isso a escola deve livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar... e, sendo assim, seria preciso ‘consertar’ a fala do aluno” ... (p.31)
Pietri coloca que, a depender do posicionamento assumido pelo professor em relação à linguagem, o ensino pode ser uma forma de discriminação social. Assim, acreditamos que a escola, através do professor, deve respeitar o dialeto que a criança traz de sua comunidade, e, além disso, precisa oferecer-lhe a linguagem padrão, que é o que garantirá a ela sucesso numa avaliação social, além do acesso à tradição cultural escrita. Esse respeito só será conquistado se houver sensibilização das crianças em relação às diversas variedades lingüísticas, o que permitirá que o aluno amplie satisfatoriamente sua linguagem.
A título de conclusão desse capítulo queremos ressaltar que seria de extrema importância que os professores pedagogos recebessem uma boa formação lingüística, para que eles reconhecessem na fala do seu aluno das camadas sociais mais carentes, uma língua que tem lógica, que tem estrutura, mas que é diferente da que é cobrada tradicionalmente no ensino. Com isso a noção do ‘erro’ seria compreendida e assim os objetivos do ensino de língua na escola seriam vistos de outro modo.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PCN - Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa (1997). Brasília: MEC/SEF

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WOLF, Rosângela A. do Prado. Da formação do professor à prática textual na aula de Língua Portuguesa, Dissertação de Mestrado UEM, Maringá PR, 2002. disponível em http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/rapwolf.pdf. acesso em : 02/06/06
Autor: Rafaela Calixto de Oliveira


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